As grandes conquistas científico-tecnológicas dos chineses

1.Introdução

No Ocidente, atribui-se geralmente a reputação de excelência da civilização chinesa à sua ‘sabedoria’ (reservando-se apenas para o pensamento ocidental o termo ‘filosofia’), à sua literatura e poesia, às suas variadas artes visuais, havendo quem reconheça ainda a sua precocidade na reflexão moral, na sociologia, na crítica histórica e na teorização estética. Todavia, exceptuando as “Quatro Grandes Invenções Chineses”, raramente se menciona a sua ciência e tecnologia, que não são sequer ensinadas nas escolas. Isto sucede apesar de existirem publicações notáveis em língua inglesa e demais línguas europeias acerca do brilhantismo da história da ciência e da tecnologia chinesas, a começar pelo ciclópico Science and Civilization in China (1954-até ao presente), de Joseph Needham. Deve-se tal relutância a uma determinada concepção ocidental de ciência que emergiu no séc. XIX, época em que se consolidavam os grandes impérios coloniais da Europa e em que a história da ciência enquanto disciplina se formou. Essa concepção, que ainda hoje vigora, promove a ideia de que toda a ciência digna desse nome nasceu na Europa a partir da chamada Revolução Científica dos sécs. XVI e XVII e é a marca distintiva da superioridade da sua civilização, excluindo da mesma esfera todas as outras civilizações da Terra, como a chinesa, a árabe, a indiana e as pré-colombianas. Ora, há que ter consciência de que essa concepção de ciência não é, ela própria, científica. Na melhor das hipóteses, é uma concepção filosófica, legítima mas questionável, que resulta da visão da história da ciência como uma adição de estados descontínuos e não como um processo contínuo. Na pior das hipóteses, é uma concepção meramente ideológica assente numa agenda oculta que visa incrementar o mito da supremacia ocidental. Mas aqueles que recusam tanto essa posição filosófica como essa ideologia injusta podem afirmar que, se a ciência é feita sobre os ombros de gigantes, segundo a fraseologia de Bernardo de Chartres (séc. XII) retomada por Newton em 1675, esses gigantes tiveram, bastas vezes, feições chinesas.

Um caso paradigmático é o de Francis Bacon (1561-1626), considerado um dos fundadores da Revolução Científica que assinalou a emergência da ciência moderna. Para Bacon, o conhecimento sob a forma empírica de inovações mecânicas e tecnológicas era a força propulsora do desenvolvimento humano. Na obra Novum Organum (1620), Bacon afirmou que, de entre todas as invenções humanas, três havia cuja contribuição para o advento do mundo moderno não tinha rival, acrescentando que a sua origem era, todavia, anónima e obscura. Tratava-se da pólvora, da bússola magnética e do papel e da imprensa que, sabe-se hoje, são invenções chinesas. Devido àquela afirmação de Bacon, a que se juntaram afirmações posteriores de Joseph Edkins (1823- 1905), sinólogo e missionário protestante inglês na China, e de Joseph Needham (1900-1995), bioquímico e historiador das ciências inglês, o Ocidente acabou por criar o epíteto “As Quatro Grandes Invenções Chinesas”, exportando-o para todo o mundo, inclusivamente para a própria China (四大发明 si da faming).

No entanto, poder-se-ia com justeza e facilidade acrescentar-se pelo menos mais uma vintena de Grandes Invenções Chinesas, várias delas decisivas para o advento da Revolução Científica. Joseph Needham elaborou uma lista de 26 tecnologias inventadas pelos chineses que foram transmitidas ao Ocidente. É provável que se trate apenas da ponta do iceberg, uma vez que, quanto mais se recua atrás no tempo, mais difícil é traçar a origem de um dado conhecimento. Contudo, como o tempo que decorre entre as invenções chinesas e o seu surgimento no Ocidente é em geral muito longo, não é difícil imaginar que tenham conseguido percorrer entretanto enormes distâncias. Assim, e dada a precocidade científico-tecnológica do antigo Império Celeste, não será demasiado ousado supor que existirão muitas mais invenções cuja origem se desconhece ou cuja origem seja atribuída ao Ocidente quando, na verdade, a origem será chinesa. Certo é que, depois de o Império Romano ter notícia acerca da civilização chinesa, o conhecimento ocidental acerca dela se atrasou e desacelerou com a interrupção de contactos na Idade Média e pode, ainda hoje, ser considerado deficiente.

O desenvolvimento científico-tecnológico da China não teve paralelo em todo o mundo até ao séc. XV. Eram seus os navios mais rápidos, as sedas mais preciosas, a agricultura mais sofisticada. Para além disso, arquivistas natos, os chineses compilavam todas as suas invenções e descobertas em tratados, compêndios e enciclopédias por vezes gigantescas como, para o caso da medicina, o Nei Jing (内經), também conhecido como O Clássico de Medicina Interna do Imperador Amarelo, redigido entre 445 e 221 a. C.; o Mo Jing, sobre física, óptica, magnetismo, acústica, datado de entre os séc. IV e II a. C.; o Sancai Tuhui (三才圖會), ou Colecção de Ilustrações dos Três Reinos (céu, terra e homem), de 1609, publicado por Wan Qi e Wang Siyi na dinastia Ming (1368-1644) com artigos versando sobre astronomia, biologia e geografia. Sobre tecnologia militar, publicou-se em 1044 o Wujing Zongyao (武經總要), de Zeng Gongliang, Ding Du e Wang Weide, entre outros. Sobre ciências físicas e procedimentos técnicos, surgiu em 1086 o Mengxi Bitan (夢溪筆談, Ensaios do Ribeiro dos Sonhos), de Shen Kuo, onde este descreve os princípios de erosão, soerguimento e sedimentação que são a base das ciências da Terra.  E sobre matemática, publicou-se em 1247 o Shushu Jiuzhang (数书九章 Tratado de Matemática em Nove Secções), de Qin Jiushao. Em 1313, pelo pincel de Wang Zhen, deu-se à estampa o Nong Shu (農書, O Livro da Agricultura). Em 1403 publicou-se a Yongle Dadian ou Enciclopédia da Era Yongle, que contava com 22 877 rolos de manuscritos dos quais sobreviveram cerca de 3% depois de 1644. No séc. XVII surgiu o Tiangong Kaiwu (天工開物, A Exploração dos Trabalhos da Natureza), de 1637, onde o autor, Song Yingxing, descrevia as técnicas coevas utilizadas na exploração mineira, na metalurgia, na indústria têxtil, na construção naval, na química, na hidráulica, na tecnologia militar e na agricultura.

O mundo moderno é sem dúvida fruto de correntes de informação entre o Oriente e o Ocidente que atravessaram as vastidões da Eurásia e as rotas marítimas ao longo de milénios. Se hoje se pode contar com uma agricultura e construção naval modernas, uma indústria do gás e do petróleo, observatórios astronómicos modernos, matemática decimal, foguetes multiestágios, relógios mecânicos, armas de fogo, minas subaquáticas, gás tóxico, para-quedas, a impressão e o protótipo do motor a vapor, deve-se isso à China e às viagens do conhecimento.


2. Agricultura

Na esfera da agricultura, os chineses cedo revelaram um génio com que poucos podiam rivalizar. Desde 1400 a. C. que faziam várias colheitas por ano.  Em 500 a.C. já tinham percebido o ciclo da água, ou seja, o itinerário que a água percorre desde as nuvens até à chuva, aos rios e ao oceano e de regresso às nuvens. Na Europa, tal só aconteceu com Edmund Halley no final de 1600 d.C. Além disso, já plantavam sementes individuais em fileiras em vez de as espalharem aleatoriamente pelos campos. Já capinavam as ervas daninhas e já recorriam ao estrume de animais como fertilizante, avanços que só no séc. XVIII teriam lugar na Europa. No séc. II a.C., perceberam que enfiando uma haste num ângulo recto em relação à lateral de uma roda se obtinha uma manivela, que aplicaram na sua máquina de joeirar rotativa, aos moinhos, aos carretos de poços e à maquinaria associada ao fabrico de seda. Os antigos egípcios tinham inventado uma manivela oblíqua em 2500 a. C, mas a ideia só ocorreu aos ocidentais onze séculos depois. Não é de admirar que tenham sido os chineses também a inventar o carreto de pesca no séc. III d.C.

Ainda no séc. II a. C., os chineses inventaram a semeadora de linhas múltiplas, abandonando o método manual de semear que resultava num crescimento desigual e não evitava desperdícios. Na Europa, a primeira semeadora recebeu uma patente apenas em 1566 d.C., pela mão de Camillo Torello.

Em 90 d.C., os chineses inventaram um dispositivo para peneirar o grão que recorria a um ventilador rotativo capaz de o separar do joio. E, num livro datado de 530 d.C., encontra-se a descrição do essencial acerca da máquina a vapor. Tratava-se de uma máquina de peneirar e agitar farinha que era movida a água e operava de modo inverso à máquina a vapor posterior: em vez de ser o pistão da máquina a trabalhar as rodas do veículo, no caso chinês era água corrente que alimentava os pistões que accionavam as rodas do veículo. Só não inventarem o virabrequim, porque não lhes fazia falta.

Antes da nossa era, já conheciam os poços artesianos, quando na Europa só em 1126 d.C. se perfurou o primeiro. Em 271 d.C., Wang Chong fez a primeira referência conhecida à bomba de corrente, um método de levantar água de rios ou lagos na sua obra multitemática Lun hêng (論衡).

Os chineses faziam cerveja mil anos antes dos árabes, como ficou patente com a descoberta de 2013 de uma cerâmica de 9 000 anos que revelava a presença de álcool. Na China antiga, consumia-se cerveja com um teor alcoólico de 4% a 5% desde, pelo menos, a dinastia Shang (1600 a.C.–1046 a.C.). O botânico Li Shizhen na sua obra Bencao gang mu (本草纲目, A Grande Farmacopeia), de 1578 d.C., descreveu claramente a maneira de destilar vinho em aguardente, uma técnica conhecida pelos chineses desde o séc. VII. O Bencao gang mu descreve mais de 1 000 plantas e outros tantos animais, além de 8000 usos medicinais a eles associados.

Em 100 d. C., os chineses descobriram que as flores de crisântemo, uma vez secas e reduzidas a pó, podiam ser usadas para matar insectos, ou seja, fabricaram o primeiro insecticida do mundo. O ingrediente activo, o piteiro, ainda hoje é usado, sobretudo no cultivo de hortaliças, dado ser biodegradável e inofensivo para os mamíferos. E desde o séc. VII a.C. que fumigavam as casas para as livrar das pragas e, mais tarde, com a sua invenção do papel, os livros para os livrar de traças.

Desde pelo menos o séc. I a. C. que os chineses utilizavam a bomba de corrente de baldes quadrada, apetrecho que viria a disseminar-se pelo mundo inteiro. Consiste numa corrente contínua de baldes quadrados capazes de elevar grandes quantidades de água ou de terra a um nível superior de altura. Esta depende da robustez da máquina e da maneira como os baldes foram projectados para evitar desperdícios.

Por volta de 100 d. C., descobriram ainda que os cavalos podem ser atrelados um à frente do outro, o que permitia o transporte de cargas mais pesadas e a travessia de ruas estreitas. Esta disposição dos cavalos só se tornou comum na Europa na Idade Média. Cem anos mais tarde, em 200 d.C., os chineses inventaram o balancim de carroça, uma barra articulada à qual dois bois são atrelados e que distribui a força uniformemente através das ligações, permitindo que os animais façam deslocar a viatura em conjunto. O balancim foi reinventado no Ocidente no séc. XI para uso com cavalos. A propósito de cavalos, também foram os chineses que inventaram os estribos. A representação mais antiga conhecida de um estribo foi feita na China em 302 d.C. Trata-se de um estribo de montagem, de um lado da sela, e não de um par de estribos de montaria. Estes estariam já em uso, porém, em 477 d.C.

Acresce que a superioridade técnica dos arados chineses era notória. No Ocidente lavrou-se a terra de forma ineficiente e extenuante até se ter conhecimento e se ter copiado o arado chinês.

Assim como o cultivo em fileiras e o uso da semeadora, ambos avanços também provenientes da China, tratou-se de um passo que levou directamente à chamada revolução agrícola na Europa. Para além disso, no séc. IX foi introduzido na Europa o cabresto para cavalos que colocava a pressão, não na traqueia, o que os estrangulava em pleno esforço, mas nas omoplatas. Este cabresto fora adoptado na China havia mais de mil anos.


3. Astronomia e Cartografia

 

A carta astronómica de Suzhou (蘇州石刻天文圖, 淳祐天文図), criada em 1193 por Huang Shang (黃裳) gravada na pedra em 1247 por Wang Zhiyuan (王致遠) A carta mostra 1434 estrelas.

 

Os chineses desde sempre demonstraram serem finíssimos observadores da natureza e destacaram-se na astronomia. Em 2296 a. C., já estavam a registar a passagem de um cometa. Trata-se do mais antigo registo de que há conhecimento e os chineses tornar-se-iam desde então os observadores de cometas mais notáveis do mundo. Em 2136 a. C. registaram um eclipse solar, sendo igualmente o primeiro registo mundial desse fenómeno.

A 16 de Outubro de 1876 a. C. – a primeira data precisa hoje conhecida – registam outro eclipse solar. Em 1100 d. C., os astrónomos chineses construíram um planisfério em pedra, um dispositivo que apresentava um mapa dos céus para qualquer data e hora definidas e que mostrava correctamente a causa dos eclipses solares e lunares. 

Em 1300 a. C., os astrónomos chineses já estavam convictos de que a duração do ano é de 3651⁄4 dias, uma aproximação excelente para a época. Foi no séc. IV a. C.  que Gan De, Shi Shen e Wu Xian compilaram os primeiros grandes catálogos de estrelas, obra comparável à do grego Hiparco (190 a.C. — 120 a.C.) mas que ocorreu dois séculos mais cedo. Começam também a surgir as primeiras referências às manchas solares. Na China, estas eram reconhecidas como fenómenos solares. Na Europa, a primeira alusão conhecida às manchas solares teve lugar em 807 d.C. e foi feita por Eginhardo (Einhard) na obra biográfica Vida de Carlos Magno. Todavia, foram tidas por objectos no espaço intermédio até ao séc. XVI. O registo chinês de observações de manchas solares ao longo dos séculos tornou-se na série mais antiga, longa e contínua da história mundial. Joseph Needham contou 112 registos de observação de manchas solares em crónicas oficiais chinesas entre 28 a.C. e 1638 d.C., para além de centenas de notas sobre elas que foram surgindo noutras obras chineses ao longo dos séculos. A observação de manchas solares tem grande importância prática porque causam impacto na ionosfera e no tempo atmosférico terrestre.

Em 84 d. C., teve lugar um desenvolvimento de enorme importância, quando os astrónomos Fu An and Jia Kui aprimoraram o anel armilar para localizar estrelas combinando-o com outro anel que mostrava o movimento do Sol no céu (a eclíptica), um protótipo da esfera armilar. Em 117 d. C., o grande génio científico Zhang Heng (78-140 d.C.) deu o passo seguinte e adicionou um relógio de água à esfera armilar obtendo um dispositivo que, um tanto à semelhança dos planetários modernos, rastreia o ponto em que se espera que as estrelas se posicionem no céu. Zhang Heng, ao acrescentar mais um anel em 125 d.C., criou uma esfera armilar totalmente desenvolvida. Uma esfera armilar é um modelo tangível do universo que o representa através de anéis ligados por engrenagens de modo que cada componente se move de acordo com a relação que mantém com os outros.

Em 132 d. C., o imparável Zhang Heng inventou o primeiro sismógrafo do mundo, um dispositivo cuja função é indicar a direcção de um terremoto. Tratava-se de um vaso de bronze com seis dragões laterais em redor do bojo. No interior das suas bocarras colocavam-se bolas que, caso se aproximasse um terramoto, podiam cair na boca aberta de seis sapos colocados numa superfície plana em volta do vaso. Quando o chão treme, um pêndulo no interior do vaso move-se e empurra uma alavanca que abre a boca de um dos dragões. A bola rola e cai no interior da boca do sapo colocado sob ela, fazendo soar o alarme. A boca do dragão que se abre aponta a direcção do terremoto. Seis anos depois, o sismógrafo de Zheng Heng indicou correctamente a direcção de um terramoto em Longxi, a mil quilómetros de distância. Tratou-se da primeira vez na história da humanidade que se detectou um terramoto. Na Europa, os sismógrafos só começaram a ser desenvolvidos em 1848.

Acresce que Zheng Heng, cujo cargo governamental era registar os fenómenos astronómicos, corrigiu o calendário chinês para que coincidisse com as estações, em 123 d.C. Também é o autor do Lingxian (靈憲), uma súmula do conhecimento astronómico sínico, com vários dados observacionais e explicações acerca de eclipses, além do melhor mapa estelar conhecido até então. Zheng Heng deixou ainda a sua marca na área da matemática, ao propôr a raiz quadrada de 10 (cerca de 3 1623) para π, e na área da cartografia. Em 116 d.C., inventou a cartografia quantitativa ao desenhar grelhas em mapas para obter localizações, distâncias e itinerários precisos. Este método continuou a desenvolver-se na China de tal modo que, na dinastia Yuan, se tinha tornado comum traçar apenas as grelhas, sem o desenho do mapa.

Na Europa, os mapas foram fantasiosos e imprecisos durante largos séculos. Os portulanos só surgiram no séc. XIV e mapas de qualidade só no séc. XV. A invenção de Zheng Heng abriu caminho ao desenho do mapa estelar de Dunhuang de 940 d. C., o mais antigo atlas estelar completo preservado do mundo. Séculos antes da invenção do telescópio, mostrava mais de 1300 estrelas visíveis a olho nu. Apresenta uma projecção muito semelhante à que foi desenvolvida por Gerardus Mercator, cartógrafo flamengo do séc. XVI, que ainda hoje é usada em muitos mapas. Para além de todas estas proezas, Zheng Heng foi ainda poeta e pintor.

Decorria o ano de 185 d.C. quando os chineses observaram na constelação de Centaurus aquilo a que chamaram uma “estrela convidada”, que permaneceu visível durante vinte meses. Tratava-se provavelmente de uma supernova. Existem relatos de uma outra “estrela convidada” datados de 1006, tanto na China, como no Japão, na Europa e nas terras árabes. Medições posteriores mostram que foi talvez o evento estelar mais brilhante da história que ficou registado, tendo permaneceu visível por vários anos. Em 1054, foi observada outra supernova na China, no Japão e nas terras árabes. Trata-se da supernova que agora forma a nebulosa do Caranguejo e ficou visível durante vinte e dois meses. Em 1181, e tanto na China como no Japão, elaboraram-se relatos de mais uma supernova que permaneceu visível durante 183 dias. Em 1572, os astrónomos chineses registaram uma supernova em Cassiopeia, tão brilhante quanto Vénus e que permaneceu visível durante quinze meses. O astrónomo dinamarquês Tycho Brahe também a observou, o que punha em xeque a concepção aristotélica da imutabilidade dos céus em vigor na Europa, concepção essa que nunca foi partilhada pelos chineses. Kepler, discípulo de Tycho Brahe, observou e descreveu em 1604 uma supernova na constelação do Serpentário, que não era tão brilhante quanto Vénus e permaneceu visível doze meses. Também foi avistada por astrónomos chineses e coreanos.

O primeiro registo chinês acerca do conhecimento de que a cauda de um cometa aponta sempre para longe do Sol data de 635 d.C.. Os chineses também sabiam que, tal como a Lua, os cometas brilham porque reflectem a luz. Na Europa, foi só em 1540 que Peter Apian declarou no Astronomicon caesareum que os cometas apontam sempre as suas caudas para longe do Sol.

O monge budista, astrónomo e matemático Yi Xing e o engenheiro Liang Lingzhan construíram em 725 d.C. o primeiro relógio mecânico do mundo, um relógio de água regulado por uma roda motriz que o punha em funcionamento. A roda motriz abria e fechava uma válvula fazendo com que o fluxo de água vazasse de modo constante. Este relógio de bronze apresentava um mapa celeste, mostrava a hora, a localização do Sol e da Lua e representava o movimento das constelações equatoriais. Em 976, Zhang Sixun inventou o accionamento por corrente para uso num relógio mecânico. Sobre os ombros desses dois gigantes, Su Song iniciou no ano 1088 d. C a construção do Império Cósmico, o antepassado do computador, uma fusão de relógio de água, planetário e esfera armilar. Esta proeza mecânica ficou concluída em 1092 d. C.. Tratava-se de um mecanismo com dez metros de altura, onde as rodas de escape, através de um fluxo de água constante, giravam de modo a alimentar o relógio e o planetário, uma representação mecânica dos céus, enquanto a esfera armilar permitia calibrá-los através da observação do Sol e dos planetas. A máquina foi desmantelada por invasores Jurchen em 1127 d.C. Afortunadamente, o livro de Su Song, Xinyi xiangfayao (新儀象法要), onde se encontra a ilustração e explicação pormenorizada da sua máquina e que foi publicado no ano de 1092 d.C., sobreviveu até hoje.

O relógio mecânico foi criado na Europa duzentos anos depois. Os relógios europeus eram accionados por um peso cuja descida era controlada por um escapamento. Os relógios chineses também tinham escapamentos, a parte mais importante do relógio mecânico que, aliás, foram inventados na China em 725 d.C., mas usavam água como fonte de energia. O escapamento é uma catraca que faz com que uma roda se mova apenas até certo ponto e depois pare, de modo que não haja acção descontrolada quando o relógio se encontra cheio de água. O movimento contínuo é substituído por um tiquetatear discreto.

Quando Su Song começou a construir o Império Cósmico, havia já oitenta anos que a semana de sete dias fora introduzida na China pelos persas ou por mercadores da Ásia central. Até então, a semana chinesa costumava durar dez dias. Nesse mesmo ano 1000 d.C., os chineses concluíram que, para além da Lua, também o Sol desempenha um papel no controle das marés.  O papel da Lua era conhecido havia cerca de mil anos.

No ano de 1200 d.C., construíram um observatório que lhes permitia calcular com grande precisão a duração do ano através da medição das sombras projectadas no solo. E em 1270, o astrónomo Guo Shoujing construiu o “instrumento simplificado”, o primeiro instrumento astronómico conhecido até hoje que recorre a uma montagem puramente equatorial. É montado de tal modo que gira paralelamente ao eixo da Terra e, apesar da rotação desta, mantém sempre à vista a estrela para a qual aponta. Pode ser considerado um tipo de torquetum que simplificava o sistema árabe e o adaptava ao sistema equatorial adoptado na China. Era feito em bronze e pesava várias toneladas. Sobreviveu às vicissitudes da história e encontra-se em Nanquim desde a dinastia Ming. O mesmo Gu Shoujing, em 1276 d. C., montou um gnómon de doze metros para medir a sombra do Sol e, três anos depois, fundou o primeiro observatório astronómico de Pequim, no interior do Palácio Imperial.

Note-se que a astronomia chinesa era polar e equatorial e não planetária e eclíptica como a do mundo ocidental. Portanto, os observatórios astronómicos modernos derivam da tradição chinesa e não da tradição europeia. Na Europa do séc. XVII percebeu-se a vantagem do sistema chinês equatorial que foi então adoptado por Tycho Brahe e pelos seus sucessores, como Kepler, construtores da astronomia moderna. Os observatórios passaram a ser orientados e montados de acordo com o sistema astronómico equatorial que remonta, na China, a cerca de 2400 a. C.  O primeiro telescópio montado equatorialmente com accionamento por relógio, o refractor Dorpat, foi construído por Joseph von Fraunhofer em 1824 d.C. Tanto as montagens equatoriais como os relógios tinham origem chinesa.

Os primeiros a criar mapas em relevo também foram os chineses e a sua história remonta pelo menos ao séc. III a. C. Segundo relata o Shiji (史記, Registos Históricos) de Sima Qian, em 210 a. C. o primeiro imperador chinês, Qin Shi Huangdi, foi enterrado com o seu exército de terracota e o seu túmulo apresenta um mapa em relevo do império chinês em que os rios são formados pelo fluxo de mercúrio sob a abóbada celeste representada por cima. Também sobreviveram relatos acerca de mapas em relevo feitos pelo general Ma Yuan em 32 d.C., com montanhas e vales modelados em arroz. E Jiang Fang escreveu uma obra acerca de mapas em relevo cerca de 845 d.C., intitulada Ensaio sobre a arte de construir montanhas com arroz. Também os houve feitos de madeira e de serradura misturada com farinha de trigo, e outros ainda feitos de barro.


4. Engenharia

No campo da engenharia, os dados arqueológicos permitem afirmar que, por volta de 300 a.C., os ferreiros chineses descobriram que a queima de minério de ferro misturado com carvão produzia um líquido metálico espesso e maleável. Rapidamente se aperceberam das vantagens do ferro fundido sobre o ferro forjado e passaram a utilizá-lo tanto na vida como nas obras públicas, construindo pontes de ferro e outras estruturas. Na Dinastia Han (202 a.C.220 d.C.), a fundição de ferro tornou-se monopólio do governo e observou-se um desenvolvimento notável.

A ponte pênsil, com uma pista plana suspensa por cabos, também foi inventada na China. Pontes mais primitivas como a ponte de corda simples e a ponte catenária, provavelmente também o foram. No primeiro século d.C., os chineses construíam pontes pênsil de ferro fundido que eram suficientemente fortes para que os veículos passassem sobre elas. Os chineses construíam veículos com rodas desde 2 600 a. C. No ano de 688 d.C., a imperatriz Wu Zetian mandou erguer um pagode de noventa metros de altura construído em ferro fundido para comemorar os feitos da antiga dinastia Zhou (1050 a.C.-256 a.C.). Cinco anos depois, os chineses construíram um pagode de ferro fundido com vinte e oito metros de altura, sendo cada nível fundido como uma única peça. Em 1100 d.C., a produção de ferro na China atingiu o nível anual de 170 000 toneladas métricas.

O ferro fundido só se tornou comum em toda a Europa no séc. XIV. No início da Revolução Industrial só havia ferro forjado. O ferro fundido, porém, não parece ter chegado à Europa vindo da China, mas ter resultado de várias descobertas mais ou menos simultâneas em diversos locais.

No ano 31 d. C., para fazer instrumentos agrícolas com ferro fundido, o grande engenheiro chinês Du Shi inventou o fole movido a energia hidráulica. Esses foles viriam a ser usados na Europa trezentos anos depois, quando os chineses começaram a usar carvão em vez de madeira como combustível no fabrico de ferro fundido. Os foles dos fornos accionados por rodas de água contribuíram grandemente para o desenvolvimento da produção de ferro e de aço da dinastia Song (960-1279 d.C.).

No séc. II d.C., os chineses já conseguiam fazer aço. Adoptaram dois processos: um deles principiava pela descarbonização, isto é, por retirar o carbono ao ferro fundido, e completava-se com a oxigenação, isto é, soprando oxigénio para o ferro fundido; e o outro, do séc. V d.C., consistia na co-fusão, isto é, o ferro fundido e o ferro forjado eram derretidos em conjunto para obter algo de intermédio, o aço. O processo de produção de aço por “co-fusão” foi adoptado na Europa em 1863, catorze séculos mais tarde do que na China.  E quando, em 1852, o norte-americano William Kelly inventou (embora não tivesse patenteado de imediato a ideia) um novo processo de fabricação de aço que antecipava em quatro anos o processo Bessemer, fê-lo com o auxílio de quatro especialistas chineses em siderurgia.

No séc. II a. C., os chineses inventaram o estabilizador gimbal, um mecanismo que consiste normalmente em anéis articulados em ângulos rectos e que serve para estabilizar instrumentos como bússolas ou cronómetros numa situação de movimento. Encontrava-se na Europa no séc. IX d.C. A invenção do gimbal está na base do giroscópio moderno e tornou possível a navegação e a pilotagem automática de aeronaves de longo curso, além de ser essencial no trabalho profissional com drones.

Tal como a bússola, a invenção chinesa do leme de popa no séc. I d.C. viria a revolucionar a navegação. As descobertas marítimas dos portugueses só foram possíveis devido à adopção da engenharia náutica chinesa. Até copiarem o leme de popa dos chineses, o que terá sucedido no séc. XII, tal como sucedeu com a bússola, os europeus tiveram de se conformar com remos de direcção. Durante dois mil anos, ninguém competia com a extrema superioridade náutica dos chineses. Os chineses foram também os inventores do navio de roda de pás, no séc. V d. C. No séc. XIII, podiam medir noventa metros, transportar oitocentos homens e contar com dez convés independentes. No alvor do séc. XV, o junco chinês, cujo casco se inspira na anatomia do pato e não do peixe, era uma embarcação insuperável no transporte no mar alto e tempestuoso, assim como nas vias navegáveis do interior. Contava com quatro mastros permanentes e dois temporários, velas catitas reforçadas com ripas de bambu, um leme central e um porão dividido em compartimentos estanques. Frotas de juncos patrulhavam uma área que ia desde o Oceano Índico até ao actual Sri Lanka. E em 1414, no reinado do imperador Yongle, largou da costa chinesa uma formidável expedição de exploração sob a liderança do grande almirante Zheng He que se prolongaria por mais de vinte anos. A frota compunha-se de sessenta e dois juncos gigantescos, o maior com mais de 120 metros de comprimento e 45 metros de largura. Transportavam cerca de 150 toneladas e 30 000 passageiros para o que hoje se conhece como a Índia, o Sri Lanka e a Arábia Saudita, para além da costa leste africana, da Somália até à África do Sul. A primeira destas expedições foi desde logo um êxito e regressou à China em segurança e carregada de mercadorias e presentes tributários em 1415. Os chineses comercializavam regularmente com a Indonésia e com as Filipinas e a costa oriental africana e é possível que tivessem atingido o norte da Austrália.

No início da dinastia Han (206 a.C. – 220 d.C.) ou talvez anteriormente, apareceram na China uns objectos estranhos: as bacias de ressonância chinesas. São bacias de bronze, tecnologia na qual os chineses eram exímios, equipadas com duas alças e decoradas na superfície com motivos geométricos. No fundo da bacia vêem-se quatro dragões ou quatro peixes que lançam jactos de água pela boca em direcção às paredes laterais quando as alças são friccionadas. As vibrações provocadas pela fricção produzem uma ondulação na superfície da água em redor da borda. De seguida, as gotas de água tornam-se rapidamente em fluxos contínuos semelhantes a minúsculos jactos de fonte. As gotas e os jactos de água crescem e diminuem a cada fricção das alças. Acredita-se que estas bacias de ressonância geram as frequências precisas e necessárias para criar ondas estacionárias (ondas que resultam da colisão de duas ondas iguais mas opostas) e que os jactos de água são formados por essas ondas.

Novecentos anos antes de Cristo, já os chineses obtinham gás natural de poços. Quinhentos anos depois, em Sichuan, começaram a utilizar petróleo e gás natural para cozinhar e iluminar as cidades. Canalizavam o gás em tubos de bambu e extraíam petróleo de fontes naturais. Em 100 a.C., obtinham gás natural e água salgada por perfuração no solo. O método de extracção recorria a cordas e canos de bambu. Para erguer e baixar brocas de ferro fundido, construíam grandes torres de bambu que podiam chegar aos cinquenta e cinco metros de altura. Um ou mais homens ficava de pé numa prancha de madeira, semelhante a um balancé, que impelia a broca no cano de bambu a erguer-se a cerca de um metro para depois cair, fazendo-a chocar contra a rocha, pulverizando-a. A única força usada para a perfuração era a mão de obra humana e avançava-se centímetro a centímetro, a perfuração de um poço profundo requerendo anos. No início do séc. III d.C., cavavam-se poços até 140 metros de profundidade. O gás natural não foi explorado no Ocidente até ao séc. XX e, no séc. XIX, a iluminação provinha do gás de carvão. A perfuração profunda para os suprimentos actuais de petróleo e gás natural numa plataforma moderna é um desenvolvimento das técnicas chinesas.

A perfuração de gás natural desenvolveu-se essencialmente ao mesmo tempo do que a perfuração de salmoura. Os chineses desenvolveram métodos altamente sofisticados para poços sem pressão artesiana para a extracção da salmoura. Quando o perfurador caía abaixo do nível da salmoura, havia lugar a grandes suprimentos de gás natural, principalmente metano.

Os escritos da escola de Mo Zi do séc. IV a. C. atestam ainda que foi na China que teve lugar o primeiro uso conhecido de gás tóxico e lacrimogéneo para utilização na guerra e para dispersar revoltas campesinas.

No séc. I a. C., os chineses já utilizavam correias de transmissão, ou seja, correias que transferem a potência de uma roda para outra criando um movimento rotativo contínuo. Começaram por as aplicar na maquinaria relacionada com a manufactura da seda. As correias de transmissão foram cruciais para o desenvolvimento da roda de fiar. Estiveram na origem das correntes de transmissão, inventadas na China em 976 d.C., a forma mais utilizada de transmissão de potência, que está presente nas bicicletas e nos equipamentos industriais, agrícolas e de movimentação de cargas. Chegaram à Itália a partir da China pela mão de viajantes italianos do séc. XIV, mas permaneceram raras na Europa até quatro ou cinco séculos depois.

Em 260 d.C., Ma Jun construiu a primeira máquina cibernética, a “carruagem que aponta o sul”, usando engrenagens diferenciais, uma combinação de rodas dentadas e volantes de inércia, semelhantes à do automóvel moderno. Não tinha qualquer relação com a bússola. Tratava-se de uma grande carruagem montada pela estátua de jade de um Imortal cujo braço esticado, independentemente da posição da carruagem, se erguia apontando em frente, sempre em direcção ao sul. Não se tratou da primeira tentativa para criar esta carruagem, mas foi a mais bem sucedida.

No séc. VII d.C., o grande arquitecto e engenheiro Li Chun inventou a ponte de arco segmentado, quando apenas as pontes de arco semicircular eram conhecidas. As pontes de arco segmentado requerem menos material e são mais fortes do que as pontes de arco semicircular. A ponte Zhaozhou, também conhecida como ponte Anji, na província de Hebei, foi construída por Li Chun e é a mais antiga e mais bem preservada ponte de pedra de arco segmentado do mundo. Tem cerca de cinquenta metros de comprimento e um vão central de 37 metros. Tem 7,23 metros de altura e nove metros de largura. Sobreviveu a pelo menos dez inundações, oito guerras e a inúmeros terremotos, alguns de grande magnitude. Mas a mais célebre ponte de arco segmentado da China é a Ponte de Marco Polo (Lugouqiao é o nome chinês), a oeste de Pequim, assim chamada no Ocidente porque Marco Polo a descreveu num estado de fascínio e declarou tratar-se da melhor ponte do mundo. A primeira ponte de arco segmentado da Europa é a famosa Ponte Vecchio, construída em Veneza em 1345.

Em 219 a. C. o primeiro imperador chinês, Qin Shi Huangdi, ordenou ao engenheiro Shi Lu que construísse o Canal Mágico para melhorar o abastecimento dos exércitos imperiais enviados para o sul. O canal, ainda hoje em uso, media trinta e dois quilómetros de extensão e ligava o rio Xiang ao rio Li, que se juntava depois a outros rios, tonando possível a um navio navegar de Cantão ou de qualquer outro lugar no Mar da China até à região da actual Pequim e transportar bens em linha recta durante dois mil quilómetros. A capital de então, Chang’an (a actual Xi’an) estava ligada ao Rio Amarelo por um canal de 145 quilómetros de extensão. A construção do célebre Grande Canal, a mais longa e mais antiga hidrovia construída por humanos que ainda está em uso, com 965 quilómetros de comprimento e ligando o Yangtze ao Rio Amarelo, iniciou-se no ano de 70 d. C. e finalizou-se em 1327, contando vinte e quatro comportas e sessenta pontes. Nada de semelhante existiu na Europa até ao séc. XVII e os canais apresentavam extensões bastante mais modestas. Preocupado com os roubos que ocorriam quando os barcos eram rebocados sobre os vertedores, Qiao Weiyao inventou a eclusa para os canais em 983 d.C. As eclusas possibilitaram que o Grande Canal subisse para quarenta e dois metros acima do nível do mar. Na Europa, depois de serem adoptadas a partir da China, o primeiro registo de uma eclusa de canal ocorreu em 1373 em Vreeswijk, na Holanda, embora pudessem ter sido construídas cem anos antes.


5. Tecnologia industrial

Os chineses cedo desenvolveram tecnologias industriais em múltiplas frentes. Descobriram as qualidades da laca e começaram a aplicá-la como material de protecção e decoração. A história da utilização de laca na China remonta a 4.000 anos. Foi a partir de lá que o trabalho em laca se foi espalhando pelos demais territórios asiáticos. A laca em bruto é retirada na China através de cortes feitos na casca da árvore Toxicodendron vernicifluum. Quando está seca, a laca é resistente à água, reforçando e preservando as superfícies sobre as quais é aplicada. Também se pode tornar na principal substância de que os objectos são feitos.

Os chineses descobriram o papel cerca de 140 a.C., mas não o utilizaram logo para escrever. Servia para embalar e para recauchutar peças de vestuário. Foi no séc. I d.C. que adquiriu a nova função de registar a escrita. Além da escrita, o papel foi utilizado para inúmeros fins, por exemplo, para a pintura e para fabricar foguetes. A China também se tornou no primeiro local do mundo a ter papel higiénico, pois de acordo com registos históricos já era usado no séc. VI d.C. No final do séc. XIV, registou-se que se tinham fabricado 720 000 folhas de papel higiénico grandes para a corte imperial. O papel higiénico chegou ao Ocidente só no séc. XIX e só no início do séc. XX ganhou popularidade.

Os chineses inventaram o guarda-chuva/guarda-sol no século IV d.C., que era feito de um papel grosso e oleoso com origem na casca de amoreira. O do imperador da época era amarelo e vermelho e os dos restantes mortais eram azuis.

Em 618 d.C. inaugurou-se a publicação de um jornal da corte, com várias dezenas de exemplares. No alvor do séc. IX, algo já semelhante às notas bancárias se encontrava a circular pela China. Eram análogas a notas de crédito ou notas de câmbio emitidas de forma privada. Por exemplo, um comerciante que depositasse o seu dinheiro na capital recebia um “certificado de câmbio” em papel que podia trocar depois noutras cidades por moedas de metal. Em 900 d. C., no Sichuan, o dinheiro em notas de papel como meio de troca já estava em vigor. A primeira impressão de dinheiro em papel na Europa ocorreu na Suécia em 1661.

Além de inventarem o papel, os chineses inventaram a imprensa e os tipos móveis, que eram feitos em madeira ou em cerâmica. O primeiro texto completo impresso, através da impressão em bloco, foi o Sutra do Diamante datado de 868 d.C. que foi encontrado em Dunhuang por um monge em 1900. Consistia em sete grandes folhas coladas para formar um pergaminho, uma delas com uma imagem em xilogravura. Os tipos móveis foram inventados menos de 200 anos depois. Em 1107 d.C., os chineses deram novo passo em frente e inventaram a impressão multicor através da introdução de seis cores, com a finalidade principal de tornar mais difícil falsificar o dinheiro em papel. E, em 1155, deram à estampa o primeiro mapa impresso do mundo, um mapa da China ocidental. As técnicas de impressão foram desenvolvidas por Wang Zhen em 1313, quando conseguiu ter à disposição mais de 60 000 caracteres chineses feitos de madeira que utilizou para imprimir o seu Tratado de Agricultura (農書 Nongshu).

No ano de 751 d. C., em Samarcanda, na Ásia central, os árabes aprenderam os segredos do fabrico de papel através de chineses. No séc. XI, os árabes revelaram esses segredos à Europa. Na Europa, a invenção da impressão com tipos móveis por Gutenberg que teve lugar em 1450 aconteceu de maneira independente, mas a impressão com blocos, essencial para a impressão com tipos móveis, foi provavelmente conhecida por difusão a partir da China.

 

Carrinho de mão com velas. Foto anterior a 1935. Retirado da obra de Kazanin M.I., Ensaio sobre a geografia económica da China, M. Ogiz.Sotsekgiz, p.106.

 

O carrinho de mão, que só cerca do séc. XIII começou a ser utilizado na Europa, era corrente na China pelo menos desde o séc. I a.C. Desempenhavam papéis importantes em assuntos militares, como o fornecimento de homens ou de provisões, dado poderem carregar tanto uns como outros para uma batalha. Também formavam com eles barreiras protectoras e móveis contra cargas de cavalaria. Em alguns acrescentavam velas e esses podiam deslocar-se a alta velocidade na terra e no gelo. Algo muito semelhante ao paquímetro deslizante já era utilizado para medições na China no séc. I d.C.. Só lhe faltava a peça giratória. Parece ter sido inventado muito tempo depois na Europa por Leonardo da Vinci.

Uma das maiores invenções das China foi a porcelana, fabricada pela primeira vez por volta de 600 d.C. A cerâmica chinesa tornou-se, de longe, na mais avançada do mundo. Considera-se que o fabrico de porcelana atingiu o auge na dinastia Song (960-1279). No Ocidente, o termo porcelana refere-se a cerâmica branca cozida a alta temperatura (cerca de 1300º) em condições oxidantes ou redutoras e de corpos translúcidos. As porcelanas do norte da China recorriam predominantemente à argila rica em caulino (gaoling) e à oxidação. No sul, era a pedra de porcelana (baidunzi ou ‘petuntse’), rica em feldspato, o material principal e a redução era o processo mais comum.

Os inventores da roda de fiar também foram os chineses. É muito provável que a roda de fiar e outras máquinas relacionadas com têxteis fossem introduzidas na Europa a partir da China através dos mercadores italianos que lá se deslocaram na dinastia Yuan (1279–1368).

A primeira referência a uma roda de fiar na Europa data de 1280 d.C. Não esqueçamos que a seda, uma das fibras mais antigas, teve origem na China entre 4.000 a 3.000 a.C. Os chineses descobriram que o bicho-da-seda produz as fibras mais longas da natureza, com cerca de novecentos metros de comprimento e perceberam que era superior ao pêlo animal e às fibras vegetais. Em 53 a. C., os romanos que guerreavam contra soldados inimigos da Pártia viram seda pela primeira vez nos seus estandartes. Durante largos séculos, entre muitos outros bens, a seda foi transportada para o Ocidente por mercadores através da chamada Rota da Seda.


6. Matemática e Medicina

Na área da matemática, deve-se aos chineses o sistema decimal que criaram no séc. XIV a. C. e que se espalhou pelo mundo. Parece ter atingido a Europa apenas no séc. VIII d.C., através dos árabes de Al-Andaluz. Além do sistema decimal, os chineses lidavam também com fracções decimais pelo menos desde o séc. V a. C., com os avanços do matemático e astrónomo Liu Xin. O conhecimento acerca das fracções decimais viajou da China para Samarcanda no séc. XIV ou XV d. C., tendo atingido a Europa apenas em 1530. Antes de 300 a.C., os chineses já tinham desenvolvido os primeiros quadrados mágicos. Trata-se de matrizes de números escolhidos de tal modo que se obtém o mesmo valor através da soma das linhas, colunas e diagonais. No séc. II a.C., já lidavam com número negativos, algo cuja existência foi muito difícil de aceitar na Europa, onde só em meados do séc. XVI começaram a ser adoptados, embora tivessem surgido em 275 d.C. numa obra do matemático grego Diofanto de Alexandria. Este descreveu-os, todavia, como sendo absurdos enquanto solução de uma equação.

Quando o ano 50 d.C. se aproximava, veio a lume a colectânea de Liu Hui Jiuzhang suanshu (“Nove Capítulos da Arte Matemática”), que registava a matemática conhecida pelos chineses em nove capítulos que expunham 246 problemas, métodos de medição, razão e proporção, construções, métodos para solução de equações e sistemas de equações e aplicações do teorema de Pitágoras. Antes da época de Pitágoras, já esse teorema era conhecido pelos babilónios, pelos egípcios e pelos chineses. O Zhoubi Suanjing (周髀算经, o Clássico da Aritmética do Gnómon dos Zhou), uma compilação do séc. I a. C. sobre o conhecimento matemático e astronómico da dinastia Zhou (1046–256 a.C.), apresenta a primeira prova conhecida desse teorema.

Como já se referiu, em finais do séc. I ou no início do séc. II d.C., Zheng Heng propôs para π a raiz quadrada de 10 (cerca de 3 1623). Em 263 d.C., Liu Hui recorreu a polígonos de até 3072 lados para calcular o valor de π como 3 14159. No mesmo ano, forneceu uma prova do teorema de Pitágoras e calculou o volume de uma esfera, de cilindros e de sólidos semelhantes, através de algo análogo ao conceito de limite. Em 635 d.C., o valor de π foi calculado como 3 1415927 (usando decimais) na história oficial da dinastia Sui. Na Europa de 1600 d.C., o matemático holandês Adriaan Anthonisz e o seu filho calculavam π ainda como 3, 1415929.

Uma grande contribuição chinesa para a matemática foi a extracção de raízes quadradas e raízes cúbicas segundo um processo semelhante ao de W. G. Horner, de 1819, que era praticado pelo menos desde o séc. I a. C. No séc. III d.C., os chineses descreviam figuras geométricas através de equações algébricas. Recorriam regularmente à álgebra para auxílio na geometria. Os procedimentos chineses foram passados aos árabes no séc. IX d. C. e Leonardo Fibonacci parece ter sido o primeiro a utilizá-los na Europa em 1220 d. C. A data do primeiro registo conhecido que descreve o chamado triângulo de Pascal (Blaise Pascal, 1623-1662) é 1303 d. C. e foi publicado pelo grande matemático chinês Zhu Shijie, embora não seja claro se foi fruto de uma transmissão a partir dos árabes para os chineses ou vice-versa. Em 800 d. C., os matemáticos chineses usavam o método das diferenças finitas para resolver equações, um processo iterativo que fornece soluções aproximadas da solução real. E, no séc. XIII, praticavam equações numéricas de grau superior a três, contando vários séculos de avanço em relação ao Ocidente. Em 1593, surgiu na China a primeira descrição de um ábaco chinês moderno. Todavia, a primeira referência impressa à “aritmética com bolas”, a forma primitiva do ábaco, aparece num texto chinês de 700 d.C.. E esse mesmo texto implica que o ábaco remonta ao séc. II d.C.

Quanto à área da medicina, sabe-se que a acupuntura era amplamente utilizada como terapia na China há mais de dois mil anos. Embora a cirurgia seja talvez a forma mais antiga de medicina, na China preferia-se a acupuntura à cirurgia invasiva.

A antiga filosofia natural chinesa elaborou teorias de um refinamento extremo para a época acerca da matéria e dos seres vivos, levando os chineses a acreditar desde sempre que o sangue circula por todo o corpo. Na Europa, essa ideia surgiu apenas no séc. XVI e a sua absorção foi lenta. Os chineses também sabiam que a pulsação derivava dos batimentos do coração, tendo identificado vinte e oito tipos de pulsação diferentes. Além disso, estavam cientes dos ritmos circadianos, algo de muito recente na medicina ocidental. Eram ainda brilhantes na endocrinologia. No séc. VII, já estavam a usar a hormona da tiróide para tratar o bócio, que sabiam distinguir de um tumor. O tratamento do bócio com iodo atingiu a Europa a partir da China no séc. XII. Entre 1025 e 1833 d. C., os chineses conheciam pelo menos dez métodos para obter hormonas sexuais e pituitárias através da urina. A produção dessas hormonas era feita em grande escala sob a forma de medicamentos a que chamavam ‘mineral do outono’. A descoberta de que a urina continha tais hormonas só foi feita na Europa em 1927.

No séc. VII d.C., o médico chinês Zhen Chuan, tonou-se na primeira pessoa a notar os sintomas de diabetes mellitus, incluindo sede e urina adocicada. Avançou com explicações e dietas para essa condição que não distam muito das soluções actuais. Um dos contributos para a medicina dentária profilática foi a invenção, em 1498 d.C. (é possível que tenha ocorrido antes, na dinastia Tang, 619 e 907 d.C.), da escova de dentes de cerdas, semelhantes às que hoje se utilizam. As cerdas eram feitas de pêlos grossos de suínos. O cabo era feito de osso ou bambu e as cerdas eram inseridas em pequenos orifícios numa extremidade. Estas escovas de dentes de pelo de porco foram exportadas para a Europa ao longo do séc. XVII, mas os europeus preferiram a crina de cavalo, por ser mais macia.


7. Ciências Físicas e Magnetismo

Na área das ciências físicas e do magnetismo, os chineses começaram a usar uma bússola de magnetita pelo menos no séc. IV a.C. Apontava o sul, como sucederia sempre com as bússolas chinesas até à dinastia Qing (1636–1912), quando as bússolas náuticas passaram a apontar o norte, sob influência europeia. As bússolas, originalmente, não eram usadas na navegação, mas sim na prática da geomancia. A forma de peixe é tipicamente chinesa. Existem descrições anatigas de “peixes” de ferro magnetizado que flutuavam na água e podiam ser usados ​​para encontrar o sul. Outra forma antiga era uma colher que representava a Ursa Maior. Depois foram substituídas por agulhas de aço pousadas num canudo que flutuava na água e aplicadas à navegação entre 850 e 1050 d.C.

Os antigos gregos conheciam o magnetismo e a electricidade estática, mas não fizeram muito com eles.  A primeira referência ocidental conhecida à bússola magnética data de 1190 d. C. e encontra-se no De naturis rerum, de Alexander Neckam. A bússola parece ter chegado à Europa ao mesmo tempo do que às terras árabes, através de contactos náuticos.

Pelo séc. VIII ou IX, os chineses já estavam cientes da declinação magnética, isto é, da diferença, que varia anualmente, causada pelo magnetismo terrestre entre o norte encontrado através de uma bússola e o norte geográfico. Anteciparam-se aos europeus em seis séculos. No início do séc. XI, também já se tinham apercebido do fenómeno da remanência no magnetismo, algo que só em 1600 d.C. sucedeu na Europa.

A primeira lei do movimento dita de Newton, datada do séc. XVIII, foi formulada primeiro na China no séc. III ou IV a.C. Segundo essa lei, um objecto em repouso permanece em repouso, ou se em movimento, permanece em movimento com uma velocidade constante, a menos que seja sujeito a uma força resultante externa. Surge no Mojing, uma colectânea de textos dos adeptos da escola de Mo Zi, que se caracterizou por uma série de ideias brilhantes de teor científico. Todavia, a escola de Mo Zi não durou muito. O seu impacto na história posterior da China foi reduzido e as suas obras ficaram esquecidas até recentemente.

Os chineses sabiam que a estrutura dos flocos de neves era hexagonal pelo menos desde o séc. II a.C.. Na Europa isso só aconteceu em 1591 d.C, quando o matemático Thomas Harriot fez notar que todos os flocos de neve têm seis pontas ou seis lados, embora não tivesse publicado essa observação. A primeira descrição pormenorizada da natureza hexagonal dos flocos de neve no Ocidente encontra-se numa obra de Kepler de vinte e cinco páginas, Um presente de Ano Novo ou o Floco de Neve de Seis Pontas, de 1611.

Numa obra de 550 d.C., Jinlou Zi (金楼子, O Mestre do Pavilhão Dourado) do Imperador Luan dos Liang, encontra-se a descrição de um veículo terrestre movido a vento construído na China que transportava trinta pessoas e se deslocava centenas de quilómetros por dia.

O papagaio de papel também foi inventado na China no séc. IV ou V a.C. Os primeiros eram de madeira. Destinavam-se sobretudo para fins militares, como testar o vento e sinalizar, medir distâncias e enviar mensagens, como sucedeu em 1232 durante um cerco mongol. O incomparável engenho chinês aplicou os papagaios de papel ainda na área da pesca. Atavam o anzol e a isca ao papagaio e faziam-no voltejar a partir de um barco ou canoa para depois ficar em repouso sobre um ponto da superfície água suficientemente afastado da embarcação para não assustar os peixes. Também faziam papagaios musicais, apetrechados com canas de bambú de modo a produzirem toda uma panóplia de sons. É interessante notar que, no seio da escola do Dao, a visualização do voo de papagaios de papel constituía uma forma de meditação e a tecnologia decerto lucrou com isso.

De acordo com um relato do séc. VI d.C., os chineses operavam papagaios de papel para levar a cabo voos tripulados. Com efeito, o imperador Wen Xuan, da dinastia Qin do Norte, ordenou que uns tantos prisioneiros inimigos fossem lançados do alto dos trinta metros da Torre da Fénix Dourada, equipados com esteiras de bambu a fazer de asas. Morreram todos. Mas o imperador continuou a aprimorar a experiência e seguiram-se os voos de inimigos atados e a pilotar papagaios de papel. Um dos prisioneiros conseguiu sobreviver a um voo bem sucedido de mais de trezentos metros. Foi por isso condenado a morrer à fome.

 

Chinês com papagaio de papel. Fotografia de autor desconhecido, 1870-1930, da Digital Commonwealt.

 

No séc. XIII, os papagaios de papel que levantavam pessoas eram comuns. Os chineses fabricavam e fabricam papagaios de papel com as mais extraordinárias e variadas formas. Com o tempo, tornou-se num brinquedo. O papagaio de papel chegou à Europa apenas no séc. XVI. 

O grande mestre taoísta Ge Hong (283-343 d.C.) assinalou no seu Baopu Zi (抱樸子, O Mestre que Abraça a Autenticidade) que havia quem fabricasse carros voadores de madeira com correias de couro de boi presas a lâminas giratórias para os colocar em movimento e que outros tiveram a ideia de fazer cinco cobras, seis dragões e três bois para enfrentar o “vento forte” e sobre ele cavalgar ininterruptamente até à altura de quarenta li. E acrescentou que, nessas alturas, o qi é extremamente duro e consegue superar a força humana.

Leonardo da Vinci projectou o primeiro helicóptero em 1500 d.C., mas nunca foi construído e é pouco provável que levantasse voo. No mesmo ano, na China, Wan Hu amarrou quarenta e sete foguetes de pólvora às costas de uma cadeira para construir uma máquina voadora. O dispositivo explodiu e o seu inventor e piloto morreu.

Sob a influência de relatos acerca da China e do Sião, Louis Sebastien Lenormand tornou-se em 1784 o primeiro ocidental a usar uma forma de para-quedas. Dois séculos antes, Leonardo da Vinci fizera o esboço de uma forma de para-quedas. Os chineses elaboravam para-quedas pelo menos desde o séc. II a.C., assim como miniaturas de balões de ar quente feitas de casca de ovo e com mechas inflamáveis. Um facto curioso é que, em 1855, Sir George Cayley, o pai da aeronáutica moderna, exibiu algo que está  na origem da hélice da aeronave moderna: os seus helicópteros de “brinquedo” a subir a vinte e sete metros de altura. Cayley adoptara como modelo as hélices de brinquedo chinesas, eixos com várias lâminas colocadas em ângulo e com uma corda enrolada em volta que existiam desde pelo menos desde  o séc. IV d.C.

O Zhenyuan miaodao yaolue (真元妙道要略, Fundamentos do Dao Misterioso da Verdadeira Origem), de 850 d.C., atribuído ao alquimista Zheng Yin, descreve uma forma primitiva de pólvora, advertindo acerca do perigo de poder queimar tudo em redor. Em 1044 d.C., Zeng Gongliang publicou as primeiras receitas de três variedades de pólvora. No início, os chineses receavam a pólvora, cientes do perigo que representava. Embora a China fosse o país que inventou a besta no séc. IV a.C. e que possuía o armamento mais sofisticado do mundo desde os primeiros séculos a.C até ao séc. XVI d.C., os chineses não começaram a aplicar a pólvora em armamento de imediato. Pelo contrário, os europeus perceberam logo como a aplicar no fabrico de armamento, mas a pólvora só chegou até eles quinhentos anos depois de ter sido inventada na China. Quando os chineses a começaram a usar na guerra foi apenas para assustar o inimigo com a barulhada. Em 1221 d.C., porém, já fabricavam bombas que produziam estilhaços e causavam danos consideráveis. Também inventaram as minas terrestres, com as quais protegiam a fronteira norte dos ataques dos mongóis, assim como as minas navais, a que chamavam “dragões submarinos”, para travarem batalhas no mar. Colocavam-nas em intestinos de cabra submergidos e presos a uma prancha de madeira flutuante. No final do séc. XIII, em 1288, embora com antecessores que datavam de dez ou mais anos, fabricaram o primeiro proto-canhão do mundo. Era de pequenas dimensões e feito de ferro fundido. O canhão de ferro fundido do Ocidente data de 1542 d.C. e foi inventado em Inglaterra por Ralph Hog.

E foram mulheres da dinastia Qi do norte que, durante um cerco militar e recorrendo ao enxofre, inventaram a primeira versão dos fósforos no séc. VI d. C., de modo a poderem acender fogueiras para se aquecer e cozinhar alimentos. No caso europeu, não se encontraram vestígios de fósforos anteriores a 1530.

É do conhecimento geral que os chineses inventaram o fogo de artifício. Fizeram-no antes de inventarem a pólvora. Recorriam a varas de bambu inflamadas desde pelo menos o séc. II a.C. Na dinastia Song (960-1279) adaptaram a pólvora de modo a fabricar foguetes. Prendiam um tubo de papel recheado de pólvora a uma flecha que era disparada por um arco. Estas flechas-foguete foram disparadas em 1126 d.C. na defesa de Bianjing (a actual Kaifeng), então capital do império Song. Embora os chineses tivessem praticamente parado de melhorar a pólvora ou o seu uso em armamento depois do séc. XIII, as flechas-foguetes foram as precursoras dos potentes foguetões que, nove séculos volvidos, viriam a tornar possíveis as viagens espaciais.


8. Conclusão

A partir do séc. XVI, e apesar de toda esta milenar dinâmica na área da tecnologia, a China, sempre admirável e na vanguarda em muitas outras frentes, deixou todavia de ser o local de origem de novas e grandes invenções tecnológicas. Um fenómeno complexo teve lugar para o qual ainda hoje não se encontra uma explicação cabal. Certas áreas do conhecimento, como a matemática e a astronomia, foram vítimas de um esquecimento progressivo. Os antigos tratados, que expunham o conhecimento acumulado até então, tornaram-se incompreensíveis. A tocha passou entretanto para as mãos dos Europeus que, depois de atingirem a China por via marítima no início do séc. XVI, lhes transmitiram muitos dos conhecimentos que haviam sido esquecidos, além de muitas novidades.

Este tipo de esquecimento, na história das ciências, não é inédito e parece suceder ocasionalmente. Com efeito, algo de análogo se passou com os Árabes no séc. XVI e na Europa do primeiro milénio. Os eruditos gregos do primeiro milénio deixaram de compreender fundamente as obras da época clássica. Foram os árabes da Idade Média que, na Casa da Sabedoria de Bagdade, as preservaram e traduziram para a sua língua, adicionando comentários e ideias próprios, e que as transmitiram ao pensamento europeu posterior através de Al-Andaluz e da Sicília.

Mas o esquecimento chinês não foi senão uma gota no vasto oceano da sua história. Hoje a China empunha de novo a tocha do conhecimento científico. Com efeito, tornou-se actualmente numa potência científica, a par dos EUA e da Europa. De acordo com um estudo muito recente da Universidade do Ohio, encabeçado por Caroline Wagner, os artigos científicos publicados por investigadores chineses, além de serem em maior número, são também já 1% mais citados do que os de cientistas de qualquer outro país.

Na área da inteligência artificial, publicaram-se em 2022 três vezes mais artigos da autoria de investigadores chineses do que de investigadores norte-americanos. O mesmo sucede nas áreas da nanociência, da química e dos transportes. Trata-se de artigos de excelência, que fazem prova de uma grande capacidade de inovação, criatividade e interdisciplinaridade. É nas universidades chinesas, cuja qualidade melhorou drasticamente, que se encontra o maior número de doutoramentos em engenharia. Actualmente, apenas os EUA investem mais dinheiro na área da ciência e da tecnologia do que a China. A China está a colher, portanto, os frutos de uma política governamental que tem vindo a adoptar persistentemente como objectivo claro tornar o país no melhor em ciência e tecnologia. Não é por acaso que é hoje esse país extraordinário onde o futuro acontece.

 

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Bibliografia

  • Bunch, Bryan e Hellemans, Alexander (2004) The History of Science and Technology, New York: Houghton Mifflin Company
  • Colectivo, Chine. Les Inventions qui ont changé le monde, Les Cahiers de Science et Vie, n. 113, Oct-Déc. 2009
  • Needham, Joseph e Ronan, A. Colin (1980) Shorter Science and Civilisation in China, Cambridge University Press
  • Ross, Frank Xavier (1982) Oracle Bones, Stars, and Wheelbarrows. Ancient Chinese Science and Technology, Boston: Houghton Mifflin Company
  • Temple, Robert (2007) The Genius of China, London: Andre Deutsch Ltd
  • Wagner, Caroline (2023) China now publishes more high-quality science than any other nation – should the US be worried? The Conversation, 2023, January 10, Ohio State University https://theconversation.com/china-now-publishes-more-high-quality-science-than-any-other-nation-should-the-us-be-worried-192080

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