Carlos Morais José
Podemos, eventualmente, passar toda a nossa vida sozinhos, sem aprender com a experiência e o saber de quem já viveu mais e de modo diferente do nosso. Sem, com alguém mais sábio, descobrir em nós o que talvez apenas suspeitássemos. E com alguém mais experiente aquilatar os nossos impulsos, evitando precipitações e disparates. E aprender que aplicar o que se aprende, como refere Confúcio, é um enorme prazer. Um mestre é um degrau fundamental, um lance de escada que nos abrevia caminho na nossa ascensão ao conhecimento e aplana a existência. Alguém que nos aponta os escolhos submersos no rio, alguém que nos mostra mapas e oferece barcos para navegar.
No meu caso, tive vários mestres ao longo da vida. Alguns deles sem o saberem, sem darem conta que alguém aprendia com as suas palavras, com os gestos, com os seus actos. Foi caso de mestre António Conceição Júnior, que em Macau me outorgou a honra da sua convivência e de partilharmos alguns projectos profissionais.
E foi ele, nos distantes anos 90 do século XX, que me introduziu às artes de Shiwan, essa cerâmica chinesa, geralmente vidrada a cores fortes, que tanto influenciou o nosso Rafael Bordalo Pinheiro. Lembro-me do dia em que António Conceição Júnior me mostrou a figura que hoje usamos na capa desta revista – o eunuco que apresenta um colar de pérolas à sua ama – e de como utilizou essa mesma imagem na capa de um catálogo sobre a cerâmica de Shiwan, a propósito de uma exposição produzida pelo então Leal Senado de Macau em 1995.
Resolvi usar aqui, quase 30 anos depois, a mesma imagem (não apenas porque a considero bela) e não o podia fazer sem referir o modo como a ela, pela primeira vez, tive acesso. Foi escutando um mestre.
Quando um português, pela primeira vez, chega à civilização chinesa, o melhor que terá a fazer é dizer pouco e ouvir muito, ver muito, cheirar muito, pensar também, mas sobretudo sentir muito. Chamam-lhe percepção tácita.
Depois, talvez anotar, mentalmente ou por escrito, o que vai guardando como relevante; fazer do espanto oportunidade para alargar o conhecimento e não motivo de afastamento. E pouco concluir, pouco julgar.
Os aparelhos conceituais que trazemos do Ocidente esbarram com estrépito nos muros de uma cultura e nos hábitos de uma sociedade cujos fundamentos são diferentes; revelam-se impotentes face a uma escrita milenar, fundamental e estruturante, onde se refugiam os segredos da História, da Literatura e das Artes, bem como os ditames do presente.
Podem os arautos do globalismo pretender unificar os comportamentos humanos que a diversidade produzida ao longo do tempo lançou, em cada espaço civilizacional, raízes fundas que alimentam os modos de sentir, de pensar e de agir de cada um.
A via para o entendimento constrói-se através do conhecimento mútuo e este gera a confiança. No futuro, o mundo poderá ser lido através de diferentes perspectivas por um mesmo indivíduo, se este absorver os saberes de diversas culturas, sem que tal signifique perda de identidade, mas o aparecimento de outros homens, informados na vastidão de saberes e culturas e não encerrados num único conjunto de arquétipos culturais.
Há que saber deslizar entre eles e de cada um extrair o que para nós for mais eficaz: beleza ou poder. E este foi também o ensinamento de um mestre. 完