Zhuge Liang e o fim da dinastia Han

Nascido em 181 em Yangdu de Langya, hoje vila de Yinan, prefeitura de Linyi no Sul da província de Shandong, Zhuge Liang (181-234, 諸葛亮) tinha o nome literário Kongming e era conhecido por a alcunha do Dragão Adormecido, potência à espera de ser acordada. Órfão desde os oito anos, de mãe em 184 e do pai, Zhuge Gui, magistrado no distrito de Taishan, em 189, ficou então à guarda do tio Zhuge Xuan. É de lembrar pouco se saber sobre Zhuge Liang, figura para além de histórica tem a complementá-la várias lendas, assim como mitológicas narrações que fazem dele um ser misterioso de grande poder.

A maior parte da sua vida apenas vem narrada no Registo dos Três Reinos (San Guo Zhi), escrito por Chen Shou e publicado no séc III, que forneceria a Luo Guanzhong (1330-1400) as fontes para o Romance dos Três Reinos (San Guo Yanyi), publicado no século XIV, e que, como um romance histórico, narra o período de 169 a 280. Mas há outras histórias que nem aí vêm contadas. Uma delas, a mais estranha de todas, refere como Zhuge Liang se tornou um Imortal, sendo só registada após via oral ser passada de geração em geração e escrita muito tempo depois nas Histórias de Longzhong.

O general Yuan Shu, um senhor da guerra que, mais tarde em 197, se autoproclamou imperador da curtíssima dinastia Zhong, enviou Zhuge Xuan para ir tomar conta de Yüzhang, pequena localidade a Norte da actual província de Jiangxi, próximo de Nanchang. Como tal não ocorreu por não haver a aprovação dos oficiais Han, Zhuge Xuan foi pedir ajuda ao amigo Liu Biao (142-208), prefeito (governador) da província de Jing (Jingzhou, em Hubei), que administrava grande parte das actuais províncias de Hubei, Hunan e o Sudoeste de Henan e no ano 190 mudara a capital de Hanshou para Xiangyang.

Daí Zhuge Xuan ir viver em Xiangyang acompanhado pelo sobrinho Zhuge Liang, tendo este estudado durante três anos numa escola, talvez na Academia fundada por Liu Biao por volta do ano de 196. Ao mesmo tempo, Liang escolheu Pang Degong como seu mestre.

Zhuge Xuan morreu em 197 e após a morte do tio, Zhuge Liang com dezassete anos mudou-se para a aldeia Longzhong, próximo de Xiangyang, província de Hubei. Aí se dedicou à agricultura, nos tempos livres a ler e tocar guqin, convivendo com a população local e sobretudo a conversar com o seu mestre Pang Degong e Xü Shu, seu sogro, apreendendo coisas da vida e trocando ideias sobre as convulsões e acontecimentos do país.

Zhuge Liang, a viver desde 197 em Longzhong, aí passou mais ao menos dez anos onde fez muitos amigos entre os locais, mantendo relações de amizade com intelectuais como Sima Hui e Huang Chengyan. Este último sabendo andar Zhuge Liang à procura de esposa, propôs-lhe a filha. Avisou-o ser feiosa, apesar de dotada de muitos talentos, que bem se complementaria com os atributos dele. Concordando, casou-se com Huang Yueying, apesar de, no local registo histórico Xiangyang Ji, onde vem narrado tal episódio, o nome da esposa nunca ser mencionado.

 

Só à terceira foi de vez

Em 207 Zhuge Liang tornou-se conselheiro militar de Liu Bei (161-223), que se apresentava como representante da casa real Han, e organizou-lhe o pequeno exército após a derrota sofrida nesse ano em Wunhuan contra as forças do general Cao Cao (155-220), poeta e grande estratega, a governar o país desde 196 em nome do Imperador Xian Di (189-200) da dinastia Han do Leste. Mas nada se passou à primeira nem com facilidade. Zhuge Liang queria saber se devia ou não servir Liu Bei, que se apresentava como verdadeiro descendente da defunta dinastia Han.

Em finais do primeiro século, Liu Bei e o general Zhang Fei haviam combatido a Revolta dos Turbantes Amarelos. Durante uma das expedições, encontraram-se com o fugitivo à justiça Guan Yu, homem robusto, a vaguear como vendedor ambulante por Zhuoxian (a 70 km de Pequim) na província de Hebei. No Jardim dos Pessegueiros fizeram os três um juramento, tornando-se irmãos de armas, com promessas de ajudarem Liu Bei a tornar-se chefe e, por sublevação armada, estabelecer o reino Shu-Han.

Liu Bei não tinha uma base e esperava o momento adequado para solicitar o patrocínio do também membro da família real Liu Biao, Prefeito de Jingzhou entre 192 a 208, que administrava grande parte do centro da China, na zona média do rio Yangzi. Residia Liu Bei em Xinye quando percebeu precisar de um conselheiro e estratega para combater o reino dos Wei no Norte e o reino Wu a Leste. Por isso foi visitar Sima Hui que o alertou não poder encontrar engtre os ru (letrados confucionistas) pessoas habilitadas em assuntos de Estado ou da Guerra e haver na região apenas dois transcendentes seres com essas habilidades e conhecimentos: o Dragão Adormecido e a Jovem Fénix, casal formado por Zhuge Liang e a esposa.

Após Liu Bei ter sofrido em 207 uma derrota contra as forças de Cao Cao em Wunhuan, na retirada estacionou as tropas em Jingzhou e reconheceu a necessidade de contratar  um bom estratega. Ainda em 207 ouviu Xu Shu recomendar Zhuge Liang como o maior de todos os estrategas. Liu Bei, contente por ter encontrado por fim um estratega para o seu exército, pediu a Xu Shu para o trazer à sua presença, ao qual este ripostou dever ser ele a ir convidá-lo.

Na primeira recusa, Zhuge Liang pretendeu perceber quem era Liu Bei, entender os desejos e a sinceridade do herdeiro da casa real da dinastia Han.

Na segunda visita, Zhuge Liang fingiu estar a dormir a sesta, para ver como reagia Liu Bei, mas este não ordenou aos criados para o acordarem, dizendo voltar mais tarde.

Ainda em 207, Liu Bei voltou à aldeia de Longzhong, desta vez acompanhado pelos seus irmãos de armas, Guan Yu e Zhang Fei, para novamente convidar Zhuge Liang a se juntar às suas forças e servi-lo como conselheiro militar.

Só nessa terceira visita Zhuge Liang, rendido à sinceridade de Liu Bei, aceitou o convite para tomar o comando do exército Han-Shu e, logo seguindo com ele, lhe explanou os planos de conquista para o ajudar a criar o reino. O seu primeiro conselho foi unir o seu exército ao de Wu, de Sun Quan, para combater os Wei, de Cao Cao.

Nascia uma amizade entre os dois para toda a vida. Quem ao princípio nada gostou da presença do novo elemento foram Guan Yu e Zhang Fei, mas percebendo ganhar o seu chefe e irmão de armas um novo poder, pararam de o importunar.

 

A chegada de Cao Cao

No ano de 208, a morte por doença em Xiangyang de Liu Biao (142-208), governador da província de Jing (Jingzhou, em Hubei), desde 192 e a administrar o centro da China na zona média do rio Yangzi a englobar grande parte das actuais províncias de Hubei, Hunan e sudoeste de Henan, deixou Liu Bei (161-223) desamparado, pois o autoproclamado representante da casa real Han, sem ter uma base, esperava o momento adequado para lhe solicitar o patrocínio por também ser membro da família real. A Liu Biao sucedeu o filho mais novo Liu Cong, mas apenas durante esse ano pois o general Cao Cao chegou com um grande exército de 200 mil homens para o combater.

Os oficiais de Liu Cong avisaram-no não ter número suficiente de soldados para o confrontar e que o melhor seria render-se. Pretendia ele resistir e lembrou-se poder pedir ajuda a Liu Bei, mas os conselheiros avisaram-no se Liu Bei conseguisse resistir a Cao Cao provavelmente ocuparia o seu lugar. Assim, sem informar Liu Bei, decidiu render-se a Cao Cao e este apontou-o como inspector da província de Qing (parte da actual província de Shandong) para o afastar, dando-lhe o título de marquês.

Encontrava-se Liu Bei em Fancheng (a Norte de Xiangyang) quando foi obrigado a fugir para Sul devido ao exército de Cao Cao ir ocupando a região entregue por Liu Cong. Era imenso o número de fugitivos e Liu Bei dividiu-os, viajando Guan Yu de barco pelo rio Han com o plano de se encontrar em Jiangling, nas margens do rio Yangzi, com o numeroso grupo que por terra havia seguido. Nessa fuga, ao seu exército foram-se integrando muitos dos homens que serviram Liu Cong e se juntaram aos inúmeros civis familiares com imensas bagagens.

Cao Cao com a sua cavalaria apanhou o vagaroso cortejo, onde seguia a família de Liu Bei, e foi a acção de Zhang Fei com 20 cavaleiros, ao colocar-se na rectaguarda do grupo em fuga, a permitir a Liu Bei e Zhuge Liang terem tempo para escapar. Estava-se em Outubro de 208 e essa pequena confrontação ficou conhecida por a batalha de Changban, onde Zhao Yun no seu cavalo atravessou o exército Wei levando nos braços Liu Chan, filho de Liu Bei. Conta a História ter Liu Bei ficado muito contente quando viu chegar esse famoso general, mais do que o salvamento do seu filho.

 

Convencer Sun Quan

No Romance dos Três Reinos encontra-se muito do que hoje se sabe sobre a vida de Zhuge Liang e por isso a sua história tem mais de lendária que de real.

Aí se faz referência a um genial estratagema de Zhuge Liang, que passava por ter pedido emprestado três coisas: flechas, o Vento Leste e Jingzhou. Se as duas primeiras, usar barcos com cobertura de colmo para pedir emprestado flechas (cao chuan jie jian) e pedir emprestado o Vento Leste ( Jie Dong Feng) apenas se encontram registadas neste livro, já Zhuge Liang ter pedido emprestado Jingzhou (Jie Jingzhou) é realmente um facto histórico e aparece noutros relatos da História.

Os dois primeiros episódios ocorreram em 208, entre os meses de Julho a Novembro, durante a grande batalha em Chibi (hoje Puqi, Hubei), onde os exércitos conjuntos de Liu Bei e Sun Quan tinham apenas cinquenta mil homens enquanto, no campo contrário, Cao Cao contava com 230 mil soldados.

Esta batalha aconteceu depois de Cao Cao ter conquistado o poder no Norte da China e com o seu exército seguir para Sul para tentar controlar o resto do o país.

As tropas de Liu Bei estavam estacionadas em Jingzhou e as forças de Sun Quan junto à foz do rio Yangzi. Zhuge Liang foi sozinho ao reino de Wu para persuadir o chefe Sun Quan a aliar-se com Liu Bei para combaterem Cao Cao. Este, com o seu exército, tinha do seu reino no Norte da China para conquistar Jingzhou e enxotar Liu Bei das redondezas.

Quando Zhuge Liang se encontrou com  Sun Quan, disse: “A terra está num caos. General, levantou um exército e ocupou Jiangdong, enquanto Liu Bei está a reunir forças a sul do rio Han. Ambos se preparam para competir com Cao Cao pelo controlo da China. Até agora, Cao Cao eliminou as ameaças internas, pacificou mais ou menos as suas terras e conduziu as suas forças para sul para ocupar a província de Jing. O império treme perante o seu poder. Herói sem oportunidade de mostrar as suas proezas, Liu Bei retirou-se para aqui. O que eu espero de vós, General, é que avalie cuidadosamente as suas forças e decida o seu próximo curso de acção. Se decidir liderar as suas forças das regiões de Wu e Yue para resistir aos Estados Centrais, deve quebrar rapidamente os laços [com Cao Cao]. Se não conseguem resistir-lhe, porque não pousam as armas, tiram a armadura, postam-se como subordinados e servem-no? General, embora pelas aparências pareça pronto a jurar fidelidade a Cao Cao, no seu coração ainda tem pensamentos de liberdade. Se não for capaz de ser decisivo num momento tão crucial, não tardará a encontrar o desastre!”

Quando Sun Quan lhe perguntou porque é que Liu Bei não se rendeu a Cao Cao, Zhuge Liang respondeu: “Tian Heng não era mais do que um mero guerreiro de Qi, mas manteve-se fiel e recusou-se a render-se. Não deveríamos esperar mais de Liu Bei, descendente da casa real de Han? O seu heroísmo e talento são reconhecidos em todo o mundo. Lordes e plebeus honram-no e admiram-no. Tal como os rios que regressam ao mar, tal como as mudanças nos assuntos do nosso tempo, isto é obra do Céu. Como poderia ele virar as costas a isso e servir Cao Cao?”

Sun Quan, enfurecido, disse então que não permitiria que ninguém, a não ser ele próprio, governasse os territórios e o povo de Wu. Quando perguntou a Zhuge Liang como é que Liu Bei podia esperar resistir a Cao Cao, dada a sua recente derrota em Changban, Zhuge Liang respondeu: “As forças de Liu Bei podem ter sofrido uma derrota em Changban, mas agora muitos dos seus homens, que foram dispersos durante a batalha, estão a regressar, juntamente com 10.000 tropas de elite da marinha sob o comando de Guan Yu, combinando forças com o exército de Liu Qi de pelo menos 10.000 de Jiangxia. Cao Cao e as suas forças percorreram uma grande distância e estão exaustos. Ouvi dizer que a sua cavalaria ligeira viajou mais de 300 li em vinte e quatro horas na perseguição de Liu Bei. Isto remete para o ditado: Mesmo uma flecha poderosa no fim do seu vôo não consegue penetrar num pedaço de tecido de seda Lu. Tal batalha deve ser evitada de acordo com a estratégia militar, que diz que ‘resultará definitivamente em derrota para o comandante’. Os nortenhos também não estão familiarizados com a guerra naval. Embora as pessoas da província de Jing se tenham rendido a Cao Cao, foram forçadas a submeter-se e não lhe são verdadeiramente leais. Agora, General, se for capaz de enviar os seus oficiais mais valentes para liderar as suas vastas hostes para alinhar objectivos e combinar poder com Liu Bei, a derrota do exército de Cao Cao é certa. Uma vez derrotado, Cao Cao será forçado a regressar ao norte, e a província de Jing e Wu serão robustas como as pernas de um caldeirão de bronze. O gatilho para a vitória ou a derrota é a vossa decisão de hoje.” (Registo dos Três Reinos San Guo Zhi)

 

Pedir emprestado flechas

Sun Quan resolveu juntar-se a Liu Bei, mas o exército de ambos não chegava a metade do de Cao Cao. Este, numa grande armada, subiu pelo rio Yangzi e estacionou a sua frota em frente aos Penhascos Vermelhos (a Oeste do lugar onde hoje se situa Wuchang, província de Hubei).

Aí se realiza a demonstração da qualidade de estratega de Zhuge Liang, quando usa barcos com cobertura de colmo para pedir emprestado flechas (cao chuan jie jian). O episódio refere-se à necessidade de rapidamente conseguir flechas durante a batalha em Chibi por parte de Sun Quan.

Zhou Yu era capitão do exército Wu e conselheiro político de Sun Quan e, apesar de conhecer bem as ideias de Zhuge Liang, tinha grande inveja dele. A Sun Quan, que não tinha um numeroso exército, também não lhe agradava nada Liu Bei ter Zhuge Liang como estratega e, apesar de estarem aliados, não via a hora de conseguir matar Zhuge Liang.

Antes de começar a batalha de Chibi, Zhou Yu convidou Zhuge Liang para conferenciar sobre a maneira como iriam combater Cao Cao. Zhou Yu, para saber quais as armas a usar durante o combate nas águas do rio Yangzi, questionou Zhuge Liang, que respondeu serem flechas. Zhou Yu concordou serem essas as melhores armas, mas não as tinham suficientes para combater o enorme exército de Cao Cao. Virando-se para Zhuge Liang pediu-lhe para arranjar cem mil flechas, a fim de poderem ganhar a batalha. Zhuge Liang concordou e perguntou para quando eram necessárias.

Para lhe criar problemas, Zhou Yu disse dez dias. Pensando um pouco, Zhuge Liang replicou serem dez dias muito, pois não se devia aguardar tanto tempo e contrapôs precisar apenas de três dias. Incrédulo, Zhou Yu obrigou Zhuge a assinar um contrato como conseguiria tal e, se não cumprisse no prazo de três dias, poderia condená-lo à morte. Zhuge tinha como amigo o conselheiro Lu Xu, do exército de Sun Quan, e a ele recorreu para o ajudar, pedindo-lhe vinte barcos, cada um com vinte soldados e todos eles cobertos com molhos de colmo em forma de figuras humanas. Assim fez Lu Xu, apesar de saber estar já o estratega condenado pois em três dias arranjar cem mil flechas era algo impossível.

O primeiro dia passou e nada aconteceu, tal como no segundo dia e no terceiro, Zhuge Liang foi ter com Lu Xu e convidou-o para beber, pedindo-lhe o favor de informar Zhou Yu para o esperar no dia seguinte de manhã no porto para lhe entregar as flechas. Durante a noite, às três da manhã, Zhuge e Lu Xu, enquanto bebiam no barco ancorado na margem oposta onde se encontravam as embarcações de Cao Cao, viram aparecer um grande nevoeiro e Zhuge ordenou aos vinte barcos partirem ao encontro dos do inimigo e quando chegassem próximo começassem a tocar bombos e a gritar.

Lu Xu virou-se para Zhuge replicando que, caso Cao Cao fosse ao encontro dos barcos, iria ser um grande problema. Zhuge respondeu que tal não iria ocorrer pois o nevoeiro ajudaria e quando, como planeado, os barcos se aproximaram, Cao Cao sem poder ter uma noção exacta do que tinha próximo decidiu usar arcos para os combater, fazendo cair uma chuva de flechas sobre os barcos.

Lu Xu e Zhuge, sem nada poderem ver do que ocorria, apenas ouviam os assobios das inúmeras flechas a voar. Zhuge avisara os seus soldados para após meia hora a serem flechados, virarem os barcos e, após outra meia hora, regressarem. Quando os barcos voltaram estava Zhou Yu no porto, crendo ter nas mãos a vida de Zhuge mas, ao ver os barcos cheios de flechas “emprestadas” por Cao Cao, rendeu-se à qualidade e sabedoria de Zhuge Liang.

 

Pedir emprestado vento leste

Após o sucesso de Zhuge Liang pedir emprestado flechas e em três dias ter conseguido as cem mil flechas requeridas por Zhou Yu, tal levou a aumentar ainda mais a inveja deste mas, precisando de combater o enorme exército de Cao Cao, teve de se manter unido ao grande estratega.

Noutro episódio, conhecido por Pedir Emprestado o Vento Leste (Jie dong feng, 借东风), os dois estrategas em conjunto planearam usar o fogo para derrotar o general Cao Cao e trataram de muitos outros pormenores, como fazer um dos seus fingir ter desertado das suas fileiras e ir ter com Cao Cao para lhe dar algumas ideias.

Sabiam Cao Cao não se sentir confortável a viver no barco e então esse desertor deu a ideia de ligar os barcos para ficarem mais estáveis e não balançarem muito. Quem iria combater aquela enorme frota era o general Zhou Yu que, ao ir de barco vistoriar o inimigo após chegar dessa inspecção, ficou doente. O principal conselheiro de Sun Quan, o general Lu Su (172-217), vendo-o naquele estado e encontrando-se em guerra, ficou preocupado e foi ter com Zhuge Liang a pedir-lhe ajuda. Este disse-lhe para não se preocupar, pois tinha o medicamento para o seu General e assim os dois foram ter com o enfermo. Quando lá chegaram Zhuge entregou uma carta por si escrita a Zhou Yu, segredando-lhe estar ali o seu medicamento. Ao ler, Zhou Yu logo se levantou sorridente e exclamou: “Exacto”. A carta dizia: “Tudo está pronto, só falta o Vento Leste”.

A enorme armada de Cao Cao subira o rio Yangzi e aportara a Noroeste, enquanto eles estavam fundeados a Sudeste e, para o plano de usar fogo contra Cao Cao resultar, era preciso soprar vento de Leste. No entanto, durante muitos dias, o vento soprou sempre de Norte.

Ofereceu-se Zhuge Liang para durante três dias pedir Vento Leste, mas com a condição de lhe fazer um Templo onde pudesse requerer os favores do Céu para ser concedido tal vento. Mandou Zhou Yu preparar tudo para dali a três dias, por volta das quatro, cinco da manhã, pois o vento chegaria.

E assim foi! Às quatro da manhã desse terceiro dia, Zhou Yu escutou uma forte ventania e logo percebeu ter chegado o Vento Leste. Imediatamente, com o vento de feição enviou dez dos seus barcos carregados de combustível ao encontro da armada de Cao Cao. Quando estavam próximos ateou o fogo aos seus barcos e o vento encarregou-se de o passar para toda a frota de Cao Cao que, por ter as embarcações todas juntas e bem amarradas umas às outras, não conseguia fugir. Toda a armada ardeu, como previsto, ficando assim completamente destruída. Cao Cao derrotado voltou para Norte, desfazendo-se assim o seu sonho de conquistar o resto do país.

Pertencente à campanha dos Penhascos Vermelhos, a Batalha de Yiling não precisou de usar nenhum soldado para acabar com a enorme frota de Cao Cao e, mais uma vez, com a excelente ideia de Zhuge Liang. Só depois desta batalha Liu Bei conseguiu criar o seu próprio exército e onze anos depois, em 219 estabelecer o reino Han-Shu.

 

Pedir emprestado Jingzhou

As forças dos dois aliados perseguiram as tropas de Cao Cao e, no Inverno de 208, ocorreu a batalha de Jiangling, que sucedeu à anterior batalha de Yiling em Wulin (hoje Honghu, em Hubei). Após um ano de pesadas perdas, tanto de material de guerra como de soldados, Cao Cao ordenou ao seu primo, o general Cao Ren (168-223), de retirar e assim Jiangling com o resto da prefeitura de Nan ficou nas mãos das forças de Sun Quan, que logo apontou o general Zhou Yu (175-210) para ficar à frente dela.

A província de Jingzhou tinha sete prefeituras (jun) situadas entre a parte média do rio Yangzi. Com o rio Yangzi como linha de defesa, Liu Bei e Sun Quan, controlando a parte Sul, aí fizeram as suas bases. Assim o exército de Cao Cao passou a ocupar todo o norte da província de Jing (Nanyang jun e Jiangxia jun, mas apenas a parte a Norte do rio Yangzi), pois a parte de Jiangxia jun a Sul do rio era controlada por Sun Quan, que tinha também Nanjun, com o centro administrativo em Jiangling e jurisdição sobre Xiajun (hoje a Noroeste de Tongcheng, Hubei), Hanchang (hoje a Sudeste de Pingjiang, Hunan), Liuyang e Zhouling (a Nordeste de Honghu, Hubei).

Já o território de Liu Bei era a Oeste do rio e compreendia quatro prefeituras a Sul da província de Jing: Wuling (hoje Changde, Hunan), Changsha, Guiyang (próximo onde hoje está Chenzhou, Hunan) e Lingling (hoje Yongzhou, Hunan), tendo Liu Bei apontado Liu Qi (o filho mais velho de Lu Biao e irmão de Liu Cong) como governador. Com a morte de Liu Qi nos finais de 209, Liu Bei ocupou o cargo de governador dessas quatro prefeituras da província de Jing e colocou o centro administrativo do seu território em Gong’na, situado em Nanjun.

Depois de assumir o governo do sul da província de Jing em 209, Liu Bei nomeou Zhuge Liang como Conselheiro Geral Militar (軍師中郎將) e encarregou-o de colectar as receitas fiscais das comarcas de Lingling, Guiyang e Changsha para suas forças militares. Durante este período, Zhuge Liang estava estacionado em Linzheng (臨烝縣; actual Hengyang, Hunan) na comarca de Changsha.

Embora derrotado, Cao Cao mantivera o controlo sobre o norte de Jingzhou. Sun Quan expandiu-se para oeste, conquistando a maior parte do condado de Nanjun, que era a parte mais importante de Jingzhou. Liu Bei foi o que menos ganhou, apoderando-se de algumas das regiões do sul, mas ficando sem uma base segura.

A conselho de Zhuge Liang, Liu Bei pediu a Sun Quan que lhe “emprestasse” algumas partes de Jingzhou, prometendo devolvê-las quando tivesse conquistado mais terras para si. Foi o próprio general Lu Su (172-217) que propôs ao seu líder Sun Quan entregar a Liu Bei parte da prefeitura Nan para Zhuge Liang tomar conta, pois era a zona mais difícil de defesa devido a estar na fronteira com o território de Cao Cao. No entanto, o general Zhou Yu opôs-se e só após a sua morte em 210 Sun concordou com o pedido do seu aliado, mas anos mais tarde, quando Liu Bei já tinha conquistado muito mais terras e estabelecido firmemente o seu reino de Shu, recusou-se a devolver as terras emprestadas.

A guerra entre os antigos aliados não tardou a começar. A frase “Liu Bei toma emprestado Jingzhou (刘备借荆州)” tornou-se desde então uma expressão idiomática amplamente utilizada, referindo-se ao acto de tomar algo emprestado sem a intenção de o devolver.

Mas Sun Quan e o reino de Wu não desistiram de recuperar Jingzhou, no entanto, e o desespero de Liu Bei para manter o controlo dessa área estratégica acabou levando à morte do seu amigo e companheioro, um dos generais mais reverenciados da China, Guan Yu. Liu Bei disse a Guan Yu, que era famoso por ser corajoso e leal, para se manter firme apesar das ameaças de Cao, a norte, e de Sun, a leste. Sun lançou um ataque surpresa a Jingzhou enquanto Guan Yu estava distraído no norte, derrotando o general desprevenido. Guan Yu foi capturado e depois executado.

 

Abrir as portas para enganar o inimigo

No Romance dos Três Reinos lemos ainda a história de iludir o inimigo com uma cidade vazia, onde se narra que, certa vez no ano de 219, encontrava-se Zhuge Liang (a História refere ser Zhao Yun) à frente da defesa da cidade de Hanzhong, quando esta foi cercada por um grande número de tropas Wei.

Na altura, ele só contava com uma pequena guarnição e, usando o seu grande conhecimento da psicologia humana, ordenou abrir as portas da cidade ao inimigo e ficou sozinho na praça principal, confortavelmente sentado a tocar música no seu guqin. Tal espantou o comandante das forças inimigas que, suspeitando ali haver algum truque e com medo de ser uma armadilha, retirou-se com as suas tropas sem atacar.

Liu Bei encontrava-se em Chengdu a preparar a capital do reino Shu, Zhang Fei em Langzhong e Guan Yu a comandar a guarnição Shu em Jingzhou, quando o reino Shu foi atacado pelo exército Wei com 30 mil soldados comandados pelo general Zhang He. O general Zhang Fei, arranjando 10 mil homens, conseguiu-o estrategicamente vencer na Passagem de Wakou. História gravada com a espada numa pedra por o próprio Zhang Fei de tão eufórico estava e registada no Romance dos Três Reinos.

 

Poder quase total

Em 221, Liu Bei declarou-se imperador e estabeleceu o estado de Shu Han, nomeando Zhuge Liang como seu chanceler imperial (丞相) da seguinte forma: “A partir do infortúnio da nossa família, fomos elevados a um cargo de grande autoridade. Abordamos cautelosamente este grande empreendimento, nunca ousando assumir facilidade ou tranquilidade, pensando principalmente nas necessidades do povo, mas tememos ser incapazes de lhes trazer paz. Ai de nós! O chanceler imperial Zhuge Liang compreenderá as nossas intenções, corrigirá incansavelmente as nossas deficiências e ajudará a espalhar a nossa luz benevolente, para que possa iluminar toda a China. Senhor, fica assim intimado a fazê-lo!”

Zhuge Liang foi adicionalmente nomeado Lu Shangshu Shi (錄尚書事), Supervisor do Secretariado Imperial, tendo autoridade imperial em exercício total.

Após sua derrota na Batalha de Xiaoting em 222, Liu Bei recuou para Yong’an (永安縣; actual Fengjie, Chongqing) e caiu gravemente doente no início de 223. Então, convocou Zhuge de Chengdu e disse-lhe: “Senhor, sois dez vezes mais talentoso do que Cao Pi [rei de Wei]. Certamente trará a paz ao Império e cumprirá a nossa grande missão. Se o meu herdeiro puder ser ajudado, então ajude-o; se ele se revelar incompetente, então pode tomar a sua própria decisão.”

Com lágrimas nos olhos, Zhuge respondeu: “Farei o meu melhor e servirei com lealdade inabalável até à morte!” Liu Bei deu então as seguintes instruções a Liu Shan, seu filho e herdeiro: “Quando trabalhares com o chanceler imperial, deves tratá-lo como a teu pai.”

Liu Bei nomeou então Zhuge Liang como regente de Liu Shan, e Li Yan como regente adjunto. Morreu a 10 de junho de 223, em Yong’an.

Após a morte de Liu Bei, Liu Shan ascendeu ao trono de Shu Han e concedeu a Zhuge Liang o título de “Marquês de Wu” (武鄉侯) e criou um cargo para ele como Chanceler. Pouco tempo depois, Zhuge Liang foi nomeado Governador da Província de Yi – a região que incluía a maior parte do território de Shu Han.

O facto de ser simultaneamente chanceler (gerindo diretamente os funcionários burocratas) e governador da província (gerindo diretamente as pessoas comuns) significava que tanto os magistrados como as pessoas comuns – todos os assuntos civis da província de Yi – estavam nas mãos de Zhuge Liang. Por haver um gabinete de chancelaria independente, com subordinados independentes, significava que a autoridade de Zhuge Liang era relativamente independente da autoridade do imperador.

Por outras palavras, tal como atestado no Sanguozhi, todos os assuntos do reino Shu Han, triviais ou vitais, eram directamente tratados por Zhuge Liang, e o imperador Liu Shan era apenas um líder nominal. Além disso, o próprio imperador era estritamente educado e supervisionado por Zhuge Liang. Esta situação manter-se-ia até à sua morte.

Zhuge Liang como primeiro-ministro de Zhao Lie Di escolheu novas e talentosas pessoas para ajudar no governo e melhorou muito as relações com os numerosos grupos étnicos que viviam isoladas pelo sudoeste, unindo-os em torno do seu imperador.

Segundo Bai Shouyi em An Outline History of China: “Como primeiro-ministro do reino Shu, Zhuge Liang trabalhava arduamente para desenvolver a produção agrícola em Sichuan. Apontou oficiais especiais para ficarem à frente do antigo canal-represa Dujiang e mandou fazer muitos outros trabalhos relacionados com a água. Para assegurar um ambiente de paz ao reino, tomou a iniciativa de melhorar as relações com as minorias étnicas a habitar onde hoje são as províncias de Guizhou e Yunnan e fortalecer as relações políticas, económicas e culturais entre o povo Han e essas minorias étnicas.”

Impasse e morte

Em 227, Zhuge Liang recomendou a Liu Chan enviar rapidamente para Norte as tropas contra o rival reino Wei, antes de este se tornar ainda mais forte. Aspirando ocupar as Planícies Centrais, controladas pelo reino Wei e recuperar a causa da casa dos Han, Zhuge Liang liderou as forças Shu em cinco expedições, num confronto entre dois estados militares dirigidos por conselheiros legistas.

Na primavera de 234, Zhuge Liang conduziu mais de 100.000 soldados para fora do Vale de Xie (斜谷) e acampou nas Planícies de Wuzhang, na margem sul do rio Wei, perto do condado de Mei (郿縣; a sudeste do actual condado de Fufeng, Shaanxi).

Em resposta à invasão Shu, o general de Wei, Sima Yi, conduziu as suas forças e mais 20.000 reforços para as planícies de Wuzhang para enfrentar o inimigo. Depois de uma escaramuça inicial e de um ataque nocturno ao acampamento Shu, Sima Yi recebeu ordens do imperador Wei Cao Rui para manter a sua posição e abster-se de enfrentar as forças Shu. A batalha ficou num impasse. Durante este tempo, Zhuge Liang fez várias tentativas para fazer Sima Yi atacar.

Numa ocasião, enviou-lhe ornamentos de mulher para o provocar. Um Sima Yi aparentemente furioiso pediu autorização a Cao Rui para atacar, mas foi-lhe negada. Cao Rui até enviou Xin Pi como seu representante especial para a linha de frente para garantir que Sima Yi seguisse as ordens e permanecesse no acampamento. Zhuge Liang sabia que Sima Yi estava a fingir estar zangado porque queria mostrar aos seus soldados que não ia tolerar as provocações de Zhuge Liang e para garantir que os seus homens estavam prontos para a batalha.

Durante o impasse, Zhuge Liang enviou um mensageiro a Sima Yi. Este perguntou ao enviado sobre a rotina diária e as condições de vida de Zhuge Liang. O mensageiro disse que Zhuge Liang consumia três a quatro sheng de cereais por dia e que geria quase tudo, excepto questões triviais como castigos por delitos menores. Depois de ouvir isto, Sima Yi comentou: “Como é que Zhuge Kongming pode esperar durar muito tempo? Ele vai morrer em breve.”

O impasse nas planícies de Wuzhang durava já há mais de 100 dias. Entre 11 de Setembro e 10 de Outubro de 234, Zhuge Liang ficou gravemente doente e morreu no acampamento, com 54 anos.

O Jin Yangqiu (晉陽秋), de Sun Sheng, regista o seguinte relato: “Um meteorito vermelho brilhante caiu do céu na direção nordeste-sudoeste em direção ao acampamento de (Zhuge) Liang, fez ricochete no chão e aterrou novamente três vezes, aumentando de tamanho quando ricocheteou e diminuindo de tamanho quando aterrou. (Zhuge) Liang morreu pouco depois.”

O Livro de Wei (魏書) e Han-Jin Chunqiu (漢晉春秋) propiciam relatos diferentes. O primeiro regista que Zhuge Liang vomitou sangue de frustração quando o seu exército ficou sem mantimentos durante o impasse, ordenando às suas tropas que incendiassem o acampamento e se retirassem para um vale, onde adoeceu e morreu, na residência de uma certa família Guo. Nas suas anotações à biografia de Zhuge Liang, Pei Songzhi salientou que os relatos do Livro de Wei e do Han-Jin Chunqiu estavam errados e que Zhuge Liang morreu realmente no acampamento das Planícies de Wuzhang. Quanto ao relato do Livro de Wei refuta-o da seguinte forma: “A situação (na Batalha das Planícies de Wuzhang) não deixava claro qual dos lados estava a ganhar e qual estava a perder. (O Livro de Wei) exagera quando diz que (Zhuge) Liang vomitou sangue. Dado o brilhantismo de Kongming, seria provável que ele vomitasse sangue por causa de Zhongda (nome de cortesia de Sima Yi)? Este exagero teve origem numa nota escrita pelo Imperador Yuan de Jin que dizia que ‘(Zhuge) Liang perdeu a batalha e vomitou sangue’. A razão pela qual disseram que Zhuge Liang morreu num vale foi porque o exército Shu só divulgou a notícia da morte de Zhuge Liang depois de ter entrado no vale”.

Quando Sima Yi soube que Zhuge Liang tinha morrido de doença e que o exército Shu tinha incendiado o acampamento e batido em retirada, liderou as suas tropas em perseguição e alcançou-os. As forças Shu, sob o comando de Yang Yi e Jiang Wei, deram meia volta e prepararam-se para a batalha. Então, Sima Yi retirou as suas tropas e bateu em retirada. Alguns dias mais tarde, enquanto inspeccionava os restos do acampamento Shu, Sima Yi comentou: “Que génio ele era!”

Com base nas suas observações de que o exército Shu tinha feito uma retirada apressada, concluiu que Zhuge Liang tinha de facto morrido, pelo que liderou novamente as suas tropas em perseguição. Quando Sima Yi chegou a Chi’an (赤岸), perguntou aos civis que lá viviam sobre Zhuge Liang e ouviu que havia um ditado popular recente: “Um Zhuge morto afugenta um Zhongda vivo”. Sima terá sorrido e dito: “Posso prever os pensamentos dos vivos, mas não posso prever os dos mortos.”

As tropas Shu regressaram a Sichuan. Desde então o poder Shu declinou, tendo o reino Wei tornado-se o mais poderoso e, em 263, o exército de Wei chegou a Chengdu e anexou o reino Shu.

Dois anos depois, em 265, um dos ministros Wei, Sima Yan (236-290), neto do general Sima Yi, usurpou o trono e fundou a dinastia Jin do Oeste (265-316), com a capital em Luoyang. A China é de novo reunificada em 280 quando Sima Yan, já como imperador Wu Di (266-290), conquistou o reino Wu a Sun Hao, terminando assim o Período dos Três Reinos.

Zhuge Liang guiara talentosamente toda a sua mitológica existência, pautando-a de grande ponderação e sabedoria. Deixou ao mundo preciosas lições de estratégia, na resolução das batalhas em que entrou e, segundo a tradição, é-lhe atribuída, por volta do ano 232, a invenção do “boi de madeira” (carrinho de mão), tendo ainda criado a flauta de canas vermelha, instrumento musical muito usado pelos grupos étnicos ligados ao povo Miao. 

 


 

Desenho representando o relato fictício do general Guan Yu perseguindo e matando Guan Hai, dos Turbantes Amarelos.

A revolta dos Turbantes Amarelos

A Revolta dos Turbantes Amarelos, iniciada em 184 e liderada por Zhang Jiao, aconteceu quando trezentos mil camponeses em muitas partes do país se levantaram contra o Governo, mas ao fim de nove meses a maior parte dos chefes e exércitos tinham sido derrotados e mortos. Inspirado no livro Taiping Jing, Zhang Jiao criara em 175 uma secreta seita daoista, a Taiping Tao (Doutrina da Justiça) que, além de oferecer gratuitamente consultas médicas, falava das suas ideias de igualdade, em oposição à exploração dos homens por outros, preconizando um governo de camponeses. Em 184, já com milhares de adeptos, Zhang Jiao liderou a Revolta dos Turbantes Amarelos, nome por que ficou conhecida a rebelião devido aos exércitos de camponeses os usarem. A revolta estendera-se até Shaanxi e, em 186, chegou a Shanxi, Hebei e Liaoning, mas em 192, com a vitória de Cao Cao sobre os Turbantes Amarelos, ficou confinada à província de Shandong, apesar das lutas continuarem até ao final da dinastia Han. Cao Cao (155-220) tornara-se em 190 um dos mais poderosos generais do período final da dinastia Han do Leste, mas apesar do exército Han conseguir debelar a rebelião, sucumbia perante os exércitos locais dos senhores feudais. 

 


 

O fim da dinastia Han

A dinastia Han de Leste (25-220), cuja capital era Luoyang, tinha a família imperial debilitada e dominada como mero joguete nas mãos dos poderosos eunucos. Com a morte do Imperador Ling em 189, subia ao trono Shao Di. O Chefe dos Generais He Jin, percebendo ter de pôr ordem nos eunucos, convocou à corte o general Dong Zhuo para lhes fazer frente. Mas sabendo os eunucos das suas intenções, logo o eliminaram, levando Yuan Shao, outro senhor da guerra, a ir a Luoyang e matar mais de dois mil eunucos. Pouco depois, Dong Zhuo chegava à corte e mostrando-se cruel com o povo e com intenções de controlar o poder, depõe Shao Di e ainda nesse ano colocava no lugar de imperador Xian Di (189-200).

A 192 foi assassinado o General Dong Zhuo, ano da vitória de Cao Cao sobre os Turbantes Amarelos. Em 196, o general Cao Cao vai a Luoyang e leva Xian Di para o seu quartel-general em Xudu (hoje Xuchang, em Henan) e em nome do Imperador passou a controlar o país.

Yuan Shao, à frente de um exército de cem mil homens, no ano 200 defrontava na batalha em Guandu (Henan) o general Cao Cao que, com apenas vinte mil soldados, o derrotou. Nos três anos seguintes, após arrumar um a um os Senhores da Guerra, Cao Cao passou a deter o poder no vale do Wei, dominando os territórios do baixo e médio curso do rio Amarelo e a Planície Central, controlando todo o Norte do país e daí o início em 210 do reino de Wei (220-265). Imbuído na filosofia daoista, quando o seu exército não combatia colocava-o a cultivar as terras, promovendo para lugares de destaque as pessoas com talento sem se importar com as suas origens. Depois planeou conquistar o Sul aos seus últimos rivais.

“As suas ambições tinham-no levado à conquista do vale do Yangzi, mas a célebre batalha da Falésia Vermelha (Chibi), junto às margens do grande rio no Hubei, em 208, tinha travado esta política de expansão. A grave derrota infligida a Cao Cao pelas forças aliadas de Sun Quan (185-252) e de Liu Bei (161-223) foi o prelúdio da divisão do território chinês em três reinos (san guo): o de Wei da família Cao, o dos Han do Sichuan (Shu-Han, 221-263), fundado por Liu Bei, e o de Wu (222-280), fundado por Sun Quan”, segundo Jacques Gernet. Estava-se no fim da dinastia Han do Leste e três reinos, Shu a Oeste, Wei a Norte e Wu a Leste da China viviam em guerra. Com a queda da dinastia Han em 220, seguiu-se o Período dos Três Reinos (220-280). 

 


 

Mapa dos Três Reinos

Período dos Três Reinos

A morte no ano de 220 do general Cao Cao (155-220), a governar a dinastia Han do Leste desde 196 em nome do Imperador Xian (189-200), levou o seu filho Cao Pi (187-226) a destronar Xian Di, terminando assim a dinastia Han e deu início ao Período dos Três Reinos (三国鼎立, 220-280).

Cao Pi proclamou-se imperador do reino de Wei (220-265), situado a Norte do rio Yangzi, com a capital em Luoyang, tendo como religião o Daoismo. Teve cinco governantes, sendo o último Cao Huan, o Imperador Yang (260-265).

Sun Quan em 222 criou a sudeste o reino Wu (222-280) ascendendo ao trono em Wuchang (hoje Ezhou, Hubei), mas o seu reinado começou no ano de 229 em Huanglong, quando se autointitula imperador Da Di (229-252) e logo de seguida mudava a capital para Jianye (hoje Nanjing). Sucedeu-lhe o filho Sun Liang (243-260) que reinou como rei Kuai Ji entre 252 e 258, quando foi destronado pelo regente Sun Lin. Este não teve tempo para ocupar o trono, pois logo foi morto pelo seu irmão Sun Xiu, que como Jing Di governou o reino Wu de 258 a 264. Depois ocupou o trono o seu sobrinho Sun Hao (242-284), que fora tornado príncipe pelo fundador do reino Wu, Sun Quan. Uma ofensiva das tropas Wei contra as de Wu em 252 fracassou e desde 264, o cruel e extravagante Sun Hao reinou até 280, quando a China foi de novo reunificada por Sima Yan, o imperador Wu (265-290) da dinastia Jin (265-420).

Já o reino de Shu (221-263) encontrava-se situado a Oeste da China (actual Sichuan) e teve apenas dois imperadores, Liu Bei, como Zhao Lie Di (221-223), e Liu Shan, como Imperador Hou Zhu (223-263).

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