As expedições marítimas de Zheng He
No dia 11 de Julho de 2005 foi pela primeira vez comemorado na China o Dia do Mar, data que assinala os 600 anos do início da primeira viagem marítima de Zheng He. Na altura esteve patente no Museu Marítimo de Macau uma exposição com o título “Rumo a Ocidente – As viagens de Zheng He”, onde se pôde ver, para além de vários modelos de juncos, os itinerários dessas viagens e conhecer o grande contributo das invenções chinesas na História marítima da navegação. Sem nos dar os antecedentes das sete viagens marítimas comandadas pelo Almirante Zheng He, permitiu-nos viajar com o que sobrara da História dessa grande aventura realizada entre 1405 e 1433. Aos trinta países e regiões, chegou uma imensa armada sempre com mais de 200 barcos, onde constava o baochuan, conhecido como o barco do Tesouro, com o propósito de desenvolver a influência da dinastia Ming e estreitar relações através da troca de produtos luxuosos: lacas, sedas, chá e porcelana.
Era o culminar de muitos séculos de experiência de navegação, pois já no ano de 97 uma delegação chefiada por Gan Ying chegara a um porto do Golfo Pérsico. No século XII, os juncos tinham capacidade para viajar cinco mil milhas náuticas sem aportar e navegar sem costa à vista, não necessitando de parar no Sri Lanka quando se dirigiam para o Mar Arábico. Nos finais de Novembro partiam da China e em quarenta dias chegavam a Sumatra (actual Indonésia) com a ajuda dos ven-tos. Aí esperavam até à Primavera do ano seguinte para, de novo com a ajuda dos ventos, atingir o Golfo Pérsico em sessenta dias, e à China regressavam em Maio/Junho. Quando se dirigiam às costas do Malabar usavam o porto indiano de Quilon, dominado na altura por mercadores chineses. Ainda hoje disseminada na costa indiana encontra-se um sistema de pesca chinês, a rede de abater, redes quadrangulares que se levantam facilmente por um sistema de alavanca feito de bambus e cordas.
Nas “Cartas Náuticas de Zheng He” ficaram registadas 56 rotas distintas, indicadas com os cursos das viagens e suas durações, bem como as localizações de ilhas, rios, portos, profundidades dos cursos de água, bancos de areia, recifes e outros obstáculos encontrados, para facilitar a navegação às embarcações de diferentes calados.
Poucos anos tinham passado desde o regresso da última expedição ao Oceano Índico da Armada do Tesouro, comandada pelo Almirante Zheng He, quando foi destruída a documentação oficial de todas essas sete viagens marítimas. Estava-se nas primeiras décadas do século XV e a China afastou-se do mar, sendo Malaca o porto mais longínquo onde iam os comerciantes chineses.
A Rota da Seda, designação dada aos inúmeros caminhos para Oeste a atravessar montanhas e desertos para ligar Impérios tão distantes como o da China e o Romano, foi pela primeira vez referida em 1875 pelo geógrafo Ferdinand von Richtofen. Má escolha de nome, pois muitas vezes não era a seda o produto mais importante transportado: a porcelana e o chá poderiam ter tomado a denominação. Os caminhos terrestres dividiam-se em dois percursos: os caminhos do Oeste, por desertos, estepes e montanhas; e os do Sudoeste, por montanhas e rios. Mas existiu também a Rota Marítima da Seda, pelos mares e oceanos que, pela segurança da navegação, após apreendido o mar e apesar dos piratas, foi sempre um caminho aberto ao longo dos séculos, ganhando acrescida importância quando os caminhos terrestres se fechavam.
Só nos princípios do século XX apareceu a primeira tese sobre as viagens de Zheng He, escrita por Liang Qichao, abrindo assim à memória um capítulo da História chinesa esquecida por mais de quatro séculos. Em trabalho de campo foram descobertas populações ligadas de alguma maneira ao Almirante Zheng He, como os seus familiares de Yunnan, os guardiões do seu túmulo numa aldeia do clã Zheng, próximo de Nanjing, ou os habitantes de uma ilha no Quénia que acreditam ser descendentes dos marinheiros chineses. Outros registos históricos ganharam luz, como as estelas espalhadas tanto na China, como em Malaca, na actual Malásia, em Galle, no Sri Lanka, e em Calicute, na Índia, tal como os azulejos da sinagoga de Cochim, ou os restos de cerâmica chinesa, datada daquele período, encontrada pela costa oriental de África. Eram estes, até 2003, os documentos à disposição dos investigadores, a permitir ter a esperança de um dia conseguir-se reconstituir estas viagens com mais precisão.
Razões para as viagens marítimas
Em 1368, Zhu Yuanzhang destronou a dinastia mongol Yuan, voltando a colocar o povo han no poder. Com a capital em Nanjing, tomou o nome de imperador Hongwu e fundou a dinastia Ming (1368-1644). A sua primeira medida foi proibir as viagens marítimas e isolar o país do exterior, tornando por isso os caminhos terrestres da seda inoperantes, de forma a proteger-se das invasões mongóis, então muito fortes pois na China ainda dominavam nos territórios a Norte e a Oeste, bem como a Ásia Central. Para comunicar a sua entronização e a mudança de regime na China, enviou eunucos como emissários imperiais aos países do Sudeste asiático e às costas do Índico. Logo no ano seguinte, em 1369, começaram a chegar embaixadas desses países, como as da Coreia, do Japão, de Champa e do Vietname e dois anos depois, as do Camboja e Sião, seguindo-se as embaixadas de Coromandel (na costa indiana do Mar de Bengala) e da península da Malásia.
Em 1381, o Imperador Hongwu enviou o seu exército a Yunnan, (uma província com muitos muçulmanos), para aí terminar com a resistência mongol. Três anos após a dinastia Yuan ter perdido o poder, em 1371, nascera o muçulmano Ma He (mais tarde Zheng He ou Cheng Ho, em cantonense) numa aldeia de Kunyang (actual Jinning), 30 km a Sul de Kunming, actual capital de Yunnan. A batalha deu-se junto ao rio Baishi, próximo de Qujing, ocorrendo depois uma caça aos mongóis que se dispersaram pela província.
Ma He, com 12 anos, foi uma das crianças muçulmanas castradas para servir como eunuco na corte imperial. Ficou ao serviço do então príncipe de Yan, Zhu Di, nascido em 1360 e quarto filho do Imperador Hongwu. Fora nomeado aos dez anos príncipe de Yan e em 1380 partira de Nanjing para governar Beiping, quando as fronteiras do Norte se encontravam ameaçadas por constantes investidas dos mongóis. Devido à necessidade de ter uma enorme força bélica, Zhu Di conseguiu reunir um grande exército, algo que o pai tentara que não existisse ao dispor de nenhum dos filhos. Mas, após dez anos de duros combates, em 1390, o príncipe de Yan derrotou as forças mongóis.
O curto de reinado de Jianwen
Em 1398 morreu o Imperador Hongwu, que apontara para lhe suceder o neto Zhu Yunwen, pois em 1392 falecera o seu filho primogénito, o príncipe herdeiro Zhu Biao. Yunwen, sobrinho de Zhu Di, ao chegar ao trono como imperador Jianwen (1398-1402), consciente da sua frágil posição perante os tios, resolveu tirar-lhes a maior parte das tropas, para os enfraquecer.
Contudo, o príncipe de Yan opôs-se, com o argumento das constantes ameaças dos mongóis vindos das estepes do Norte, e assim continuou muito poderoso. Então, o novo imperador, com medo da força militar do tio e também por conselho dos seus ministros, enviou em 1399 um grande número de tropas para prender o general Zhu Di e família. As tropas do imperador cercaram Beiping (o nome de então da actual Beijing), mas Zhu Di não se encontrava por lá. Quando Zhu Di regressou a Beiping, o eunuco Ma He aconselhou-o com planos estratégicos para a batalha de Zhengcunba, que pôs frente a frente o exército do imperador e o do príncipe de Yan. Nessa batalha, onde Ma He combateu com grande bravura, metade do exército imperial morreu e a outra metade rendeu-se. Depois, com o pretexto de combater os perversos da corte que viviam em redor do Imperador, Zhu Di marchou em 1402 com o seu exército para Nanjing e tomou pela força a capital ao imperador Jianwen.
Terminavam assim quatro anos de guerra (de Jinnan), que deixou o país muito depauperado, usurpando Zhu Di o trono ao seu sobrinho que, por linha directa, tinha o direito de reinar. Ma He, que lhe prestara grande apoio nessa revolta, devido às suas qualidades e inteligência, tornara-se seu amigo.
Yongle sobe ao trono
Em 1402, Zhu Di tornou-se o Imperador Yongle (1402-24) e promoveu Ma He a chefe dos eunucos, entregando-lhe a gestão dos assuntos gerais do palácio imperial. Em Maio de 1403, o Imperador deu ordens para os estaleiros de Fujian começarem a construir 137 embarcações, de guerra, de mercadorias e de suporte. Três meses mais tarde, encomendou a muitas das províncias costeiras mais 200 embarcações e em Outubro ordenou-lhes libertarem 188 barcos de transporte e colocá-los à disposição da armada que pretendia criar.
Com os milhões de árvores plantadas em 1391 na região ao redor de Nanjing foram construídos nas docas dos estaleiros do Tesouro de Longjiang, localizados fora da muralha da capital e ligados ao Changjiang (rio Yangtzé), os baochuan, juncos com um tamanho descomunal, chegando a medir mais de 120 metros de comprimento e 50 de largura.
Os chineses, navegadores há milhares de anos, tinham já há muitos séculos inventado o leme de popa, o sistema de içar e baixar o leme, a divisão do casco do barco em compartimentos estanques e a bússola marítima, o que permitia aos seus juncos navegar em mar aberto e chegar a longínquos países e regiões, nas costas do Oceano Índico até à África Oriental. Agora, o propósito era desenvolver a influência da dinastia Ming e estreitar relações diplomáticas, políticas e económicas, pretendendo demonstrar o poder e prestígio da civilização chinesa, esperando com preciosas prendas, voltar a ter como vassalos os anteriores países e regiões, desligados na dinastia Yuan, e fazer novos aliados.
Mas para as iniciais viagens houve outras razões. Primeiro, procurar o fugitivo imperador Jianwen, a quem Zhu Di, seu tio, havia tomado o título pela força. A segunda era legitimar-se como imperador e anunciar a sua entronização às colónias da diáspora chinesa e aos reinos vassalos, que nalguns casos era preciso voltar a cativar, bem como combater os piratas que abundavam nos mares do Sudeste Asiático.
A outra razão prendia-se com o facto da lucrativa rota terrestre da seda ter ficado fechada desde o fim da dinastia Yuan. Eram os mongóis quem ainda controlava os territórios para Oeste da China e por isso só havia um caminho: o mar. Assim, com o propósito de procurar Jianwen que, segundo fontes, fugira para um país do Sudeste Asiático, o imperador Yongle, em 1404, mudou o nome de Ma He para Zheng He e designou-o para liderar uma expedição com o objectivo de capturar o sobrinho —. mais tarde veio-se a saber encontrar-se Jianwen escondido no país, disfarçado de monge. A empresa seria custeada por uma carga de seda, porcelana, lacas e outras mercadorias e era pedido para trazer âmbar-cinzento, especiarias, pedras preciosas, marfim, carapaças de tartaruga, incenso, plantas medicinais, pérolas, madeiras raras, animais exóticos e muitos outros produtos, o tesouro que dava o nome à armada.
Assim se preparou a armada comandada pelo Almirante Zheng He, que viria a fazer sete expedições entre 1405 e 1433.
A primeira expedição
Com a queda da dinastia Song do Sul (1127-1279) e a ocupação da China pela dinastia Yuan (1271-1368), os mongóis estabeleceram um grande império a atravessar o continente asiático até ao Médio Oriente, dominando a Ásia Central e parte da Índia. Devido à Pax Mongolorum ficavam assim desimpedidos os caminhos comerciais terrestres e, como eram um povo das estepes, sem ligação ao mar, apesar de ensaiarem uma expansão marítima, com tentativas frustradas de conquistar o Japão em 1274 e 1281, entregaram a administração dos seus portos com os respectivos juncos a oficiais estrangeiros, sobretudo mercadores árabes a viverem na China há já algumas gerações.
Quando a dinastia Ming chegou ao trono em 1368, os juncos foram proibidos de se fazer ao mar e sair do país e passaram até 1398 a navegar apenas no Grande Canal e por os rios da China. Os caminhos terrestres para Ocidente continuaram controlados pelos mongóis, sendo as costas do Sudeste Asiático percorridas por barcos de mercadores indianos do Gujerate, sobretudo do porto de Cambaia, alguns da península Arábica, de Java, dos arquipélagos da Malásia e das Filipinas, existindo uns quantos mercadores chineses desrespeitadores das leis do país, logo piratas, a manter contactos com as comunidades ultramarinas.
Em 1403, uma armada chinesa comandada pelo Almirante Yin Ching aportava em Malaca, encontrando aí barcos de comerciantes do Índico a fazer negócio. Com uma posição geográfica privilegiada, Malaca começava a dar os primeiros passos para se afirmar como um novo território. O então hindu príncipe Parameswara em 1390 fora coroado Maharaja de Palembang, mas tentando tornar o reino independente logo uma expedição de Java o atacou, obrigando-o a fugir de barco para a península da Malásia, onde havia duas forças em conflito, o Sião e Majapahit. Parameswara pouco depois de chegar à península matou o governante siamês em Tanma-hsi e colocou-se como Rei. Após um ataque dos Tai, em 1398 partia para Malaca, então ainda uma aldeia piscatória onde se estabeleceu. Aí tentava formar um reino, mas devido à sua inexperiência, era constantemente substituído pelos vizinhos Thai, do reino do Sião. Este o cenário encontrado pelo Almirante Yin Ching em 1403 e, por isso, dois anos depois, Zheng He na sua primeira viagem em vez de ir a Malaca seguiu para o reino do Sião.
Partida do porto de Liujia
A partida ocorreu no dia 15 da sexta lua de Yiyou (乙酉) [11 de Julho de 1405], terceiro ano do reinado do Imperador Yongle. A Noroeste da cidade de Nanjing, pelas águas do rio Jia saíram dos estaleiros de Longjiang muitos dos juncos que, seguindo pelo Yangtzé, navegaram até ao porto de Liujia em Taicang, prefeitura de Suzhou na província de Jiangsu, para se reunirem aos muitos barcos ancorados que aí os esperavam. Na cidade de Taicang (太仓) existia a povoação Liuhe (浏河) onde, no Palácio de Tian Fei, um dos quatro maiores templos a Mazu na dinastia Yuan, Zheng He foi pedir à deusa protecção para a viagem, como era tradição dos mareantes.
Em Taicang foram recrutados um grande número de experientes marinheiros, pois durante a dinastia Yuan fora um dos principais portos da China de onde era o arroz transportado por via marítima para chegar à capital Dadu (Beijing). No porto de Liujia, na povoação Liuhe, nos baochuan foram embarcadas mais de um milhão de toneladas de mercadorias, preciosos e delicados produtos como tecidos de seda, porcelana, chá e moedas de cobre, para trocas e prendas aos soberanos dos reinos a visitar.
No porto de Liujia (刘家港), parte da armada aguardava no estuário do rio Yangtzé, onde não faltavam já dezenas de juncos, com sete mastros e 28 zhang de comprimento e doze de largura, uns preparados com cisternas para água potável, outros para o transporte de mantimentos, animais vivos para consumo durante a viagem e a servirem de hortas para produzir vegetais, como soja, excelente em vitaminas e contra o escorbuto.
A partida ocorreu no dia 15 da sexta lua do terceiro ano do reinado do Imperador Yongle (11 de Julho de 1405). O almirante-chefe da armada Zheng He ia instalado no maior dos baochuan e ao seu redor barcos mais pequenos de 24 e 18 zhang com seis e cinco mastros para transporte de tropas e de combate, com uma grande mobilidade, usando ainda uma arma do tempo da dinastia Sui, a “lança explosiva”. Seguiram até Wuhumen, em Fujian, onde foram feitos os últimos preparativos e se juntaram à armada muitos juncos provenientes de vários portos chineses de Zheijiang, Fujian e Guangdong.
Reunida toda a frota em Humen, província de Guangdong, em Dezembro de 1405, a armada avançou ao longo da costa pelo Mar do Sul da China, tendo o Almirante Zheng He a coadjuvá-lo como vice-comandante Wang Jinghong, entre outros Grandes Eunucos. A tripulação totalizava 27.800 homens distribuídos por 62 grandes e médios juncos, os barcos do Tesouro e 255 embarcações mais pequenas, seguindo muitos oficiais, astrónomos, intérpretes, geomantes, milhares de marinheiros e soldados, assim como cronistas, médicos, comerciantes e outro pessoal.
Portos visitados
Pelo Mar do Sul da China atingiram, na última semana do ano de 1405, a cidade de Qui Nhon, no reino de Champa (hoje parte da costa do Vietname), e avançando para Sudoeste chegaram devido ao bom vento três dias depois a Zhenla (Reino de Chenla, actual Camboja, assim designado após a queda do Reino de Funan, tendo sido este nome usado no século XIII pelo enviado chinês Zhou Daguan no seu livro sobre o Camboja – usos e costumes: outros autores referem o nome de Chenla apenas para designar o Estado Khmer do final do séc VI ao IX), para retribuir a visita diplomática da embaixada daí enviada durante o reinado do Imperador Hongwu.
A frota seguiu para Surabaya, em Java, onde intervêm num problema de sucessão ao trono, mas foram apanhados no meio do conflito local. Mais de cem dos seus homens morreram e quando todos pediam ao Almirante Zheng He para serem tomadas medidas militares, este declinou e preferiu aceitar as desculpas dos nativos. Partiram para Palembang, na ilha de Sumatra, mas a caminho do Sião (Xianlo, Tailândia) a armada foi apanhada por uma terrível tempestade. Nesse momento de aflição apareceu a Zheng He a protectora deusa Tian Fei que evitou uma tragédia.
Após o Sião, atravessando o estreito de Malaca, foram pelo Sul das ilhas de Nicobar até ao Sri Lanka, onde a Sudoeste aportaram em Beruwala. Depois seguiram para Cochim (Kezhi) e chegaram a Calicute (Guli), um dos importantes portos do Oceano Índico de especiarias e têxteis, onde foi deixada uma estela e uma embaixada embarcou para visitar a China. Entre Dezembro e Abril de 1407, a armada esteve em Calicute.
Ainda no mesmo ano, a armada no regresso passou por Malaca e encontrou-se com uma frota de navios piratas, que controlava a navegação no mar do Sudeste da Ásia e aterrorizava a população de Palembang, em Sumatra, onde existia uma grande comunidade da diáspora chinesa. Após derrotá-los no Estreito de Malaca, trouxe o chefe cantonense Chen Zhuyi e os sobreviventes do bando para serem executados em Nanjing, granjeando-lhe assim uma imensa simpatia e o estreitamento das relações com os países e reinos da região, por deixar esse mar livre de pirataria. Em Palembang, deixou no governo Shi Jinqing. Já o seu cunhado Qiu Yancheng embarcou como embaixador para pagar tributo à China. Regressaria a Kukang na segunda expedição.Também Rei de Quilon viajou para a China na armada em 1407. Para além destes estrangeiros vinham ainda com a armada enviados de Calicute, Quilon, Semudera, Aru, Malaca e outros de regiões não especificadas, sendo recebidos pelo Imperador Yongle, que ordenou ao Ministro dos Ritos preparar o protocolo para receber esses embaixadores estrangeiros, aceitar os tributos que traziam e dar as prendas para entregarem aos seus Reis.
A primeira expedição marítima de Zheng He chegou a Nanjing no segundo dia do nono mês lunar de Jichou (己丑), 2 de Outubro de 1407, quinto ano do reinado do Imperador Yongle.
A segunda expedição
Zheng He esteve em Nanjing onze dias até embarcar para a segunda expedição. O Imperador, após escutá-lo sobre a divina intervenção de Mazu durante a violenta tempestade em frente ao Sião, para agradecer à deusa ter protegido a armada durante a viagem e tê-la trazido segura no regresso, mandou erguer um Palácio a Mazu na área de Xiaguan, fora da muralha junto da Porta Yifeng na Colina do Leão (Lu Long shan). De referir que Mazu devido à sua extrema bondade em 1123 tornara-se uma divindade, mas só em 1409 recebeu o título de Tian Fei (Celeste Concubina Imperial).
A segunda viagem marítima de Zheng He iniciou-se no dia 13 da nona lua de 1407, segundo os Registos Históricos da dinastia Ming (Ming Shi, 明史), compilados na dinastia Qing, mas o Ming Shilu (明实录) escrito ainda no período Ming, refere ter o comandante Wang Hao (汪浩) ordenado no dia cinco da nona lua a reunião de 249 embarcações para estarem preparadas a partir em missão aos países do Oeste. O destino final era o mesmo da anterior expedição: Calicute (Guli), famoso porto e centro mercantil indiano, muito visitado pelos árabes.
A armada partiu do estuário do rio Yangtzé, no porto de Liujia em Taicang, e dirigiu-se para Changle (a Leste de Fuzhou, capital da província de Fujian), onde Zheng He visitou o templo em honra de Mazu, encomendando à deusa a segurança da viagem. Com os barcos estacionados no ancoradouro de Xiagang (só em 1409 baptizado Taipinggang), porto seguro situado no interior do rio Min na parte Oeste de Changle, Zheng He esperando as condições favoráveis da monção de Nordeste, aproveitou para recrutar marinheiros e fazer reparações em algumas embarcações. Apesar de não ficar registado, o número de tripulantes seria aproximadamente o mesmo da primeira viagem. Com a chegada do vento propício, seguiu até à foz do Minjiang e após a Passagem dos Cinco Tigres, Wuhumen, iniciou a navegação no Mar do Sul da China. Há quem refira, antes de Zheng He partir com o grosso da armada já um esquadrão rumara para o reino de Champa.
Três esquadras
O primeiro destino visitado fora da China era sempre Vijaya (hoje vila Cha Ban a poucos quilómetros da actual cidade de Qui Nhon), capital entre 978 e 1485 do reino hinduísta de Champa (Zhancheng, na costa central do Vietname), cujo povo malaio-polinésio desde 192 passara a ser governado por uma aristocracia proveniente de Bengala, que substituiu os chineses quando a dinastia Han entrou em colapso. O reino Champa, estado confederado existente desde o século II e que duraria até ao século XVII, estava integrado nas rotas entre a Índia e a China, sendo por isso local de passagem para os barcos a navegar no Mar da China Meridional.
Em Vijaya (Qui Nhon) a armada dividiu-se em três esquadrões. A partir daqui, com a pontual informação registada, pois apenas alguns factos são conhecidos, compusemos a narrativa que se segue, tentando fazer uma coerente ligação.
Uma frota foi a Palembang para deixar a embaixada que na primeira expedição embarcara para a China e em Surabaya (Java) tratou com o rei de Java do Oeste o envio de uma delegação ao governo Ming, que partiu a 23 da décima lua de 1407, para admitir a culpa da morte de 170 chineses ocorrida durante a viagem anterior, quando estes foram apanhados no meio do conflito local de sucessão do trono com o rival de Java do Leste.
A outra parte da frota, após visitar Malaca, seguiu por Samudra (Aché, na ponta setentrional de Sumatra), onde o grosso da armada se reuniria, e depois foi ao Ceilão (Xilan, hoje Sri Lanka), a Kollam (Gelan ou Xiaogulan para os chineses e actual Coulão ou Quilon) visitado já desde o século IX por muitos juncos chineses e no século XIII um dos quatro mais importantes portos a nível mundial onde existia um florescente bairro chinês, a Cochim (Kezhi) e a Calicute. Como Zheng He na segunda viagem não foi ao Ceilão, este esquadrão não era por si capitaneado.
A frota comandada por Wang Jinghong seguiu para o Bornéu e terá sido um dos juncos do Tesouro (baochuan) a transportar o rei de Boni à China. As relações entre a China e Boni (o então nome do actual Brunei Darussalam), situado a Norte da Ilha do Bornéu (Kalimantan), provinham já do período da dinastia Han do Oeste (206 a.n.E), quando se designava Poli e desde então eram frequentes as embaixadas, assim como o envio de presentes. Durante a dinastia Ming, entre 1370 a 1530, houve treze trocas de enviados entre a China e Boni, que ainda nessa época mudou o nome para Brunei.
No período do Imperador Yongle (1403-1424) os contactos foram mais frequentes, seguindo para o Celeste Império em 1405 Aliebocheng e outros emissários no ano seguinte. Daí não ser estranho a visita de amizade e cortesia à China em Agosto de 1408 do próprio rei de Boni, Maharaja Karna, acompanhado por 150 familiares na comitiva para prestar homenagem ao Imperador. Yongle recebeu-o e ofereceu-lhe muitas prendas mas, passado um mês, o rei com 28 anos adoeceu e sentindo a morte, pediu para ser aí a sua última morada. Apesar de ter os cuidados dos médicos da corte, faleceu sendo sepultado na Colina Shizi, localizada no distrito de Yuhuatai, arredores de Nanjing, onde se encontra o seu mausoléu. Após a visita a Boni, o comandante Wang Jinghong seguiu para o Norte da ilha de Sumatra onde em Samudra se reuniu à armada.
A esquadra do almirante
A esquadra comandada por Zheng He, passando por Temasek (Singapura), dirigiu-se para Malaca (Manlajia) onde ajudou Parameswara a tornar o seu reino independente do Sião e assistiu à cerimónia da sua coroação como rei de Malaca. Em 1407, aí criou um entreposto chinês, tornando a cidade o mais poderoso centro comercial e político do Sudeste Asiático, substituindo Majapahit, então um dos grandes impérios da região com base na ilha de Java e que no século XIV tinha tributária uma centena de regiões, desde a Sul do Reino do Sião até à actual Indonésia, Nova Guiné e Filipinas.
Como a finalidade da viagem era Calicute, antes de entrar no Oceano Índico, o esquadrão comandado por Zheng He foi reunir-se com a restante armada ao Norte da ilha de Sumatra, em Samudra. Aí criou uma base regional para o comércio das especiarias. Depois, sem parar no Ceilão, com 68 juncos foi a Calicute (Guli), hoje Kozhikode, para a sagração do novo samorim Mana Vikraan e com ele seguiu Ma Huan, que refere ter a cidade um grande número de mesquitas e ser visitada por mercadores de todo o mundo.
Na viagem de regresso foi em 1408 ao reino budista do Sião (Tailândia), onde subindo pelo Rio Meinan chegou à capital Ayuttaya, conhecida pelos chineses como Dacheng (Cidade Grande), para tratar da guerra entre o reino do Sião e Java e avisar estar o reino de Malaca sob protecção do imperador da China. Em 1409, Zheng He voltou a passar por Malaca, onde trocou algumas das suas mercadorias por aloé e ébano e abriu uma feitoria, para armazenar os alimentos e outras mercadorias, estacionando aí tropas para conterem os ataques do reino do Sião. Embarcou o hindu Rei Parameswara para visitar a China. No final do Verão de 1409 chegava a armada a Nanjing, terminado assim a segunda expedição marítima.
A Terceira expedição
A Noroeste de Nanjing, na área exterior da muralha junto à Porta Yifeng, em Xiaguan, por ordem do Imperador Yongle (1402-1424) a pedido de Zheng He, estava a ser construído, desde 1407, o Templo em honra de Mazu. Agora, no primeiro mês do sétimo ano do reinado de Yongle, em 1409, realizava-se a cerimónia da abertura do Longjiang Tian Fei Gong presidida pelo próprio imperador, que, além de conferir à divindade Mazu o título de Tian Fei (Concubina Imperial Celeste), deu a ordem para se realizar a terceira viagem marítima, endereçando-a a Zheng He, Wang Jinghong e Hou Xian. No entanto, andava Zheng He ainda por Malaca, pois só no final do Verão desse ano de 1409 regressaria a Nanjing, terminando assim a sua segunda expedição marítima.
Segundo o livro “Xin Cha ShengLang” (Levantamento dos Países Estrangeiros): “No 22.º dia da nona Lua do sétimo ano do reinado do Imperador Yongle (1409) o imperador ordenou que Zheng He e Wang Jinghong partissem em missão aos territórios bárbaros com uma armada de 48 juncos e uma tripulação de 27 mil homens.” A terceira viagem seria similar à segunda, visitando mais ou menos os mesmos locais.
Do estuário do Rio Yangtzé, partindo do porto de Liujia (刘家港), em Taicang, a armada chegou na décima Lua a Changle, próximo de Fuzhou, onde Zheng He ainda nesse mês visitou o Templo de Tian Fei, tendo no 12.º mês saído de Changle e por Wuhumen entrando para o Mar do Sul da China. A viagem até Champa durou dez dias e em Vijaya (Qui Nhon) a armada dividiu-se, partindo uma frota para o Sião, outra para Palembang e Surabaya e a armada principal para Malaca.
Wang e Hou seguiram para o Sião, Semudera, Coulão e Cochim, enquanto a armada principal comandada por Zheng He foi a Malaca deixar o Rei Parameswara, que, em 1409, partira na segunda viagem para visitar a China. Mas outras fontes referem ter o rei de Malaca embarcado apenas na terceira viagem para pagar tributo ao imperador chinês, pois quando, em 1410, Zheng He chegou ao reino de Malaca aí instalou o Rei Parameswara no trono, presenteando-o com um robe, um chapéu, um cinto de oficial e um carimbo de prata.
O almirante dirigiu-se depois para Calicute e no caminho ter-se-á reunido aos restantes juncos na ponta setentrional da ilha de Sumatra, em Samudra (actual Aché). Daí, acompanhado pela frota capitaneada por Wang Jinghong e Hou Xian, Zheng He na passagem por o Ceilão (Xilanshan, hoje Sri Lanka), em Galle, colocou em 1410 uma estela feita em Nanjing, a 15 da segunda Lua de 1409, que referia ser este porto vassalo do Império Ming. Estava escrita em três idiomas diferentes e cada um dos textos endereçava homenagem e orações respectivamente a Buda, no texto chinês, a Xiva no tamil e a Alá no texto árabe. Em chinês podia-se ler: “O Grande Eunuco do Império Ming Zheng He e Wang Jinghong oraram a Buda com o seguinte desejo: Nós pedimos ao benevolente Buda que dê a sua bênção a quem vier ao Templo pedir a bênção. O Imperador Ming enviou-nos a visitar os países do Oceano do Oeste. A nossa viagem foi segura e pacífica. Nós nos lembraremos da benevolência de Buda e da sua protecção para sempre. O donativo que presenteamos ao templo inclui fundos para a construção em mil qian de ouro [3,78 kg], cinco mil qian de prata, 50 rolos de seda e tafetá, quatro pares de bandeiras bordadas a ouro (duas vermelhas, uma amarela e uma verde), cinco incensórios de bronze, cinco incensórios vermelhos, cinco pares de flores de lótus em ouro, 2500 cates de óleo, dez pares de velas e dez pares de incenso de sândalo.” No final pedia-se a bênção e protecção para as viagens, seguindo a data, sétimo ano do reinado de Yongle (1409). Esta estela foi levada por um engenheiro britânico em 1911.
Viagem de regresso
De Galle a armada, entrando no Mar Arábico, percorreu a costa do Malabar (hoje Kerala) na parte Sul do lado Ocidental da Índia, onde se situava Coulão, ou Quilon (Xiaogelan para os chineses), seguindo depois Cochim (Kezhi) e por fim Calicute, hoje Kozhikode. Zheng He apenas aportou em Calicute (Guli) para a sagração do novo Samorim Mana Vikraan, sendo a cidade o maior centro de comércio do Malabar e para além das especiarias era famosa por os panos de calico, ou chita. Para o Golfo de Cambaia, a Noroeste da Índia (actual Gunjerate), terá seguido talvez a frota capitaneada por Wang Jinghong e Hou Xian, pois a cidade de Cambaia era na altura um importante centro de comércio, que privilegiava os tecidos de algodão (chader cambaiate) em vez das especiarias, mais enraizadas na Costa do Malabar.
No regresso de Calicute, Zheng He ao passar na costa Noroeste da ilha do Ceilão escutou muitas queixas dos reinos vizinhos, então tributários dos chineses, sobre os problemas criados e os actos hostis de pirataria levados a cabo por o autoritário Vira Alakesvara. Este, também conhecido por Vijayabahu VI, entre 1397 e 1408 fora rei de Gampola e, já em 1406, criara problemas a Zheng He, na primeira viagem da quando passara pelo Ceilão, resolvendo o almirante deixar a ilha e seguir para o destino final, Calicute. Em 1408, Vira Alakesvara perdeu a soberania do reino de Gampura (1341-1410), afastado por Parakramabahu VI (1408-1410), que foi o último rei desse reino, e então dirigiu-se para Kotte, no Sudoeste do Ceilão, onde se instalou e na zona estendeu a sua governação. Aí, no reinado de Vikramabahu III (1357-1374), ainda como ministro (1370-1385) do reino de Gampola tinha feito uma fortaleza e fundara a cidade de Kotte.
Agora, em 1411, nesta terceira viagem, voltaram os problemas com Vira Alakesvara. Após a armada chinesa aportar em Colombo, Zheng He quis falar com Vira Alakesvara (rei Alakeshivara) para o colocar na ordem, mas como ele se encontrava em Kotte (Sri Jayawardenepura Kotte), mandou um convite para o almirante ir até à sua capital. Zheng He dirigiu-se a Kotte por terra com um séquito de 2000 soldados. O plano de Vira Alakesvara era, enquanto Zheng He estivesse fora, cortar-lhe o caminho e separá-lo dos seus homens que ficaram nos barcos da armada, lançando um ataque-surpresa para os cingaleses pilharem os juncos em Colombo. Ao saber o que estava a acontecer, Zheng He com a sua tropa e um contingente de dois mil cingaleses, descontentes com o rei descendente tamil, invadiu e conquistou a capital Kotte.
As tropas do Vira (Rei), à volta de 50 mil, cercaram a capital, mas as inúmeras tentativas falharam, não conseguindo reconquistá-la, pois perderam todas as batalhas. Os chineses capturaram Vira Alakesvara e destronaram-no, colocando Parakramabahu VI, então rei de Gampola entre 1409 a 1412, a governar Kotte, que desde então ficou a capital do reino de Kotte (1412-1597). O ambiente hostil acalmou e a armada não teve mais problemas durante a estadia na ilha. Quando deixou o Ceilão, Zheng He levou preso para a China Vira Alakesvara, com toda a família e muitos oficiais cingaleses.
Voltando a Malaca (Manlajia), Zheng He opôs-se à pretensão do reino de Java no controlo do reino de Malaca e terá então embarcado o Rei Parameswara (Bai-li-mi-su-la), esposa, a princesa de Pasai (actual Aceh, a Norte de Sumatra) e filho, com um séquito de 540 pessoas para ir à China prestar tributo ao Imperador.
A armada chegou a Nanjing no dia 16 da sexta lua no nono ano do reinado de Yongle (1411). Alakeshvara foi levado à presença do Imperador, que ordenou a sua libertação e retornou no ano seguinte ao Ceilão, tal como o Rei Parameswara, que passou dois meses na capital chinesa.
A Quarta expedição
Malaca, fundada em 1400 pelo príncipe hindu Parameswara, quando o moribundo império de Majapahit (Java) e o Reino do Sião reclamavam suserania sobre a Península Malaia, era ainda uma aldeia de pescadores na altura da visita do eunuco Yin Qing nos princípios de 1404. Parameswara, que procurava desenvolvê-la como centro comercial, devido à posição privilegiada no Estreito de Malaca, logo aproveitou a oportunidade para pedir o reconhecimento da sua independência e colocar-se sobre a protecção do imperador Ming. Malaca pagava então um anual tributo de 40 taéis de ouro ao vizinho reino do Sião para ser protegida e estar a salvo dos ataques de siameses e javaneses.
Yin Qing, que partira da China na décima lua do primeiro ano do reinado do Imperador Yongle, (1403, ano Guiwei, 癸未) com a missão de ir à Índia, já visitara Java e Palembang quando chegou a Malaca, onde anunciou o reinado do novo imperador e daí partiu para Calicute (Guli) e Cochim (Kezhi). No regresso fez uma nova paragem em Palembang, na ilha de Sumatra, onde embarcou um representante do rei, assim como de Malaca levou uma delegação para ir à corte Ming pagar tributo e ficar sobre protecção da China.
A segunda viagem de Yin Qing, iniciada na 9.ª lua do terceiro ano do reinado de Yongle (ano Yiyou 乙酉, 1405), trouxe de regresso os embaixadores de Palembang e de Malaca, onde foi deixada uma estela. Assim, Zheng He na sua primeira viagem marítima em vez de ir a Malaca seguiu para o reino do Sião (XianLo, Tailândia) a fim de tratar da segurança do novo protectorado e avisar o rei do Sião sobre o facto de Malaca estar sob protecção chinesa.
Segundo alguns investigadores, Parameswara terá visitado a China quando embarcou com Zheng He durante a terceira viagem marítima no final de 1410 e em Nanjing chegou no 6.º mês do 9.º ano de Yongle [ano Xin Mao (辛卯), 1411], sendo muito bem recebido por o Imperador Yongle. Após dois meses, na 9.ª lua embarcou de novo com Zheng He para o Reino de Malaca. Mas Zheng He só partiria para a quarta viagem marítima nos finais do ano de Gui Si (癸巳), 11.º ano de Yongle (1413) e como os dois meses de estadia de Parameswara na China acertam com o período de chegada da segunda viagem no final do Verão de 1409 e a partida para a terceira viagem no nono mês (9 de Outubro a 6 de Novembro de 1409, ano Jichou, 己丑), daí resulta ser a hipótese mais acertada a da segunda viagem. Estando registado ter sido Zheng He a levar de volta Parameswara para Malaca, tal anula a hipótese de ter sido o eunuco Hong Bao, enviado em 1412 por o Imperador Yongle como embaixador ao Sião, expedição ocorrida entre a terceira e quarta viagem marítima de Zheng He.
Após a terceira viagem, não foi mais a razão que motivara as três primeiras expedições de procurar o deposto imperador fugitivo Jianwen. Desde então estavam as rotas marítimas bem estudadas através da confirmação de anteriores conhecimentos como o determinar geograficamente a latitude através da altitude das estrelas, o reconhecer-se de novo os locais dos baixios e rochedos, o confirmar das correntes e dos ventos sazonais específicos a cada zona daqueles mares. A chegada à China de “inúmeros mercadores estrangeiros com produtos exóticos e de luxo, motivou uma nova dinâmica económica, tanto às viagens imperiais como à população, agora autorizada e estimulada a dedicar-se ao comércio, numa tentativa para resolver a crise financeira”, originada pelos gastos das dispendiosas viagens marítimas, da mudança da capital de Nanjing para Beijing com a construção do Palácio Imperial e a reparação do Grande Canal.
Até à costa de África
Os Registos Históricos da dinastia Ming (Ming Shi, 明史), compilados na dinastia Qing, referem ter o Imperador, no dia 15 do 11.º mês lunar do décimo ano do seu reinado [Ren Chen (壬辰), 18 de Dezembro de 1412], dado ordem a Zheng He para realizar a sua quarta viagem marítima e visitar Malaca, Java, Champa, Sumatra, Aru, Cochim, Calicute, Lambri, Pahang, Kelantan, Kayal, Ormuz, Maldivas, Laquedivas e outros locais. Mas essa viagem só começaria no ano seguinte, no Inverno do 11.º ano de Yongle em 1413.
Antes de Zheng He partir, largara já em Fevereiro de 1413 uma pequena armada comandada por Wang Jinghong e Hou Xian, dois Grandes Eunucos (Tai Jian) subcomandantes das expedições anteriores, que seguiram para o Golfo de Bengala devido ao vassalo sultão Giyassudin Azam ter morrido em 1412. Estando o Sultanato de Bengala sem governante, vinham eles como representantes do imperador Yongle dar aval à sucessão do filho do sultão. Depois, Wang Jinghong foi para Sumatra e daí navegou directamente seis mil quilómetros sem escalas até Mogadíscio, na costa Oriental de África, onde se juntou à armada, sendo acompanhado por Fei Xin, outro dos subcomandantes de Zheng He da primeira viagem. Já o eunuco Hou Xian ficou em Bengala onde um governante de Melinde lhe ofereceu uma girafa. Nesse entretanto, Zheng He foi a Xian, província de Shaanxi, onde na mesquita Yangshi convidou o íman Ha San para ser tradutor, pois o destino final dessa sua viagem era os países da Arábia. Antes de partir, Zheng He pediu ainda ao imperador para mandar construir o Palácio Tian Fei em Changle, Fujian.
A armada de 63 barcos e 28560 homens, capitaneada por Zheng He, partiu do estuário do Rio Yangtzé no Outono do 11.º ano do reinado de Yongle, (ano Gui Si, 癸巳, 1413) e, navegando pela costa de Fujian, chegou a Vijaya (Qui nhon, porto no reino hinduísta de Champa, conhecido em chinês por Zhancheng, na costa central do Vietname), onde se dividiu. Uma frota partiu para Palembang (conhecida pelos chineses por Jiugang, ou Jugang) e, voltando-se a dividir, seguiu uma para Surabaya e outra para Malaca, onde se encontrou com a que tinha partido de Vijaya. O eunuco Ma Huan (1380-1460) esteve em Malaca e reportou ao Imperador Yongle ter-se a cidade convertido em 1413 ao Islão. De Malaca passou a armada por Samudra (Aché, na ponta setentrional de Sumatra) e Ceilão, e contornando as ilhas Maldivas foi a Calicute (Guli). De Angediva (ilha em frente a Goa, Índia) partiu para a península Arábica e para as costas Orientais de África.
Outra frota navegou sempre junto à costa e chegou a Ormuz, na altura o porto principal de comércio na Península Arábica. Depois, dirigiu-se para Hadramout, na costa do Iémen, ancorando em Adem, após ter sobrevivido a uma enorme tempestade, a maior e mais violenta de todas as que foi confrontado. De Adem entraram pelo Mar Vermelho atingindo Jidda e depois um porto egípcio. Daí dirigiram-se a Mogadíscio, onde se encontraram com a frota comandada por Wang Jinghong, e de Brava (Bu-la-wa, na actual Somália), chegaram a Kilwa, partindo para Sofala.
O eunuco Hou Xian, regressado da visita ao [antigo] Tibete (卫藏), fronteira com o Nepal, em 1415, passou por Bengala para agradecer a oferta da girafa, que só foi entregue ao Imperador Yongle a 16 de Novembro de 1416 e como esta se parecia com o mitológico animal chinês qilin, foi considerada um sinal do Céu e a aprovação para a transferência da capital de Nanjing para Beijing.
Na viagem de regresso, Zheng He, ao passar pelo Sultanato Pasai de Samudera, porto muçulmano na costa Norte de Sumatra, encontrou no poder Sekandar, irmão mais novo do sultão Zain Al-Abidin, e estando o reino sobre protecção chinesa, o almirante derrotou o usurpador e as suas forças, terminando com a revolta, levando Sekandar para a China a fim de ser presente ao Imperador. A armada chegou a Nanjing na 7.ª Lua do 13.º ano de Yongle (Yi Wei, 乙未, 12 de Agosto de 1415), trazendo muitos embaixadores dos países visitados.
A Quinta expedição
Quando Zheng He regressou a Nanjing da quarta viagem marítima, trouxe consigo muitos enviados dos países visitados, para além de Sekandar, o usurpador do poder no Sultanato Pasai de Samudera. Mas o Imperador Yongle encontrava-se fora, pois tinha ido ao Norte, à Mongólia, combater pela segunda vez no seu reinado os mongóis e, apesar de ter saído vitorioso, ainda não regressara à capital, chegando apenas a 14 de Novembro de 1416. À sua espera encontrou embaixadores de 18 ou 19 países e reinos, da Ásia — Champa, Pahang, Java, Palembang, Malaca, Samudera, Lambri, Ceilão, ilhas Maldivas, Cochim, Calicute, Shaliwanni (local indeterminado), da Península Arábica (Ormuz, Ash-Shiher na costa de Hadramaut no Iémen, Adem) e de África (Mogadíscio, então no seu apogeu económico e Brava Bu-la-wa, ou Barawa, cidade na costa da Somália com bom porto e muita actividade comercial, antiga capital do Sultanato de Tunni que pertencia então, a par com Mogadíscio, ao império Somali de Ajuran) e Melinde, no Quénia, que na quarta viagem quando a frota chinesa aí passou em 1414, o governante oferecera uma girafa.
Na corte Ming foram recebidos com uma grande cerimónia, realizada a 19 de Novembro de 1416, oferecendo o imperador prendas a cada um. O enviado do Raja de Cochim teve um tratamento especial por ser esse reino tributário desde 1411 da China e o Raja requeria ao Imperador que o nomeasse ministro seu subordinado e o investisse como rei, pedindo o selo oficial como representante de Yongle. O Imperador concedeu-lhe tais desejos e enviou-lhe uma carta onde atribuiu a Cochim o título “Estado protegido da Montanha”.
Também Megat Iskandar Shah (母干撒于的儿沙, Mu-Gan Sa-Yu-De-Er Sha ou Xá Muhammad) aqui viera para comunicar ao imperador ter o seu pai, o rei de Malaca Parameswara (conhecido em chinês por Bai-Li-Mi-Su-La 拜里迷苏剌), falecido em 1414. Nesse mesmo ano de Jia Wu (甲午), 12.º ano do reinado de Yongle, embarcara para a China, segundo refere o Registo Histórico da dinastia Ming, mas Fei Xin (费信) no seu livro Xingcha Shenglan (星槎 胜览) diz ter o Xá ido à China no 13.º ano de Yongle. Quando foi recebido, o Imperador nomeou-o rei de Malaca.
A despedida aos enviados realizou-se na corte Ming, a 28 de Dezembro de 1416, onde receberam de Yongle túnicas de seda. No mesmo dia, Inverno do 14.º ano de Yongle (1416, ano Bing Shen, 丙申), o Imperador ordenou a realização da quinta viagem, instruindo Zheng He a escoltar os enviados dos 18 estados asiáticos e africanos no regresso às suas terras. Tinham vindo à corte Ming apresentar tributos e aqui estavam há quase ano e meio. O Imperador entregou ao Almirante cartas imperiais e prendas para levar aos governantes por onde a viagem iria passar.
Viagem entre 1417 e 1419
No 15.º ano de Yongle (ano Ding You, 丁酉, 1417) saiu do porto de Liujia, em Taicang, a armada capitaneada por Zheng He com a missão de se dirigir ao Oeste. Primeiro passou por Quanzhou, onde o almirante visitou a cidade fundada em 711, no reinado da dinastia Tang.
Fora um notável porto na costa de Fujian, ponto de partida da Rota Marítima da Seda e rapidamente se tornara um dos quatro mais florescentes no comércio com o estrangeiro. Atingira o apogeu na dinastia Song, mantendo-se como principal porto durante a dinastia Yuan e contou com uma grande comunidade muçulmana até perder em dez anos toda a sua influência devido à rebelião muçulmana Ispah (1357-1366). O porto entrou em declínio e na dinastia Ming estava ligado exclusivamente às trocas com as Filipinas.
No 16.º dia do quinto mês do 15.º ano de Yongle (31 de Maio de 1417), Zheng He foi ao Templo da deusa Mazu, em Quanzhou, naquele tempo chamado Tian Fei Gong e hoje com o nome de Tian Hou, no monte Jiuri, e queimando incenso pediu à divindade protecção para lhe conceder uma viagem segura. No monte Ling, no Cemitério Islâmico (ShengMu), encontra-se a estela Xing Xiang “Orar para uma viagem segura de regresso”, mandada erigir por Pu Heri (蒲和日), oficial que viajava na armada e onde está referido ter o imperador enviado Zheng He em missão diplomática a Ormuz e a outros países.
Com a mesma narrativa, outra estela, ligada à quinta viagem marítima e agora desaparecida, encontrava-se na ponte Wuwei (无尾), onde se situava o porto Xunmei (浔美), junto ao monte Longtou, e nela estava referido no 17.º dia do quinto mês o Tai Jian (Grande Eunuco) Zheng He ter aqui permanecido para segurança da armada devido aos ventos fortes. Nos anos 70 do século XX, o local do porto desapareceu devido aos aterros, tal como o bei, que também fora mandado fazer por Pu Heri. Zheng He em Quanzhou embarcou muita porcelana para as trocas e prendas e seguiu viagem.
Em Vijaya (Qui Nhon) a armada dividiu-se, uma frota foi para a ilha de Java e Palembang, em Sumatra, enquanto o grosso da armada seguia para Malaca. Daí passou ao Ceilão onde novamente se separou, indo uma frota directamente para a costa africana, passando ao Sul das ilhas Maldivas e chegando à costa da Somália. Já a armada navegou ao longo da costa indiana, passando pelo importante porto de Cambaia (Khanbayat, actual Guzerate no Noroeste da Índia, cujos mercadores tinham então relações privilegiadas tanto com Adem como com Malaca) e na Península Arábica foi a Ormuz, atingindo Oman. Aí a armada voltou a dividir-se, rumando uma frota para o Mar Vermelho e, ainda na costa Arábica, visitou Las’ã Ash-Shiher, um dos portos mais antigos e importantes do Iémen, ao qual Duarte Barbosa se referiu: “uma vila de mouros que chamam Xaer e pertence ao reino de Fartaque. Lugar em que há grandes quantidades de mercadorias, (…) muito bons cavalos que na terra há, os quais cavalos são muito maiores e melhores que os que vêm de Ormuz. Também na terra nasce muito incenso e há muito trigo, carnes, tâmaras e uvas. É este porto de mui grande escala de muitas naus e nasce aqui tanto incenso que se leva para todo o mundo.” Shiher era a capital de um pequeno sultanato e o principal porto da costa de Hadramaut, a meia distância entre Adem e o cabo Fartaque, (actual Oman).] No Sultanato do Iémen reinava Al-Malik al Nasir, da dinastia Rasulid, e talvez tenha sido Zheng He quem, entre 30 de Dezembro de 1418 e 27 de Janeiro de 1419, esteve em Las’ã (La Sa) para trazer de volta o enviado iemenita Kadi Waqif ad-Abdur Rahman bin Zumeirem. A frota chegou nos últimos dias de Janeiro a Adem, onde o sultão na-Nasir Ahmad (1401-1424), que deu um novo incremento à Dinastia Rasulids (Banu Rasul, 1229-1454), ofereceu luxuosas mercadorias como corais e recebeu dos chineses imensas prendas, caros perfumes, madeiras raras e porcelana.
De Adem foi a Ta’izz [capital do Sultanato do Iémen na dinastia Rasulid] de onde saiu depois de 19 de Março e seguiu para Jedá, na costa do Mar Vermelho, actual Arábia Saudita. De Oman a armada continuou para Mogadíscio, para se juntar à que tinha navegado directamente do Ceilão, passando primeiro pela ilha de Socotorá, à entrada do Mar Vermelho. Em Mogadíscio, nessa altura no apogeu económico e comercial, reinava então a dinastia Ajuran, uma monarquia islâmica cujo imame enviou como embaixador à China Sa’id para estabelecer relações diplomáticas e como tributo levou ouro, incenso e tecidos, bem como um leão, hipopótamos, girafas e gazelas, embora os animais talvez só tenham ido na viagem seguinte. De Mogadíscio chegaram a Mombaça, depois de ir a Melinde levar o embaixador.
A viagem terminou em Nanjing no sétimo mês lunar do ano 17.º de Yongle (ano Ji Hai 己亥, 8 ou 17 de Agosto de 1419) e trouxe dezasseis embaixadas cheias de prendas e um grande número de animais enviados tanto da Ásia como da África, sendo recebidos um mês depois pelo Imperador, mas não em Nanjing pois, desde 1417, que ele aí não voltara. Entre eles estava o sultão de Malaca Megat Iskandar Shah, sua esposa e filho, que voltava pela segunda vez à corte Ming para pessoalmente apresentar tributo a Yongle e queixar-se da invasão de Malaca pelo Reino do Sião.
Esta fora a maior de todas as viagens feitas por Zheng He e, em sinal de gratidão, pelo envio dos seus representantes, os governantes ofereceram como tributos um grande número de animais exóticos. Ormuz deu um leão, um leopardo e rinocerontes, tendo Brava oferecido dromedários e avestruzes, e Adem uma girafa. Vieram também zebras e antílopes, além de outros animais de Java e Calicute como tributo ao Celeste Império.
A Sexta expedição
Na quinta viagem vieram dezasseis embaixadas da Ásia e África, que chegaram a Nanjing no sétimo mês lunar do ano 17.º de Yongle (ano Ji Hai 己亥), 8 ou 17 de Agosto de 1419, sendo levados pelo Grande Canal até Beijing por Zheng He. Sem fazer trasfega, os tributos prosseguiram no segundo maior junco da armada, o barco-cavalo, assim chamado por ser muito rápido devido aos oito mastros e dez velas, que não entrou no rio Yangtzé, mas por mar foi até Tianjin, passando aí a navegar no Grande Canal para percorrer a última etapa até à capital. No oitavo mês lunar os enviados de Mombaça, Melinde, Ormuz (Hulumosi), Zufar (Zufa’er em Omã), Adem, Mogadíscio, Zheila (Ra’s), Brava (Bu-la-wa), Cambaia (Khanbayat), Calicute (Guli), Cochim (Kezhi), Jiayile (Kayal no Sul da Índia), Ganbali (Sudoeste da Índia), Ceilão (Xilanshan), Lambri, Aru (Haru), Semudera e Malaca (Manlajia) foram recebidos pelo imperador em Beijing.
No 18.º ano de governação de Yongle, ano Geng Zi (庚子), em 1420, o imperador mandou o Grande Eunuco Hou Xian (侯显, 1365-c.1438) ao Golfo de Bengala para tentar terminar com o conflito e estabelecer a paz entre o sultanato de Delhi e o reino tributário da China de Bengala (Bang Ge la), assim como levar de volta os enviados do Sudeste Asiático, onde se encontrava o sultão de Malaca Megat Iskandar Shah e família.
Já os embaixadores provenientes dos reinos do Mar Arábico e África de Leste esperaram quase dois anos para serem reenviados aos seus países, pois a ordem imperial para a sexta viagem marítima de Zheng He só foi dada na Primavera do ano 19.º de Yongle (ano Xin Chou, 辛丑, 1421), 3 de Março de 1421, após a inauguração da nova capital. O Grande Almirante foi então despachado com cartas imperiais e prendas para os governantes desses países.
Zheng He navegando pela costa do Sudeste da China chegou ao porto de Vijaya no Zhancheng, de onde enviou uma pequena frota ao Sião com o recado para o rei thai deixar em paz o reino de Malaca, enquanto a armada seguia com destino a Malaca, e daí para a ilha de Sumatra, visitando os reinos de Lambri, Aru e Semudera. Em Semudera a armada foi dividida em quatro esquadrões, sendo o de Zheng He o mais diminuto, enquanto os outros três, um comandado por o Grande Eunuco Hong Bao, o outro por o Grande Eunuco Zhou Man, a liderar a frota com três juncos do tesouro a Adem, onde seguia Li Xing e o terceiro, comandado por um outro Grande Eunuco, Zhou Wen (周文), do qual na China não há já nenhuma referência, terá ido a Cambaia (Khanbayat). Todos estavam incumbidos de transportar os embaixadores de volta às suas terras.
No Ceilão os esquadrões separaram-se, seguindo Zheng He para o Sul da Índia, Jiayile, Cochim, Ganbali e Calicute. Hong Bao viajou por Liushan (ilhas Laquedivas e Maldivas, esta governada por um sultão somali da dinastia Hilaalee conectado a Mogadíscio) para chegar ao Golfo Pérsico e deixar em Ormuz o enviado, dirigindo-se depois a Mogadíscio, onde se encontrou com o esquadrão de Zhou Man que vinha de Jedá, seguindo depois para Brava, Melinde e Mombaça, na costa Oriental de África.
O Grande Eunuco Zhou Man, que liderou o esquadrão com três juncos do tesouro, foi à Arábia, passando por Dhofar (Zufa’er) em Omã e pela costa de Hadramaut no actual Iémen foi a LaSa, dirigindo-se depois ao porto de Adem, onde ofereceu ao Rei vestes e barrete de Oficial chinês. Tal visita ficou registada no livro Yingya Shenglan (瀛涯胜览) (Visão em Triunfo no Ilimitado Mar), escrito por Ma Huan (1380-1460). Daí foi a Jedá e no regresso passou por Socotra, por Zheila (Saylac), já na costa Somali, seguindo até Mogadíscio, onde se encontrou com o esquadrão comandado por Hong Bao.
No regresso, atravessando o Oceano Índico, vários esquadrões agruparam-se em Calicute e a armada reuniu-se toda em Semudera, visitando depois o Sião e em Palembang (Jiugang) Zheng He decretou que Shi Erjie, segunda filha de Shi Jinjin e neta de Jinqing, sucedesse na posição de administrador de Jiugang a representar o imperador Ming.
Esta foi a mais curta de todas as viagens marítimas de Zheng He, tendo feito o mesmo percurso da quinta viagem. A armada chegou a Nanjing no oitavo mês lunar do ano 20.º de Yongle (ano Ren Yin 壬寅, 1422), 3 de Setembro de 1422, trazendo enviados do Sião, Semudera, Adem e outros países que mandaram produtos locais como tributo. Os enviados estrangeiros foram por terra ou pelo Grande Canal até à corte de Beijing em 1423.
A sétima expedição
A última viagem marítima do Grande Eunuco Zheng He (郑和) foi patrocinada pelo Imperador Xuande (宣德, 1426-1435), com o desejo de revigorar as relações tributárias promovidas no reinado de Yongle, seu avô. A partir da morte deste, não se realizara mais nenhuma viagem devido ao seu pai, o Imperador Hongxi, por conselho dos Altos Oficiais Civis, ordenar o fim das ruinosas expedições, a servirem apenas para engrandecer o poder aos eunucos.
No quinto ano do seu reinado, o Imperador Xuande requereu, no dia 5 do quinto mês lunar de Geng Xu (庚戌) (25 de Maio de 1430), a preparação das provisões necessárias a fim de enviar os comandantes (正使, zhengshi) Zheng He e Wang Jinghong para negócios oficiais com os países do Oceano do Oeste. Um mês e alguns dias depois, no nono dia do sexto mês lunar (29 de Junho), o Imperador deu ordem para a realização da sétima viagem, dirigindo-a a Zheng He e Wang Jinghong. Os Registos Históricos da Dinastia Ming (Ming Shi, 明史), compilados na dinastia Qing, referem no nono dia da sexta Lua, quinto ano do reinado de Xuande, Zheng He foi instruído para viajar aos países vassalos e proclamar ter sido entronizado Sua Majestade Xuande.
Em apreciação dos regulamentos benévolos dos precedentes imperadores e demonstrando sua compaixão aos seus assuntos, Sua Majestade decretou no Império uma universal amnistia e o implementar uma reforma. Portanto, Zheng He e Wang Jinghong foram despachados numa missão diplomática aos países anteriormente visitados, para os manter informados da situação no Celeste Império. “Sua Majestade espera que os regulamentos dos governantes de fora respeitem o Céu e o amor por esses assuntos e daí todo o mundo saboreei a bênção do Céu”.
A sétima viagem marítima de Zheng He começava no segundo sexto dia do duplo mês da 12.ª Lua de Xinhai (辛亥), quinto ano do reinado do Imperador Xuande [19 de Janeiro de 1431], saindo da Baia do Dragão (Longwan) em Nanjing cem juncos, entre eles 61 baochuan e uma tripulação de 27.550 homens. Descendo o Changjiang, a armada quatro dias depois, a 10 da 12.ª Lua, chegava a Taicang, aportando em Liujiagang a 21 desse mesmo mês lunar, o segundo da 12.ª Lua [3 de Fevereiro de 1431].No porto de Liujia (刘家港), Zheng He, com 60 anos, dirigiu-se ao Templo de Tian Fei a pedir, orando à deusa Mazu, protecção e bênção para a viagem, deixando no Palácio da Imperatriz Celeste a estela Loudong Liujiagang Tian Fei Gong Shike Tongfan Shiji ji 娄东 刘家港 天妃宫 石刻通番事迹记. No entanto, esta estela (碑, bei) desapareceu e sobre ela apenas se sabe o escrito proveniente do reinado do Imperador Ming Jiajing (1522-66), através do registo Taicang Zhouzhi, 太仓 州志 e do livro Wudouwencuixuji, 吴都文粹续集 feito na época por Qian Yi (钱毅), um habitante de Suzhou.
A estela de 1431, a celebrar o início da sétima viagem, segundo a inscrição refere serem Zheng He e Wang Jinghong os dois principais Grandes Eunucos enviados por o Imperador Xuande e Hong Bao, um dos cinco assistentes com Zhu Liang, Zhou Man, Yang Zhen e Zhang Da (o único não Grande Eunuco). Aparece ainda nesse bei o nome de Ma Huan (马欢 1380-1460), conhecido por Ma Zongyuan e nome de cortesia Zongdao, muçulmano (haji) com ancestral da Ásia Central. Nascido próximo de Shaoxing, em Zhejiang, Ma Huan era proficiente na língua árabe e persa, sendo recrutado por Zheng He como tradutor/intérprete (tongshi) participara já na quarta, sexta e agora na sétima viagem.
Registado em pedra
Da costa de Jiangsu, sem parar nos portos de Zhejiang, a armada passava para a província de Fujian e no dia 26 da segunda Lua de Xinhai (辛亥) [8 de Abril de 1431] chegava a Changle, ancorando na parte Oeste. Aí, no porto Taiping passou nove meses à espera de condições favoráveis da monção de Nordeste para partir. Aproveitou Zheng He para deixar outra estela, tianfeilingyingzhiji (天妃 灵应 之记), feita no Inverno do sexto ano do reinado de Xuande numa pedra com 1,62 metros de altura e 0,78 m de largura. Em 1930, o Templo Tian Fei, coberto por areia, foi desenterrado sendo descoberta a estela, que referia em 1431 estar Yang Yichu (杨一初) à frente do novo Templo Tian Fei em Changle.
Esse bei (碑), com 31 linhas verticais e 1176 caracteres [nove ilegíveis], regista as sete viagens de Zheng He e refere os comandantes (正使, zhengshi) serem Zheng He e Wang Jinghong e os fushi (副使, subcomandantes), Li Xing (李兴), Zhu Liang (朱良), Zhou Man (周满) Hong Bao (洪保) Yang Zhen (杨真) Zhang Da (张达,) Wu Zhong (吴忠). Com o título de duzhihui (都指挥) aparecem Zhu Zhen (朱真) e Wang Heng (王衡).
A navegar pelo Rio Min, a armada deixava Changle e contornando a zona da cidade de Fuzhou, no dia 9 da 12.ª Lua de Xinhai (辛亥) [12 de Janeiro de 1432] passou por Wuhumen (Passagem dos Cinco Tigres) e entrou no Mar do Sul da China.
Oceano do Oeste
Quinze dias velejou para Sul no Oceano Pacífico e no dia 24 da 12.ª Lua [27 de Janeiro] chegou a Zancheng, (Vijaya, capital do reino hinduísta de Champa, próximo onde hoje é Qui Nhon, na costa central do Vietname). Daí partiria 17 dias depois com destino a Surabaya, na Ilha de Zhaowa (Java), onde estava a 6 da segunda Lua do ano Renzi (壬子) [7 de Março]. Seguiu a armada viagem no dia 16 da sexta Lua (13 de Julho) e em onze dias atingia Jiugang (Palembang). Partiu no dia 1 da sétima Lua (27 de Julho) a caminho de Malaca, onde chegaria a 8 da sétima Lua (3 de Agosto). Em Manlajia (Malaca) ficou um mês pois a 8 da oitava Lua (2 de Setembro) zarpava, chegando em dez dias a Sumendala, a Norte da ilha de Sumatra.
Em Sumendala (苏门搭剌, Semudera, ou Samudra), uma frota comandada por Hong Bao (洪保), onde seguia Ma Huan, separou-se da armada e rumou directamente a Bengala, visitando Chittagong, Sonargaon e a capital Gaur. Depois navegou directamente de Bengala para Calicute, mas a armada principal deixara já Calicute e partira directamente para Ormuz, no Golfo Pérsico.
Após a separação da frota que seguira para o Mar de Bengala, a armada saira de Sumendala a 10 da 10.ª Lua [2 de Novembro de 1432], chegando a Beruwala no Ceilão a 6 da 11.ª Lua [28 de Novembro] e daí partiu a 10 da 11.ª Lua [2 de Dezembro], subindo pela costa indiana do Malabar, estava oito dias depois em Guli (Calicute), onde ficou quatro dias. De Guli, a armada partiu no dia 22 da 11.ª Lua [14 de Dezembro], atravessando o Mar Arábico directamente até Ormuz. Chegou a 26 da 12.ª Lua [17 de Janeiro de 1433] e no dia 18 da 2.ª Lua [8 de Março] a armada regressava à China. Por aqui ficava o capítulo Xia Xiyang do livro Qianwen Ji, 前闻记下西洋 escrito por Zhu Yunming (祝允明), que regista o nome das cidades e datas de partida e chegada da armada na sétima Viagem Marítima de Zheng He.
Com a frota capitaneada por Hong Bao em Calicute, já tinha a armada daí zarpado, conseguiu o comandante colocar sete dos seus marinheiros, incluindo Ma Huan, num barco talvez indiano que se dirigia a Jeddah, tendo estes visitado Meca e Medina.
Hong Bao de Calicute prosseguiu navegando ao longo da costa do Mar Arábico, visitando Cambaia (Khanbayat), o Sul da Arábia e Corno de África, incluindo Adem e Mogadíscio. Das sete viagens marítimas de Zheng He, esta foi a que percorreu o maior número de lugares.
As datas registadas no artigo anterior para a sétima viagem marítima de Zheng He provêm do capítulo Xiaxiyang (下西洋) do livro Qianwen Ji (前闻记) escrito por Zhu Yunming (祝允明). Este, nascido no dia 6 da 12ª Lua (1460-61) em Suzhou, Jiangsu, tinha o nome de cortesia Xizhe e o artístico de Zhishan. Oficial civil com o título de Juren, foi excelente calígrafo e um dos quatro talentos de Wu (Suzhou), que cansado e doente se retirou da vida pública, passando até à morte em 1527 a pesquisar e escrever sobre assuntos variados.
Zhu Yunming (1460-1527) no Qianwen Ji registou 60 histórias sobre o que de interessante leu, ou escutou, e focado na sétima viagem marítima de Zheng He tomou conhecimento da existência de dois livros, um escrito por Ma Huan (马欢), o Yingya Shenglan (瀛涯胜览) e o compilado por Fei Xin (费信), o Xingcha Shenglan (星槎 胜览). No entanto, disse ter usado informações provenientes do reinado de Xuande, logo da sétima viagem.
Como os nomes e datas das localidades referidas por Zhu Yunming são iguais às apresentadas no Mapa de Navegação de Zheng He (Zhenghe hanghaitu, 郑和航海图), encontrado no 240 juan (卷, volume, rolo) do livro Wubei Zhi (武备志) de Mao Yuanyi (茅元仪), leva a crer muito provavelmente ter usado as informações dessa Carta Naútica da sétima viagem.
Os registos de viagens feitos por Fei Xin (1385-1436), natural de Kunshan em Jiangsu, que escreveu Xingcha Shenglan (星槎 胜览), em dois volumes, e no primeiro refere os países por ele visitados somarem 22 nas quatro viagens marítimas, mas só na sétima viagem, embarcando com Zheng He, esteve em 20 países. Já Ma Huan (1380-1460) compilou em 1451 o livro Yingya Shenglan (瀛涯胜览, Visão em Triunfo no Ilimitado Mar) e ao conjugar estes livros fica-se a saber ter a armada visitado 29 diferentes lugares, apesar de no mapa de navegação de Zheng He apenas constarem 24, percebendo-se os outros cinco terem sido apenas abordados por pequenas frotas.
Com mais locais visitados
O Ming Shi descreve esta viagem referindo ter ido a pelo menos 17 países e adiciona outros destinos como Ganbali, Bengala, Laccadive e a ilha das Maldivas, na Península Arábica, Dhofar, Las’a, Adem e Meca, em África, Mogadíscio e Brava. Mas esta viagem cobriu ainda Ormuz, Ceilão, Calicute, Cochim, Kayal (Jiayile) no Sul da Índia, Malaca, Palambeng e outros reinos da ilha de Sumatra, Lambri e Aru, visitados por frotas com subcomandantes (fushi, 副使) como Li Xing (李兴), Zhu Liang (朱良), Zhou Man (周满) Hong Bao (洪保) Yang Zhen (杨真) Zhang Da (张达) e Wu Zhong (吴忠).
As frotas que compunham a armada, se durante a sexta viagem cada uma no Índico seguira o seu rumo, reagrupando-se nos específicos portos com feitoria, escolhidos como pontos de encontro, o mesmo terá ocorrido nesta expedição, mencionando na estela de Changle os subcomandantes no início da viagem. Sabemos os registos de navegação da armada, mas falta-nos os das frotas e os lugares por onde passaram, excepto para a de Hong Bao. O tradutor Ma Huan embarcara na 7.ª viagem com o Grande Eunuco Hong Bao e em 1431 visitou Bengala, Chittagong, Sonargaon, Gaur e Calicute, de onde o comandante o enviou como emissário a Meca. Ma Huan escreveu no seu livro muito do que se sabe de Hong Bao e o próprio, quando tinha 65 anos, gravou a estela usada na sua sepultura, encontrada em 2010 na Montanha de Zutang, no distrito Jiangning em Nanjing.
Hong Bao, a capitanear uma das frotas da 7.ª viagem, a maior parte do tempo seguiu outro rumo separado da armada: visitou Bengala e foi a Calicute, onde soube ter já a armada daí partido e subindo a costa indiana do Mar Arábico, visitou Cambaia (Khanbayat), o Sul da Arábia, a ilha de Socotorá e Corno de África, incluindo Adem e Mogadíscio. Ma Huan, de Calicute fora num barco de mercadores locais a Jedá (Jeddah), tendo visitado Meca e Medina e preparado a estadia ao muçulmano Comandante Hong Bao para realizar a peregrinação (haj).
Países e reinos da viagem
Das sete, foi a viagem que percorreu o maior número de lugares. De Vijaya, capital do reino hinduísta de Champa entre 978 e 1485 e conhecida em chinês por Zhancheng, a armada vai a Surabaya, capital da parte Leste da ilha de Java.
Passando para o Sul da ilha de Sumatra, visitou Palembang (em chinês Jiugang e em português Palimbão), onde existia uma grande comunidade chinesa, e cujo prestígio provinha de quando fora a capital do Império Srivijaya (c.650-1377), conhecido dos chineses por Estado Sanfoqi (三佛齐). De Palembang (Jiugang) em sete dias estava em Malaca (Manlajia), onde a armada ficou um mês, podendo alguns barcos terem ido visitar os reinos de Lambri e Aru, na ilha de Sumatra, ou também no regresso essa viagem ocorreu.
A Norte de Sumatra, já em Semudera [Sumendala (苏门搭剌), Samudra ou Samudera Darussalam, Pasai ou Pacem], um dos estipulados pontos de reunião dos juncos, a frota comandada por Hong Bao deixou a armada e na companhia de Ma Huan rumaram directamente para Bengala. O Sultanato Pasai de Samudera, reino fundado em 1267 por o convertido ao Islão sunita Malik ul Salih (1267-1297), era um importante porto muçulmano do século XIII a XVI, rico em madeiras, pimenta e ouro. Para os chineses, segundo Instruções do Imperador Hongwu aos seus descendentes (Huang-Ming Zuxun), era um dos 14 países onde os Ming não deviam fazer campanhas militares contra. De Sumendala, a armada foi ao Ceilão e seguiu até Guli (Calicute), ficando aí quatro dias e partindo no dia 22 da 11.ª Lua [14 de Dezembro], atravessou o Mar Arábico directamente até Ormuz, à entrada do Golfo Pérsico, chegando a 26 da 12.ª Lua de Renzi (壬子), 17 de Janeiro de 1433.
A frota comandada por Hong Bao, de Guli, singrou ao longo da costa Ocidental da Índia e chegou a Oman. Daí passou por Adem e Jedá e no regresso do Mar Vermelho cruzou Socotora, reentrando no Mar Arábico e navegando para Sul até África, aportou em Mogadíscio e seguiu para Mombaça. Sem datas registadas até de novo reunida a armada em Ormuz, partiu esta no dia 18 da 2.ª Lua do ano Guichou (癸丑), [8 de Março], oitavo ano do reinado de Xuande, para a viagem de regresso à China.
O shuji da armada
Gong Zhen (巩珍, 1371-1457), natural de Nanjing, foi conselheiro do Imperador Xuande e em 1430 tornou-se Grande Secretário do Almirante Zheng He para a sétima viagem marítima, sendo nomeado com o título de Shuji (书记), Secretário Executivo da Armada, a quem os Grandes Eunucos comandantes e os subcomandantes das frotas respondiam.
O seu avô, Gong Shan (巩善1324-1406) em 1354 juntara-se ao exército de Zhu Yuanzhang, ajudando à criação da dinastia Ming e por isso, ele e outros quinze eruditos ficaram com o cargo de escrever o livro da História da dinastia Yuan (Yuan Shi, 元史), pois o livro sobre a dinastia anterior era redigido por a dinastia reinante.
O pai, Gong Shu Chao (巩树超1346-?), no período da dinastia mongol desempenhava o cargo de Oficial de Esquerda (左丞相) vice-Chanceler de Henan, a responder directamente ao Khan e depois, na província de Huguan. Com o fim da dinastia Yuan escolheu ficar por casa em YingtianFu (应天府, Nanjing) e dedicar-se à educação do filho Gong Zhen (1371-1457). Este, aos 16 anos seguiu Zhu Di em Beijing e ajudou a dinastia Ming a combater a Norte os mongóis. Quando em 1405 Zheng He organizava a primeira viagem marítima, ofereceu-se para participar. Promovido na sétima viagem, trazia já o título de Shuji (书记, Secretário Executivo da Armada) e sendo tradutor, registou em diário os dois anos da expedição. Chegada a armada a Nanjing em 1433, Gong Zhen no ano seguinte acabou de escrever o livro Xiyang Fanguozhi (西洋番国志), que na altura não foi publicado. A última informação proveniente do Livro da Família Gong é ter-se tornado professor.
Escrito em 1434, Xiyang Fanguozhi, Anais dos Países Estrangeiros no Oceano do Oeste, descreve vinte países e reinos, seus usos e costumes, sendo a narração da Sagrada Mesquita de Meca muito pormenorizada. Os Registos Históricos da Dinastia Ming, relacionados com os países estrangeiros, parece ter sido retirado do livro de Gong Zhen.
O final da sétima viagem
Ormuz, porto do inicial destino na sétima viagem marítima de Zheng He, foi também o da partida da armada para o regresso ao Celeste Império. Pouca informação chegou sobre esse período de tempo passado nas costas da Península Arábica e África Oriental, assim como as visitas das frotas às ilhas no Oceano Índico. Navegava-se a calcular a latitude, bem como já com as longitudes de cada um desses lugares perdidos numa imensidão oceânica, sendo os pilotos guiados por as Cartas Náuticas, a bússula marítima e o relógio, seguindo assim directamente para os lugares pretendidos.
O problema de determinar as longitudes ficara resolvido por o Grande Eunuco Yang Qing (杨庆, c.1366 -1430) quando, como comandante de um baochuan da frota de Hong Bao, andara durante as anteriores viagens a singrar no Índico, para provar a correção das medições. A sua estela tumular, encontrada em 2005 nos terrenos da Universidade de Aeronáutica e Astronáutica de Nanjing, refere que pertencia ao corpo de protecção pessoal do Imperador, um dos doze departamentos do Duzhijian Taijian (都知监太监) e era de uma família importante do Sul de Yunnan. Ainda criança entrara para o palácio de Zhu Di como eunuco, em conjunto com Ma He (Zheng He) e Hong Bao, ambos também da mesma província. Chamado a Nanjing pelo Imperador Xuande no dia 24 do terceiro mês, Yang Qing aí chegou doente a 19 do quarto mês e morreu no dia 22 do sétimo mês de Xinhai (辛亥), 1430, quinto ano do reinado de Xuande; logo, não participou na sétima viagem marítima.
Outro Grande Eunuco, participante nas sete viagens marítimas de Zheng He e cujo nome aparece na estela deixada em 1431 no Palácio Tian Fei em Liujiagang, é Zhou Man (周满 1378-?), que em conjunto com Hong Bao ajudou Yang Qing a explorar o Oceano Índico. Chegou a mais de 30 países nas Regiões Ocidentais e como hipótese refere-se ter visitado a Austrália e as costas da América do Norte.
Percurso de retorno
A sétima viagem marítima de Zheng He começara no segundo sexto dia do duplo mês da 12.ª Lua de Xinhai (辛亥), quinto ano do reinado do Imperador Xuande, 19 de Janeiro de 1431, com a armada de cem juncos, entre eles 61 baochuan e uma tripulação de 27.550 homens, a deixar Nanjing. Dois anos depois atingia Ormuz no Golfo Pérsico a 26 da 12.ª Lua de Renzi (壬子), [17 de Janeiro de 1433] e daí partiu no dia 18 da 2.ª Lua do ano Guichou (癸丑), [8 de Março], oitavo ano do reinado de Xuande, para realizar a viagem de regresso à China.
A 11 da 3.ª Lua [31 de Março] estava em Guli (Calicute, ou Koli), na parte Ocidental do subcontinente indiano, e no início da quarta Lua [em Abril de 1433] Zheng He, em frente a essa grande cidade comercial, morreu no seu baochuan vítima de doença, ou ferimentos. Os seus marinheiros depositaram o corpo no mar, após as devidas cerimónias fúnebres, e por isso, no túmulo de Zheng He, na colina de Niushou em Nanjing, não se encontram vestígios do corpo, mas apenas contém roupas.
No comando da armada ficou Wang Jinghong, que deixou Calicute a 9 de Abril. A 26 da 5.ª Lua, 13 de Junho, encontrava-se em Zancheng (Vijaya), deixando-a no dia 1 da 6.ª Lua, 17 de Junho. Singrando, no dia 9 avistava a Montanha Nan Ao — um dos muitos registos geográficos do capítulo Xiaxiyang (下西洋) do livro Qianwen Ji, 前闻记, de onde provêm estas informações.
O Grande Eunuco Wang Jinghong (王景弘, 1356?-c.1434), nascido na província de Fujian, participou nas sete viagens marítimas da armada de Zheng He entre 1405-33 e, por morte do Grande Almirante, comandou a armada da sétima viagem no regresso à China. Em 1434, com 78 anos realizou ainda uma outra viagem a Sumatra, mas no caminho faleceu num naufrágio, sendo sepultado em Semarang, na ilha de Java.
Fim de uma história gloriosa
Em Portugal o Rei D. João I falecia em 1433 e na Índia o almirante chinês Zheng He morria em frente a Calicute, 65 anos antes de Vasco da Gama aí chegar. A China fechava o ciclo das suas navegações marítimas com mais de um milénio, quando Gil Eanes dobrava o Cabo Bojador numa barca de 30 toneladas, sem qualquer coberta, com remos e apenas uma vela triangular. A caravela, uma invenção portuguesa de 1436, permitiu navegar no alto-mar e em todos os oceanos. Tinha menos de 20 metros; era um barquinho comparado com o baochuan, de 150 metros de comprimento e 50 de largura, usado nas imperiais viagens marítimas capitaneadas pelos Grandes Eunucos e realizadas nos reinados de Yongle e Xuande. Após estes dois imperadores da dinastia Ming, os oficiais mandarins começaram a não permitir serem as viagens feitas e a tentar escondê-las. Retirando-se do mar e com um diminuto número de juncos, a Corte chinesa deixou de dar permissão aos países para realizar embaixadas tributárias e a falta dos fabulosos produtos chineses logo originou o aumento da pirataria. Os mercadores portugueses conseguiam dos chineses sobretudo a seda trocando-a por prata vinda do Japão. Nas províncias costeiras da China, sem os rendimentos do comércio com o estrangeiro, a pobreza instalara-se, faltando mesmo prata para pagar o ordenado dos mandarins e funcionários, levando-os a deixarem-se subornar e, a troco de fecharem os olhos, receber vantajosas prendas.
Durante a viagem da Embaixada de Tomé Pires a Beijing e o seu regresso a Guangzhou, muito acontecia na costa Sul da China. No Delta do Rio das Pérolas, a péssima imagem de pirata deixada por Simão de Andrade e pelos mercadores portugueses, ao não acatarem a suspensão obrigatória das actividades após a morte do imperador, levou em Setembro de 1521 a ocorrer ao largo do porto de Tunmen a primeira batalha naval entre portugueses e chineses. Derrotados, os portugueses, banidos do Celeste Império, esconderam-se pelas ilhas dos mares de Guangdong, onde esperavam a seda trazida clandestinamente por chineses.
No porto de Ningbo, em 1523, ocorrera um confronto entre dois diferentes grupos de comerciantes japoneses e essa desavença, conhecida no registo chinês por Incidente Mingzhou (até 1381 o nome de Ningbo), espalhou-se pela cidade com pilhagens e feridos locais, levando os governantes Ming a proibir o comércio com os japoneses e daí reaparecerem na pirataria, os wokou.
Logo no início da dinastia Ming, em 1373 o Imperador Hongwu (1368-1398) “mandava ao Japão dois monges como seus enviados, pedindo que cessassem as actividades Wako (Wokou) contra a navegação e as costas chinesas”, refere Gonçalo Mesquitela e continuando nas suas informações, em 1401 o Japão tornou-se de novo tributário da China, prometendo acabar com os wako a troco de uma viagem de dez em dez anos. Nesse decénio houve seis. “Com um acordo comercial mais liberal, recomeçou o comércio em 1432, sob a mesma base de uma embaixada decenal, mas com mais navios”.
Pelas leis hai jin (banir do mar) todo o comércio com o estrangeiro teria de ser feito formalmente por missões tributárias, política que bania os privados do comércio marítimo e da navegação de costa. Com as costas marítimas de Guangdong fechadas, os imensos interesses dos comerciantes chineses emigrados, piratas por contravenção às leis, proibidos de regressar às suas terras, dependiam dos portugueses para manter a comunicação com os seus na China. Daí os portos clandestinos de comércio serem desviados para Norte. Segundo Montalto de Jesus, “levaram-nos a Liampó (Ningpo), onde os mandarins, largamente subornados, faziam vista grossa ao comércio proibido, que, com o passar do tempo, se estendeu a Chincheu, chegando a restabelecer-se às próprias portas de Cantão.” Estes portos redobrariam de interesse quando os portugueses localizaram as ilhas Sul do Japão.
Os portugueses “envolveram-se com os piratas chineses e japoneses (wokou) em negócios ilícitos de elevados lucros, dando, assim, origem a uma colónia portuguesa, Liampó, a segunda maior da Ásia, de importância apenas inferior à de Malaca”, refere Victor F. S. Sit no livro Macau ao Longo de 500 anos.
Mercadores e aventureiros portugueses estabeleciam-se em 1526 na província de Zhejiang, em Liampó, a Norte da actual Ningbo, nas ilhas de Shuangyu, mais propriamente em Liu Heng (六横), situada no Delta do Rio Yangtzé. Devido ao porto abrigado estar afastado da costa, fora da vista e conhecimento dos mandarins, os portugueses aí fizeram uma povoação com mil casas, uma municipalidade, uma assembleia, um tribunal, duas igrejas e um hospital. Era “um município oficializado como cidade portuguesa e intitulado, nos testamentos e escrituras, Esta muy nobre e sempre leal cidade de Liampó, pelo Rey nosso Senhor, como se se situasse em Portugal. A colónia atingiu o auge da sua prosperidade depois da descoberta do Japão (ocorrida entre 1542 e 1543). O comércio, calculado em mais de três milhões de cruzados de ouro, rendia três ou quatro vezes o capital investido. A comunidade era de mil e duzentos portugueses e mil e oitocentos orientais, que por ali prosperavam sem ser molestados pelos piratas”, segundo Montalto de Jesus. Nesse escondido porto, a cidade de Liampó foi criada com a ajuda e consentimento dos locais, a quem os portugueses faziam o transporte das mercadorias para o exterior da China, até Malaca, mas essas viagens ressentiam-se fortemente devido às investidas dos imperiais juncos de Fujian.
Quando, em 1547, Zhu Wan, chefe militar de Zhejiang, tomou conhecimento de Liampó, atacou-a e incendiou todas as casas e barcos utilizados no comércio ilegal, mandando encerrar o porto. Expulsos, os portugueses fugiram para Sul e na província de Fujian (福建), em Yuegang (月港), entre Zhangzhou (漳州, Chincheo) e Amoy (actual Xiamen), encontraram um refúgio nesse porto de piratas. Yuegang ficaria transformado no ano 1567 em porto oficial, o único aberto legalmente ao comércio com estrangeiros.
Devido à preferencial localização, os portugueses acabaram em Sanchoão (Shangchuan) e Lampacau (Langbai), ilhas da província de Guangdong, que seriam os últimos pontos de paragem antes de se estabelecerem em Macau em 1557.
Sem conseguir controlar a pirataria, quando subiu ao trono o Imperador Longqing (1567-1572), 13.º da dinastia Ming, voltou a colocar a Administração a reger o comércio marítimo estrangeiro e assim, em 1567 a China abria-se de novo para o exterior, permitindo a visita de embaixadas tributárias. Para o trato com o Japão [antigo país tributário] estipulou ser exclusivamente feito por Ningbo e só uma vez a cada dez anos podiam os japoneses visitar o porto e levar no máximo dois barcos e 300 homens. Com Luzon (Lução, Filipinas) só de Fuzhou e as embaixadas dos Sultanatos da Indonésia exclusivamente em Guangzhou. Também aos marinheiros e negociantes de Zhejiang, Fujian e Guangdong, foi dada permissão de participar com os seus barcos no comércio, feito até aí clandestinamente. Daí a pirataria desvanecer.
Reavivar memória
Quando a dinastia manchu dos Qing (1644-1911) ocupou o trono, já não restava memória das viagens marítimas chinesas Ming finalizadas em 1434 e desde o século seguinte sem documentos para a expor. Uma vaga lembrança de nomes e sem História do ocorrido caiu no esquecimento.
Em 1904 apareceu uma tese sobre as viagens de Zheng He , 郑和传, Zheng He zhuan, escrita por Liang Qichao e publicada no jornal XinMinCong (新民丛报).
Liang Qichao (梁启超, 1873-1929) nascido em Xinhui, Guangdong, nos Exames Imperiais (Keju) atingiu o grau de Jinshi. Em 1898, levado por o seu professor Kang Youwei participou no movimento revolucionário reformista anti-Qing. Já no período da República da China foi Ministro da Justiça entre Setembro de 1913 e Fevereiro de 1914, Ministro das Finanças de Julho a Novembro de 1917 e Director da Biblioteca Imperial de Beijing entre Dezembro de 1925 e Junho de 1927. Com o artigo, Liang Qichao deu à colectiva memória um capítulo da História chinesa esquecido por mais de quatro séculos e com ele abriu a polémica da realidade, quase impossível perante os astronómicos números, tanto no tamanho dos juncos, referindo barcos de 150 metros de comprimento, na grande variedade e quantidade [centenas, atingindo os milhares] de embarcações por armada e as dezenas de locais no estrangeiro visitados nessas viagens.
O inacreditável encontrou prova em 1962, ao desenterrar nos estaleiros do Tesouro em Nanjing um enorme leme de 11 metros de comprimento e pelo tamanho corresponderia a um junco de aproximadamente 200 metros (600 pés) de comprimento.
Daí, com maior afinco foram realizadas investigações, tanto na China como nos países e reinos visitados nas sete Viagens Marítimas e englobada num todo, genericamente ficou denominada Rota Marítima da Seda, por contar a seda como cabeça de mercadoria.
Às rotas marítimas foram dados os nomes dos produtos, cuja raridade os faziam cobiçados, ou no valor e quantidade transportados, sendo a seda, a porcelana e o chá os mais desejados.
Os portugueses chegaram à China com os ensinamentos adquiridos dos muçulmanos, que por sua vez tinham aprendido com os chineses, juntando ao mundo civilizado a afastada Europa, local sempre em guerras e no século XV fora dos circuitos comerciais dos oceanos Índico e Pacífico.
GRANDES EUNUCOS. Que papel?
(太监, Tai Jian )
No reinado do primeiro imperador da dinastia Ming, os eunucos (Huan Guan, 宦官) apenas faziam o serviço de criados e tratavam do harém. Eram proibidos de estudar e ocupar lugares na Administração. Com a queda dos mongóis no Yunnan, inúmeros jovens, novos eunucos, foram para Beiping servir Zhu Di, e aí, além de o ajudarem nas lutas contra os mongóis, estudaram os principais temas da civilização chinesa. Com a vitória na guerra civil, Zhu Di tornou-se no imperador Yongle e atribuiu-lhes lugares na Administração, o que irritou os mandarins. Elevou-os também a comandantes navais, dando aos que mais contribuíram para a sua vitória militar a posição de Grande Eunuco (太监, Tai Jian) e colocou-os a capitanear os grandes barcos do Tesouro. Entre eles estavam Ma He (马和), que em 1404 tomou o nome de Zheng He (郑和), Wang Jinghong (王景弘), Hou Xian (侯显), Hong Bao (洪保), Li Xing (李兴), Zhou Wen (周文), Yang Qing (杨庆) e Fei Xin (费信).
Ma He nasceu no ano de 1371 na aldeia Hedai em Baoshen, prefeitura de Kunyang (actual Jinning), a 30 km a Sul de Kunming, capital da província de Yunnan. A história da sua família está escrita na pedra tumular que mandou erigir em 1411, após o regresso da sua terceira viagem marítima quando, com a alta patente de Grande Eunuco, voltou à sua terra natal. A família de apelido Ma emigrara para a China em 1070 durante a dinastia Song e o seu antepassado Sayid Ajall Shams al-Din Omar (1211-1279), descendente de uma família nobre muçulmana de Bucara (Bukhara, actual Uzebequistão), tornou-se oficial de alta patente do exército mongol durante a dinastia Yuan, sendo a sua participação importante para capturar Xianyang, o que levou Kublai Khan, em 1274, a enviá-lo como Governador para Yunnan. Tal como os antepassados, o avô e o pai de Ma He professavam a religião islâmica e realizaram a peregrinação a Meca, ficando por isso com o título honorífico de Hazhi e daí o seu pai Milijin ter mudado o nome para Ma Haji, sendo então um oficial rural Yuan na província de Yunnan.
Ma He (mais tarde Zheng He) nascera já na dinastia Ming e pertencia à sexta geração descendente de Sayid Edjell. A sua experiência de navegação ocorreu ainda na cidade de Kunyang, situada na margem Sul do lago Dianchi, cujo perímetro de 250 km proporcionou desde tenra idade a San Bao (nome por que era conhecido) um contacto com os barcos pois aí havia um porto de pesca e de mercadorias.
Em 1382, o exército Ming conquistou a província de Yunnan aos mongóis e os homens muçulmanos a eles ligados foram mortos, enquanto as crianças e jovens foram castrados, sendo levados para servir como eunucos na corte imperial. Tal ocorreu a Ma He quando tinha 12 anos, seguindo para Beiping onde ficou ao serviço de Zhu Di, quarto filho do Imperador Hongwu. Devido às suas qualidades e inteligência estratégica, Ma He prestou grande apoio militar na guerra contra os mongóis e na conquista ao Imperador Jianwen de Nanjing em 1402. Bem-sucedido, Zhu Di já como imperador Yongle, mudou em 1404 o nome do amigo para Zheng He e promoveu-o a chefe dos eunucos, entregando-lhe a gestão dos assuntos gerais do Palácio Imperial e pouco depois, nomeou-o almirante da armada.
Outro eunuco com a posição de Tai Jian foi Wang Jinghong (王景弘, 1356?-c.1434), nascido na aldeia de Xiang Liao, distrito de Chi Shui, prefeitura de Zhang Ping, na província de Fujian. Entrou ao serviço da corte Ming no reinado de Hongwu e entre 1399-1402 também ajudou Zhu Di a chegar ao trono, sendo um bom comandante militar e por isso o imperador Yongle, nomeou-o em 1405 subcomandante de Zheng He na primeira expedição. Na segunda viagem, no Sri Lanka ofereceu sacrifícios no Templo Li Fo, onde deixou um bei (estela). Já no regresso da terceira viagem, em 1409 esteve em Malaca onde construiu a muralha e a feitoria. Para além de participar nas sete viagens marítimas da armada de Zheng He, entre 1405-33, realizou em 1434 uma outra viagem a Sumatra, mas no caminho, num naufrágio faleceu com 78 anos, sendo sepultado em Semarang na ilha de Java.
Já Hou Xian (侯显, 1365-c.1438), nascido em Taozhou (hoje Lintan, província de Gansu), pertencia ao grupo tibetano Zang (藏) e tinha treze anos quando em 1378 o exército Ming foi enviado para reconquistar a zona. Capturado, foi castrado, seguindo como eunuco para servir na corte Ming. Em 1403, com a posição de shaojian (少监), o imperador escolheu-o como emissário para ir à área de Tufan (吐蕃) habitada pelo povo Zang e na zona de WuSiZang (乌思藏) convidou HaLiMa (哈立麻), Deshin Shekpa (1340-1415), Quinto Lama Karmapa Gyalwa, líder espiritual da Escola Kagyu do Budismo Tibetano, para ir à capital.
Devido ao bom trabalho realizado, o Imperador elevou Hou Xian ao posto de Tai Jian (Grande Eunuco), posição com que participou na 2.ª viagem marítima de Zheng He e na 3.ª expedição foi nomeado por Yongle como um dos três comandantes da armada, a par com Zheng He e Wang Jinghong. Os Registos Históricos da dinastia Ming falam dele na secção Hou Xian Zhuan, sendo com Zheng He os dois únicos eunucos aí referidos.
Estaleiro do Tesouro – Os barcos que assombraram o mundo
Actual capital da província de Jiangsu, Nanjing foi capital da dinastia Ming, de 1386 a 1421, e era a maior cidade comercial do Celeste Império, contando com uma população de um milhão de pessoas. Ma He (Zheng He) tinha em Nanjing a sua residência, local de trabalho e centro de logística para armazenar os utensílios destinados à armada na rua Mafujie (Maliujia), um espaço com 74 salas a ocupar 2,4 hectares, existente ainda no reinado do sétimo imperador Qing Xianfeng (1851-1861). O edifício ardeu durante a revolta Taiping, quando em Março de 1853 o exército Taiping entrou em Nanjing e, matando todos os manchus, fez da cidade, a que deu o nome de Tianjing, a capital do Grande Reino da Paz Celestial.
Muitos dos juncos dessa armada foram construídos no estaleiro situado a Noroeste de Nanjing, na zona de San Che He, compreendida entre as aldeias de Zhong Bao e Shang Bao, ao longo do Changjiang, onde existiam sete longas docas secas (zuo tang) dispostas paralelamente na direcção Nordeste a fazerem um ângulo de 62°. Segundo alguns investigadores, nessa área estariam dois diferentes estaleiros de épocas distintas: o Longjiang feito no reinado do Imperador Hongwu e o do Tesouro construído no terceiro ano do reinado de Yongle, mas há quem contraponha ser de data anterior e 1405 corresponder apenas ao nome dado: baochuan chang.
Ocupando uma área de mil mu (666.700 m2), no recinto do estaleiro viviam cerca de 20 mil pessoas e para nele entrar os empregados tinham de mostrar um dístico específico, um bilhete de identidade onde constava o posto que ocupavam. Aí existiam os departamentos administrativos, locais para os trabalhadores, com centenas de casas para morarem, mercado e também armazéns. Laborava-se dia e noite e havia capacidade para construir simultaneamente mais de uma centena de barcos. Aqui o Imperador Yongle ordenou fazer ou reparar 2787 juncos.
O livro da dinastia Ming Longjiang Chuan Chang Zhi 《龙江船廠志》 refere a organização do trabalho nos estaleiros, onde entre as docas havia sete grandes locais para específicos trabalhos, como criar e escolher os modelos dos juncos, realizar os cálculos para as diferentes partes dos barcos, metalurgia, produção de cabos, cordas e velas.
No departamento dedicado às madeiras existiam várias secções: numa eram armazenadas, marcando-se as proveniências com algarismos que também indicavam a que parte da embarcação eram destinadas. Existiam mais treze pequenos locais para outros propósitos. Tudo ficava registado e quando havia necessidade de fazer alguma reparação era fácil localizar o material para substituir e quem se deveria responsabilizar, além de se prevenir comportamentos corruptos.
Usando o modelo do junco de Fujian, o fuchuan, com o casco em V, realizando algumas transformações criou-se entre outros o barco do Tesouro, baochuan, com mais de 120 metros de comprimento, 50 metros de largura e nove mastros, capaz de deslocar 8 mil toneladas.
A meio do estaleiro, entre a primeira e a quarta doca estava o templo a Tian Fei, chamado pelos locais Niang Niang Miao. Quando um junco ficava pronto realizava-se uma cerimónia onde a deusa era convidada a percorrer o interior da embarcação, havendo nos barcos um local especial para o altar. Inundada a doca com a água do Rio Jia saía o junco a navegar para entrar no Yangtzé.
Em 2014 voltámos a Nanjing à procura dos Estaleiros do Tesouro (Baochuan chang), situados fora da muralha da cidade. Os trabalhos arqueológicos, iniciados em 2003, estavam já realizados em Setembro de 2004, tendo sido aberto no ano seguinte o Parque Baochuan como atracção turística e museu. Apenas uma doca dos estaleiros fora estudada pois o local das restantes seis tinha sido ocupado por edifícios de habitação devido à expansão da cidade.
A doca número 6 tinha 421 metros de comprimento e 41 de largura, havendo nela 3,5 metros de altura de lodo de onde foram retirados 1500 artefactos, sobretudo madeiras, algumas pintadas, pregos e cerâmica. Muito se questionou sobre as dimensões dos barcos do Tesouro que, segundo o livro Ming Shi 《明史》《明史列传第一百九十二宦官二》, o baochuan contava com 44 zhang de comprimento e 18 de largura. Mas Ma Huan (马欢), que como tradutor viajou na armada de Zheng He, refere ter o maior baochuan 44,4 zhang comprimento por 18 de largura, enquanto o de tamanho médio contava com 37 zhang de comprimento e 15 de largura. Se 1 zhang corresponde a 3,333 metros então esta doca não tinha largura suficiente para a construção do baochuan maior e daí as dúvidas de muitos investigadores do real tamanho do barco, algo inacreditável.
Deste estaleiro sairia parte dos navios da armada e os baochuan, feitos com madeiras preciosas, onde seguiria o almirante Zheng He, transportando os exóticos produtos chineses para trocar por outros de grande valor, como âmbar-cinzento, especiarias, pedras preciosas e outros tesouros, dando assim origem ao nome do maior junco da armada.
Muita madeira teca foi precisa na construção de inúmeros e enormes juncos para criar uma armada. Além das árvores desbastadas nas províncias chinesas, ainda foi necessário recorrer a florestas de outros países.
As invenções chinesas como o leme de popa e o sistema de o içar e baixar, a divisão do casco do barco em compartimentos estanques, as velas e a bússola marítima, permitiram aos juncos chineses chegar por mar aberto a longínquos países e regiões, do Oceano Pacífico, até ao continente americano e no Índico, do Golfo Pérsico às costas de África Oriental. “O leme enquanto instrumento de manobra foi uma invenção dos antigos construtores de barcos de Guangdong”, segundo Joseph Needham, que elogia e reconhece ser essa invenção pioneira no mundo náutico.
Também a passagem dos lemes laterais para um leme centrado na popa (a parte traseira do junco) começou a ser utilizado no século I, aparecendo na Europa no século XIII. Este leme axial, fixado no eixo longitudinal da embarcação, variava nas formas e dimensões conforme as condições de navegação, tendo um sistema de roldanas a içar e baixá-lo, permitindo assim entrar em zonas de fundos baixos. Existe o leme perfurado, para menor resistência à força da água e o leme compensado, em que parte da superfície da porta do leme se encontra para trás do eixo, a dar uma manobra mais fácil. No baochuang de Zheng He o leme tinha 11,7 metros e por isso havia necessidade de uma grande roldana para o descer ou subir.
O vento era a força motriz das embarcações e os das monções permitia percorrer grandes distâncias devido à sua acção nas inúmeras velas quadradas feitas de junco, reforçadas por ripas de bambu transversais e colocadas nos múltiplos mastros. O aparecimento da vela na China terá ocorrido pelo menos no início do primeiro milénio antes da nossa Era.
As anteparas nos barcos chineses existiam desde o século II colocadas transversalmente nos cascos para tornar estanques as diversas secções das embarcações, diminuindo os riscos destes se afundarem. Ideia da observação da cana de bambu cujo interior está dividido por septos transversais. O capitão Fernão Peres de Andrade em 1517 às portas de Cantão, na Boca do Tigre, ao observar a construção de um barco viu serem-lhe colocadas anteparas no interior do casco, tomando os europeus pela primeira vez conhecimento dessa técnica, mas só a utilizaram no século XVIII.
Na armada de Zheng He para comunicar entre juncos usava-se um sistema de sinais e sons e daí existirem em cada um, tambores, gongos, címbalos, sinos, trompetas, lanternas e bandeiras. Os pombos eram para levar entre os barcos mensagens escritas, quando necessário mais detalhe.
TIPOS DE BARCOS
Baochuan (宝船, Junco do Tesouro) de casco em V, o modelo do junco Fuchuan de Fujian, nos seus mais de 120 metros (44 zhang) de comprimento e 50 metros (18 zhang) de largura tinha nove mastros e doze velas, deslocando oito mil toneladas. Mas Ma Huan (马欢), tradutor na armada de Zheng He, refere ter o maior baochuan 44,4 zhang (147 m) e de largura 18 zhang (60 m), enquanto o de tamanho médio contava com 37 zhang de comprimento e 15 de largura. Como 1 zhang = 10 chi corresponde a 3,333 metros, então o real tamanho do barco era algo inacreditável. Na primeira viagem marítima de Zheng He foram 62 baochuan, 48 na terceira viagem e 61 na sétima.
O baochuan contava com quatro conveses (entre o mastro grande e a proa) ligados por escadas e no superior era o Palácio com cabines feitas de madeiras preciosas talhadas com belíssimos trabalhos, havendo instalados em cada um dos lados laterais 16 canhões de tamanho médio. No convés abaixo, as câmaras adornadas meticulosamente, onde não faltava água potável e comida seca, contava em cada lado oito grandes canhões. Já o convés mais abaixo armazenava as prendas a oferecer e oferecidas, sendo guardadas em caixas de madeira as sedas, chá e especiarias. No convés inferior, pedras para estabilizar o barco e madeira para os reparos de emergência. Ao redor dos baochuan navegavam barcos de menor porte, de transporte de tropas, para combate e de abastecimento.
Zuo Chuan (坐 船, Barco de transporte das tropas) Com seis mastros e comprimento de 24 zhang e largura de 9,4 zhang, tinha como função prevenir os ataques de piratas e executar guerras anfíbias, seguindo neles os comandantes.
Zhan Chuan (战船, Barco de combate) Com cinco mastros e um comprimento de 18 zhang e a largura de 6 zhang e 8 chi, era leve e ligeiro de fácil manobra. Equipado com armas e soldados preparados para entrar em combate, serviam de escudo a proteger a armada.
Ma Chuan (马船, Barco cavalo) Assim chamado por ser o mais rápido de todos os juncos e o segundo maior da armada, tinha oito mastros e dez velas e em caso de necessidade usado também como barco de combate. Com um comprimento de 37 zhang e largura de 15 zhang, nele havia cabinas para oficiais de médio estatuto, para intérpretes e médicos. Servia ainda de armazém aos equipamentos militares, como armas e ferramentas para reparar os estragos nos barcos, guardava ainda outros bens quotidianos e transportava os cavalos e outros animais provenientes dos tributos dos países.
Liang Chuan (粮船, Barco de abastecimento), com sete mastros e um comprimento de 28 zhang e largura de 12 zhang, transportava à volta de 18 mil toneladas de mantimentos para alimentar a tripulação da armada nos dois anos de viagem. Existiam na armada normalmente quinze desses barcos e cada levava 1200 toneladas de mantimentos e animais vivos para consumo. Os alimentos constavam de carne salgada e fumada, marisco seco, arroz e trigo, vegetais conservados por sal e picles, molhos, vinagre e vinho, frutas secas ou em calda de mel ou açúcar, cocos, bananas e outras frutas. Enquanto se navegava alguns tripulantes dedicavam-se a pescar para passar tempo e guarnecer de peixe fresco as refeições. Existiam barcos com hortas onde vinham plantados os legumes e outros vegetais, como soja, excelente em vitaminas e contra o escorbuto.
Shui Chuan (水船, Barco para o transporte de água) tinha o mesmo tamanho e características dos de abastecimento e na armada havia à volta de vinte. Com sete mastros e 28 zhang de comprimento e doze zhang de largura, estavam equipados com cisternas para transportar água potável.
A bússola marítima e outros instrumentos de navegação
A armada de Zheng He, ao atravessar os oceanos com a ajuda dos ventos das monções, conjugava Astronomia e o uso da bússola marítima combinando-as com cartas de navegação aprimoradas ao longo das viagens. Deste modo conseguia-se definir com rigor a posição das embarcações, as direcções a seguir e evitar os naturais obstáculos dos percursos.
Os mapas e cartas utilizados por Zheng He partiam de Nanjing e registavam também a Geografia Física de 56 rotas distintas, com instruções sobre profundidade das águas, correntes, localização de bancos de areia, penedos e ilhas recifes e a linha de costa desenhada com povoações, portos, rios e silhuetas das montanhas, paisagens reconhecidas em milénios de visualizações. Assim, com céu limpo ou em nevoeiro se conseguia ter o posicionamento dos barcos através das cartas náuticas e a ajuda da bússola marítima ligada a uma esfera armilar com o mapa do Céu a ser movido por um relógio de água. No entendimento das correntes e dos ventos sazonais específicos a cada zona dos mares e oceanos encontrava-se as melhores rotas marítimas para circular em cada época do ano.
Os ventos sazonais no hemisfério Norte, durante a monção de Verão sopram de Sudoeste entre Abril e Outubro, a permitir navegar desde os países do Sudeste Asiático para o subcontinente indiano, levando no Mar Arábico os barcos para Leste e no Mar Vermelho, para Sul. Para se apanhar esses ventos da monção, partia-se da China nos finais de Outubro e navegando no Pacífico para Sul, chegava-se em cinco, seis semanas ao Sudeste Asiático, mais propriamente a Sumatra (actual Indonésia), quando aí terminava a monção, ou a Malaca (Tailândia), onde as duas monções se encontram. Nos portos do Estreito de Malaca esperava-se a Primavera para retomar a navegação para Oeste. Já na monção de Inverno, entre Outubro e Abril, os ventos trazem a direcção de Nordeste e retorna-se da Índia para o Sudeste Asiático, ou leva-se os juncos à costa africana, possibilitando também a subida do Mar Vermelho.
Na navegação usava-se relógios de água, ampulhetas com areia, ou a queima de paus de incenso, para medir o tempo e o dia estava dividido em 10 geng, conseguindo os barcos viajar 40 a 60 li [1 li ±. 0,5 km] por geng, isto é, 20 a 30 km em duas horas. Usual era medir-se o percorrido usando uma pessoa do barco e deitando à água uma fileira de tábuas, se a pessoa chegava primeiro era conhecido por ‘bu shang geng’, mas se o pedaço de madeira ganhava avanço era ‘guo geng’. A distância navegada podia ser determinada calculando a diferença entre essas medições e a estimativa do geng, segundo nos explica Zheng Yi Jun.
A direcção da navegação da armada era na viagem guiada por a bússola e o geng (instrumento e unidade de medida de tempo e distância de viagem). Com céu limpo usava-se também a técnica da observação das estrelas ao longo do oceano para discernir melhor a posição do barco. As Cartas de Navegação de Zheng He continham compreensivas informações sobre Astronomia Náutica e registavam um amplo conhecimento do Céu.
Fundamental para a navegação era o estudo do Céu e aliando o conhecimento dos astros ganhava-se uma orientação para quem cruzava os oceanos. De uma maneira primária e útil, o Sol ergue-se de Leste ao fazer nascer o dia e seguindo a abóboda celeste põe-se a Oeste, terminando assim o dia solar. À noite media-se pela altura das estrelas as distâncias, conjugando-as com os rumos registados nas cartas e nessa navegação astronómica a armada de Zheng He viajou entre continentes.
O Mapa do Céu estava já bem desenvolvido no século IV a.n.E., quando Shi Shen (石申), que fixara 138 constelações e contara 810 estrelas e Gan De (甘德), que observara e fixara 118 estrelas e contara 511 estrelas em todo o Céu, registaram no livro Tianwen (天文, Astronomia, ou Modelo do Céu) a posição de 121 estrelas e as localizaram num anel armilar. Este foi aprimorado com outro anel no ano 84 por o astrónomo Jia Kui (贾逵, 30-101), a mostrar o movimento do Sol (a eclíptica) no Céu. A esfera armilar apareceu após o astrónomo Zhang Heng (张衡, 78-140) em 117 ter construído em bronze o Globo Celeste para mostrar os fenómenos astronómicos e nele gravou com precisão e nas proporções o Equador, os polos Norte e Sul e as estrelas, segundo as suas observações astronómicas e o ligou a um relógio de água, num mecanismo conduzido de forma ao globo rodar à medida do correr da água contra ele. No ano 125 acrescentou um terceiro anel à esfera armilar (浑天仪, Hun Tian yi) e o movimento interligado de cada, relacionado com os outros anéis, dava a posição esperada das estrelas a aparecer nos locais do Céu por onde se ia navegando.
Assim se foram reconhecendo em diferentes localizações as estrelas e constelações, tal como as suas posições. A Estrela Polar guiava no hemisfério Norte, descendo no horizonte à medida da aproximação à linha do Equador e já no outro lado apareciam novas estrelas e constelações, onde dominava o Cruzeiro do Sul, a orientar os barcos no hemisfério Sul.
O método mais utilizado na navegação oceânica era a orientação pelos astros e consistia no observar a altura da Estrela Polar para definir a posição das embarcações. Segundo Zheng Yi Jun, “A técnica de orientação pelas estrelas realizava-se através dum instrumento de observação chamado ‘Tábua de levar as estrelas’. Composto por 12 peças de tamanhos diferentes e de pau-preto, eram quadradas, sendo a maior [chamada de 12 Zhi] com 24 cm de lado, tendo a seguinte 22 cm, decrescendo sucessivamente dois centímetros até à peça menor que media 2 cm, [denominada 1 Zhi], havendo ainda uma peça de marfim com 6,66 cm de lado a que faltavam os quatro cantos.” (…) “Para usar a tábua, a mão esquerda segurava-a a meio de um dos lados, com o braço estendido, de modo a ficar num plano perpendicular em relação à superfície da água. O bordo superior da tábua colocava-se virado para a estrela em observação e o bordo inferior paralelo à linha de superfície do mar. Desta maneira, media-se a altura entre o astro e a superfície do mar. Conforme a altura do astro, escolhia-se de entre as tábuas até que uma delas tangesse o astro pelo bordo superior enquanto o inferior coincidia com a linha de superfície do mar. O número de Zhi da tábua utilizada equivalia à altura do astro. Se com uma tábua não se conseguisse a tangência, escolhia-se uma tábua maior. Observando-se através do seu bordo gravado em combinação com a utilização da peça de marfim [cujo comprimento dos seus lados era respectivamente ½, ⅛, ¼, ¾ do comprimento da peça com 1 Zhi do lado da ‘Tábua de levar da estrelas’] obtinha-se a medida angular (Jiao). Deste modo, conseguia-se o número Zhi e Jiao da altura do astro. Um Zhi (equivalente a 4 Jiao) nas dinastia Qin e Han equivalia a 1,9°, sabendo-se ser de 5 Zhi a maior distância angular entre Vénus e a Lua. A utilização combinada das tábuas e da peça de marfim permitia a medição angular com precisão, até meio grau. Se o astro observado fosse a Estrela Polar, obtinha-se primeiro o número de Zhi que se convertia na medida angular. Deste modo se achava a latitude do lugar.”
Já a técnica para calcular a profundidade do oceano era designada por ‘da shui’ e existiam dois métodos: o ‘xia gou’ e ‘yi sheng jie zhi’. O equipamento de medição não só calculava a profundidade como as condições à superfície, a determinar se era propício ancorar num determinado lugar, assim como avaliar as condições do chão do oceano.
A Bússola Marítima
Criada a partir da bússola magnética, originária do século IV a.n.E., também a bússola marítima foi, na dinastia Song, uma invenção chinesa do século XI. Era uma bússola feita num vaso de madeira com água onde se encontrava a boiar um caniço atravessado por uma agulha magnética a apontar sempre a direcção Sul. Gravados no bordo superior do vaso encontravam-se num círculo as 24 direcções, determinadas segundo a ordem de Tian Gan (天干) (10 Caules Celestes), Di Zhi (地支) (12 Ramos (12 Ramos Terrestres), Ba Gua (八卦) (8 Trigramas), Wu Xing (五行) (5 Elementos) e entre os 12 Zhi (Ramos Terrestres) intercalam-se 8 Gan e 4 Gua. Assim se determinavam as posições das 24 direcções, cada uma separada por 15°. Explicação de Zheng Yi Jun dada em “As técnicas de navegação nas armadas de Zheng He e a sua contribuição para a ciência náutica”, de onde nos socorremos para este artigo.
A teoria dos Cinco Elementos (Wu Xing, 五行): Madeira (木, Mu), Fogo (火, Huo), Terra (土, Tu), Metal (金, Jin) e Água (水, Shui)) partiu da ideia das cinco direcções (Leste (东, Dong); Sul (南, Nan); Centro/Meio (中, Zhong); Oeste (西, Xi); e Norte (北, Bei)), que conjugados são a base da composição de todas as coisas.
Os dez Caules Celestes (Tian Gan, 天干), combinação do yin e yang nos Cinco Elementos, dão: Jia (甲) Madeira, Leste – yang; Yi (乙), Madeira, Leste – yin; Bing (丙) Fogo, Sul – yang; Ding (丁) Fogo, Sul – yin; Wu (戊), Terra, Centro – yang; Ji (己) Terra, Centro – yin; Geng (庚) Metal, Oeste – yang; Xin (辛), Metal, Oeste – yin; Ren (壬), Água, Norte – yang; Gui (癸), Água, Norte – yin. Zheng Yi Jun refere, “Como Wu e Ji pertencem ao elemento Terra e a sua situação é, portanto, no centro, não indicando qualquer posição de direcção, desprezam-se, e daí serem utilizados apenas oito Gan (干) em vez dos dez.”
Os doze Ramos Terrestres (Di Zhi, 地支): o rato Zi (子), Água, Norte, yang; o boi Chou (丑), Terra, Centro/NorteNordeste, yin; o tigre Yin (寅), Madeira, Leste/LesteNordeste, yang; o coelho Mao (卯), Madeira, Leste, yin; o dragão Chen (辰), Terra, Leste/LesteSudeste, yang; a serpente Si (巳), Fogo, Sul/SulSudeste, yin; o cavalo Wu (午), Fogo, Sul, yang; o carneiro Wei (未), Terra, Centro/SulSudoeste, yin; o macaco Shen (申), Metal, Centro/OesteSudoeste, yang; o galo You (酉), Metal, Oeste, yin; o cão Xu (戌), Terra, Centro/OesteNoroeste, yang; e o porco Hai (亥), Água, Norte/Nortenoroeste, yin; correspondem a 12 posições de direcção do círculo no Feng Shui, usando-se aqui o nome dos animais apenas a sintonizar o leitor ao reconhecê-los nos anos do calendário chinês.
Serviam estes caracteres também para a marcação da duração do tempo que o Sol levava para dar uma volta à Terra. Quando o Sol se encontrava a Sul (180°) era a posição Wu, pelo contrário, quando se encontrava na posição 0/360°, era a posição Zi. Os caracteres ordenavam-se a partir de Zi, segundo o movimento dos ponteiros do relógio. Entre os 12 Zhi intercalavam-se 8 Gan (干) e 4 Gua (卦). “Para completar as 24 direcções, faltam as correspondentes aos quatro pontos colaterais (Noroeste, Nordeste, Sudeste e Sudoeste) designados com quatro posições de direcção de entre os 8 Gua (八卦): Qian (乾, simboliza o Céu), Gen (艮, montanha), Xun (巽, vento) e Kun (坤, Terra). As outras posições de direcção dos restantes 8 Gua são, Kan (坎, água), Li (离, o fogo), Zhen (震, o trovão) e Dui (兑, lago), a corresponder às posições de direcção Zi (Norte), Wu (Sul), Mao (Leste) e You (Oeste). Esta combinação deu as 24 direcções.
As 24 direcções
Quando o Sol se encontrava na direcção Norte (0/360°) é a posição Zi (子, Água, Norte, yang), correspondendo também ao gua Kan (坎, água). Já na direcção Leste (90°) está Mao (卯, Madeira, Leste, yin), onde ainda se posiciona o gua Zhen (震, trovão). Com o Sol a Sul (180°) está a posição Wu (午, Fogo, Sul, yang) ocupada também por o gua Li (离, fogo). Na direcção Oeste (270°) está You (酉, Metal, Oeste, yin), posição de Dui (兑, lago) do baguá.
Entre cada uma das quatro direcções cardinais estão registadas posições separadas por 15° e assim, após a direcção Norte nos 0° marcada por Zi (子), (Água, Norte, yang), aparecia nos 15° a posição de Gui (癸), (Água, Norte – yin), seguindo na posição 30° Chou (丑), (Terra, Centro NorteNordeste, yin). Vem depois a direcção do Nordeste, a 45° marcada por o gua Gen (艮, montanha). Aos 60° encontra-se Yin (寅), (Madeira, Leste/LesteNordeste, yang); aos 75° Jia (甲), (Madeira, Leste – yang); aos 90° na posição Leste, Mao (卯), (Madeira, Leste, yin), com o gua Zhen (震, trovão). A marcar os 105° aparece Yi (乙) (Madeira, Leste – yin) e aos 120° Chen (辰), (Terra, Leste/LesteSudeste, yang). Estando Jia entre Mao e Yin; Yi entre Mao e Chen; Jia e Yi, assim colocados, significam Madeira do Leste.
A direcção Sudeste em 135° com o gua Qian (乾, Céu); na marca de 150° está Si (巳), (Fogo, Sul/SulSudeste, yin) e a 165°, Bing (丙), (Fogo, Sul – yang). A 180° Wu (午) (Fogo, Sul, yang) marca a direcção Sul, tal como o gua Li (离, fogo). Já Ding (丁), (Fogo, Sul – yin) está nos 195° e Wei (未), (Terra, Centro/SulSudoeste, yin) nos 210°. Bing situa-se entre Wu e Si; Ding encontra-se entre Wu e Wei. Bing e Ding, assim colocados, significam o Fogo do Sul.
A 225°, direcção Sudoeste o gua Kun (坤, Terra); a 240° está Shen (申), (Metal, Centro/OesteSudoeste, yang); a 255° Geng (庚), (Metal, Oeste – yang); na direcção Oeste a 270° está You (酉), (Metal, Oeste, yin) e ocupando a mesma posição Dui (兑, lago) do bagua; a 285° encontra-se Xin (辛), (Metal, Oeste – yin); e a 300° Xu (戌), (Terra, Centro/OesteNoroeste, yang). Estando Geng colocado entre You e Shen e Xin entre You e Xu indicam o Metal do Oeste.
A direcção Noroeste marcada nos 315° é conhecida por o gua Xun (巽, vento). Na seguinte posição, a 330° aparece Hai (亥), (Água, Norte/Nortenoroeste, yin); a 345° Ren (壬), (Água, Norte – yang); a 360° Zi (子) (Água, Norte, yang), que marca a posição Norte (0/360°); segue a 15° Gui (癸), (Água, Norte – yin) e a 30° Chou (丑), (Terra, Centro/NorteNordeste, yin). Ren colocado entre Zi e Hai, Gui, entre Zi e Chou, indicam a Água do Norte.
Este tipo de bússola, embora denominada de 24 direcções, na prática tinha 48 direcções, pois divididos a meio os 15° tinha-se as direcções nos 7,5°. Utilizada para estabelecer “os rumos, se estes coincidissem com uma das 24 direcções da bússola, dava-se-lhes o nome de ‘rumo exacto’ ou ‘directo’. Se o rumo fosse definido numa posição não coincidente com uma das 24 direcções dava-se o nome de ‘rumos remendados’, significando uma direcção entre duas das 24.”
A importância da bússola marítima ser lida com precisão e correctamente para manter inalterada a rota definida, exigia para as bússolas um quarto especial, denominado Zhen Fang, e um experiente marinheiro, o Huo Zhang, com a específica função de as observar e ver o rumo a seguir.
Na dinastia Song, segundo Yan Dunjie, já as cartas de navegação indicavam as direcções da bússola marítima para levar a vários lugares, e daí chamadas Guias de Agulha, a significar ser um guia de navegação feito a partir da agulha magnética da bússola.
As cartas tinham registadas as direcções a tomar desde a saída do porto chinês até ao destino final e seu retorno, os tempos de navegação em cada direcção e quando na rota mudar de direcção.
Assim, com céu limpo ou nevoeiro se conseguia ter sempre o posicionamento dos barcos através das cartas náuticas e a ajuda da bússola marítima ligada a um relógio de água.
Yongle e a nova Beijing
Zhu Di governara Beiping desde 1380, quando as fronteiras do Norte se encontravam ameaçadas por constantes investidas mongóis, tendo-os vencido em 1390. Em 4 de Fevereiro de 1403, já como Imperador Yongle, proclamou passar Beiping a chamar-se Beijing (Capital do Norte), mobilizando mais de 136 mil famílias de Shanxi para ali viverem. A construção da nova capital começou em 1406, usando partes de Dadu, a capital da dinastia Yuan, e foi planeada com três divisões: a Cidade Proibida, onde se situava o Palácio Imperial; a Cidade Imperial, desde a Porta Wumen até à Porta Qianmen; e a Cidade Interior. Beijing, originariamente, tinha vinte portas, nove das quais para a cidade interior, sete nas muralhas da cidade exterior e quatro para a Cidade Proibida. Cada porta tinha a sua função: a Desheng recebia as tropas vitoriosas, a Anding assistia à partida das expedições militares.
Em 1407 iniciou-se a edificação do Palácio Imperial, com a ajuda de 230 mil trabalhadores especializados, entre habitantes locais e de todas as zonas do país. A Cidade Proibida tinha um perímetro de três quilómetros com um diâmetro no eixo Norte-Sul de 760 metros e de Oeste para Leste de 766 metros. Rodeada por muros com 7,9 metros de altura e um fosso na parte exterior a toda a volta, na parte Sul situavam-se os pavilhões onde o Imperador trabalharia nos assuntos do Estado e realizaria cerimónias e, na parte Norte, a zona da residência do Imperador, esposa e concubinas.
Na Cidade Interior foi na altura edificado o Templo do Céu, Tiantan, onde inicialmente eram venerados o Céu e a Terra. Enquanto prosseguiam as construções na cidade de Beijing, Yongle mandou reparar e dragar o Grande Canal para o tornar mais largo à navegação e facilitar o transporte dos cereais da zona de Jiangnan, o celeiro da China, de Hangzhou até à nova capital, ficando essa obra terminada em 1415. Também a Grande Muralha foi reforçada para proteger o território dos mongóis.
A transferência da capital de Nanjing para Beijing realizou-se no primeiro dia da primeira lua de Xin Chou (辛丑), 2 de Fevereiro de 1421, mas na noite do dia 8 da quarta lua desse mesmo ano, 9 de Maio, 19o ano do reinado de Yongle, devido a uma trovoada, três pavilhões da Cidade Proibida – o Salão da Grande Harmonia, o Salão da Harmonia Central e o Salão da Preservação da Harmonia – arderam, tinha já a armada partido para a sexta viagem marítima de Zheng He. Alguns oficiais criticaram junto do Imperador as expedições considerando ser o incêndio um sinal divino.
