Verde Jade

O verde mais tipicamente chinês é, a meu ver, aquele que se aproxima do verde jade e do sinograma (qīng), que, como explica o etimologista Shi Zhengyu (施正宇), é “青色 qīngsè: “verde ou azul” (Shi, 1997,225). Ora este, quando analisado à luz do sentido originário, mostra uma planta (shēng) no componente superior e uma mina na base, donde se extrai um mineral da cor das plantas. Esta leitura conduz-nos às tonalidades do bambu, uma das plantas mais significativas e simbólicas da China por representar a flexibilidade e o vazio interior, e ao jade, sobretudo de cor verde, que manifesta, entre outras, a virtude da Benevolência ou Humanidade (Rén), a mais importante na mundividência confucionista, desenvolvida do século VI a.C até aos nossos dias, já que Confúcio viveu entre 551 e 479 a.C.

Do ponto de vista da Filosofia dos Cinco Elementos (五行 Wǚ Xíng), ou “Cinco Dinamismos”, como se lhe chama na Medicina Tradicional Chinesa, o verde simboliza o elemento Madeira ( ), que corresponde na tradição ocidental ao Ar, surgindo associado ao mundo das flores e à sensibilidade artística (Alves, 2022, 131).

O verde na filosofia chinesa pertence ao Dragão e a Fuxi (伏羲Fúxī), o Primeiro Imperador dos tempos mitológicos, que representa o Leste, verde ou azul, por causa da mistura de cores já referida, mas também a sabedoria suprema, que é intuitiva para os chineses, brotando espontanemente do Coração-Mente ( xīn).

Na religião, é suprema a importância do verde na tonalidade jade ( ), este mineral precioso, bom e belo que brota da terra, basta pensarmos que a divindade máxima do panteão religioso chinês se chama Imperador de Jade (玉皇大帝 Yùhuáng Dàdì). Este simboliza a suprema bondade, felicidade e imortalidade, tal como o Coelho de Jade (玉兔 Yùtù), que fabrica a pílula de imortalidade na Lua, e embora seja retratado como um coelho branco muito amável, a pílula que produz só pode ter a tonalidade daquela pedra preciosa a que chamamos verde-jade dado a carga simbólica da pedra (e do tom), que é fabricada na branca e brilhante Lua, também homenageada no 15º dia do 8º mês lunar, na Festividade de Outono (中秋节Zhōngqiū Jié) .

Voltando ao Imperador de Jade, é o primeiro imperador do Céu, sendo uma grande divindade aos olhos dos crentes taoístas, é o governante do mundo, o poderoso controlador de tudo o que existe na religião popular chinesa. Nos tempos antigos, era venerado pelos Imperadores chineses a título de divindade natural do Céu, a suprema força, organizadora das dez mil coisas (萬物 Wànwù) que constituem o nosso mundo. Foi humanizado na dinastia Shang (商朝 Shāngcháo), tendo-se tornado o regulador da natureza e da sociedade humana. A crença neste imperador celestial pertence à história religiosa da China imperial.

O aniversário do Imperador de Jade é celebrado no 9º dia do primeiro mês lunar. É a divindade central do Ano Novo Chinês e da Festividade das Lanternas, com que encerram as celebrações a um novo tempo. Na véspera do Ano Novo, os crentes entregam-se a uma dieta vegetariana, tomam banho e perfumam-se para o adorar. Nos tempos antigos, realizavam-se sacrifícios animais em sua honra. Hoje, os que ainda acreditam, além dos ritos de purificação, comem alimentos especiais e simbólicos, e novos e velhos queimam incenso para lhe prestar culto, pedindo felicidade e uma longevidade tão imortal quanto possível.

Do ponto de vista histórico, o jade foi, desde muito cedo, e está-se a falar do Neolítico chinês seguido pela Idade do Bronze, empregue no fabrico de utensílios e armas, além de o ser em objetos sagrados e rituais, incluindo os funerários. Havia a crença generalizada de que o jade protegia de doenças, sobretudo relacionadas com os rins e com a virilha. Ao longo do tempo, a par do seu estatuto religioso e espiritual, foi desenvolvendo um outro mais mundano e revelador da posição social de quem o usava, pelo que os mais abastados de todas as épocas se ornamentam com jade, sobretudo jadeíte (verde), por se considerar que dá sorte.

Dantes, peças em jade eram fundamentais na comunicação com os espíritos ancestrais e na preservação do corpo dos mortos, impedindo a sua corrupção por meio da vedação de todos os orifícios corpóreos. O jade assumiu ainda o papel de importante símbolo de autoridade política, pelo menos desde a dinastia Zhou (Zhōu), sendo considerado a pedra mais preciosa pelos descendentes do Dragão, já que lhe chamam “Jóia do Céu”. Na língua chinesa, usa-se uma imagem muito próxima da realidade (um pictograma) para figurar o jade (). Uma interpretação possível é a de os 3 traços horizontais representarem 3 barras de jade e o vertical, o cordel que as liga. Mas há ainda uma outra leitura a ter em consideração, não menos importante, aquela que nos chama a atenção para a ligação entre jade, rei e imperador. Assim, o jade seria o objecto () que pertence ao rei (wáng) e ao imperador (huáng), enfim, ao Filho do Céu (Tiānzǐ天子).

Por fim, na língua chinesa, a correspondência para “coração de ouro”, é coração de jade” (玉心, yù xīn), porque possui, além de beleza física e espiritual, outras virtudes morais muito apreciadas entre os chineses, já que, por osmose, pode fazer nascer nos seres humanos as cinco virtudes consideradas excelentes. Pela suavidade, desperta a Benevolência (Rén); pela resistência, a Sabedoria (Zhì); pela inflexibilidade, a Justiça (), pela discrição, os Ritos (), cujo ideograma integra duas peças de jade no Chinês Tradicional,  e pela modéstia, a  Lealdade (Xìn).

 

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Bibliografia

  • Alves, Ana Cristina. (2022). Cultura Chinesa, Uma Perspetiva Ocidental. Coordenação de Carmen Amado Mendes. Coimbra: Almedina e CCCM
  • Barros, Leonel. (2003). Templos, Lendas e Rituais –Macau.  Macau: Associação Promotora da Instrução dos Macaenses (APIM).
  • Shi Zhengyu (施正宇). (1997). Picture Within a Picture. An Illustrated Guide to the Origins of Chinese Characters. 《汉字的故事》. Beijing: New World Press

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