Shixian, o «imortal da poesia», como passou a ser designado Li Bai (701-762), está associado a uma série de histórias e lendas que estão entretecidas de modo inconsútil com a sua poesia. Uma delas conta que quando o poeta vivia no monte Difei (Zhongnanshan, Província de Shaanxi) abria uma garrafa vazia que enchia com a água das nascentes e as nuvens do lugar. Ao chegar a casa, destapava a garrafa, bebia daquela água e adormecia entre as nuvens.
Um pintor de Laiyang (Shandong) que se fez notar em Pequim, durante a dinastia Ming chamado Cui Zizhong (1574-1644) fez alusão a esse relato na pintura de 1626 «Li Bai entre as nuvens» (rolo vertical, tinta e cor sobre seda, 189 x 50,2 cm) que está no Museu do Palácio em Pequim. Colocando a figura do poeta no meio de altas montanhas, não ilustrando a conhecida anedota mas admirando a contemplação do poeta perante a liberdade das nuvens e dos cumes, como ele escreveu sobre o Monte Jingting, «Nem eu me canso dele nem ele de mim».
De outros poetas também se contavam anedotas em que pintores e artistas se inspiraram, tornando algumas delas em temas que, uma vez reconhecidos, permitiam a expressão de inesperados encontros de sentidos. O olhar atento de Cui Zizhong para algumas dessas parábolas significativas revelam um homem que apreciou essa intermediação, que gostou do Mundo porque eles gostaram. Su Shi (1037-1101), o preclaro poeta dos Song do Norte e a sua amizade com Foyin Liaoyuan (1032-1098), o mestre do Chan que se tornaria monge budista, é lendária e os seus diálogos deixaram um rasto de sorrisos que se prolonga até hoje.
Na pintura «Su Shi perdendo o cinturão» (rolo vertical, tinta e cor sobre papel, 81,4 x 50 cm) que está Museu do Palácio Nacional, em Taipé, Cui Zizhong mostra o seu encontro no templo Jinshan (Zhenjiang, Jiangsu) quando Su Shi perdeu uma aposta num jogo de palavras característico do Chan, que o obrigou a abdicar do seu cinturão verde adornado com peças de jade. O desejo de ver as figuras desses encontros de literatos fez com que elas fossem ocupando um espaço maior nas suas pinturas, como na «Recepção de um hóspede no jardim dos damascos», de 1638 (rolo vertical, tinta e cor sobre seda, 154 x 50 cm), no Museu de Arte de Berkeley, Califórnia. Na pintura «Xu Zhengyang levando a sua família» (rolo vertical, tinta e cor sobre seda 165,6 x 64,1 cm) no Museu de Arte de Cleveland, recorda o episódio em que Xu Xun da dinastia Jin (265-420) por muito apurar o Dao, conseguiu fazer a sua família inteira de quarenta e duas pessoas ascender ao céu tornando-se um imortal, talvez indique uma via que ele gostaria de percorrer. Como para outros pintores dos Ming o fim da dinastia chegou para ele de forma dolorosa: diz-se que foi recusando a alimentação até adormecer para sempre, quem sabe se no meio de nuvens reencontrando Li Bai.