Como Shi Rui viu a demanda do Imperador Amarelo

Xuan Yuan, o mítico imperador Amarelo, teve um dia a intuição de procurar um sábio para conversar sobre o Dao. Encontrou-o na montanha Kongtong, uma das montanhas sagradas do Daoísmo, situada perto da cidade de Pingliang na Província de Gansu, e chamava-se Guangchengzi, um nome composto de três caracteres que se podem traduzir como «Sábio da Vasta Transformação». No relato que o clássico Zhuangzi faz desse encontro, o imperador terá levado dessa conversação inúmeros livros e ensinamentos entre os quais quatro frases; duas na negativa; «não é aquilo que vês» (wushi), «não é o que escutas» (wuting), e duas positivas; «conserva o silêncio» (bijing), «conserva a pureza» (biqing).

Uma instrução que diz que o olhar pode enganar naturalmente fascinou os pintores que perceberam nessa formulação um indício de revelação de certos segredos da arte da pintura. Através dos dispositivos próprios da arte que esconde e dá a ver, alguns encenaram este encontro outros mencionaram só a ideia, em formas diversas de acordar a memória. Dai Jin (1388-1462) aludiu a esse relato pintando, num rolo vertical um homem, envergando os trajes próprios de um imperador, caminhando entre montanhas (cor e tinta sobre seda, 210,5 x 83 cm, no Museu do Palácio, em Pequim). Possivelmente se lhe perguntassem, o caminhante diria que estava à procura de nada, só assim poderia encontrar o Dao. Mas, na dinastia Ming, um pintor quis tornar visível, num discreto rolo horizontal aquele encontro, da ordem do sagrado, que Dai Jin só se atreveu a recordar por uma elipse.

Shi Rui, activo na primeira metade do século XV, nascido em Qiantang (actual Hangzhou, Zhejiang), foi um pintor da corte no tempo dos imperadores Xuande (1426-1435) até Jingtai (1449-1457). O seu meticuloso trabalho do pincel, herdeiro do estilo em voga nas dinastias Sui e Tang, seria reprovado pelos intelectuais amadores que buscaram a verdade da arte no puro traço caligráfico, e por isso foi sendo abandonada pelos cânones mas talvez mereça um novo olhar. Essa pintura (32 x 152 cm) que está no Museu do Palácio Nacional, em Taipé, é dela um significativo exemplo. Desenrolando-a vê-se, depois de uma construção mostrada em todos os seus sedutores detalhes, numa clareira a meio de uma montanha abruptamente inclinada, frente a frente os dois protagonistas. Um dos quais enverga um traje da cor qing, símbolo da transformação, está sentado num tronco de um pinheiro, rodeados por nove jovens servidores, o número do céu e da mutação. Continuando a observação do rolo para a esquerda, depois de um grupo segurando símbolos, chegaremos a avistar afundado entre a névoa um edifício, de novo com todos os seus pormenores mas que aqui, porque envolto em nuvens, não é inteiramente visível. Desconstruindo-se, dir-se-ia uma aceitação do enunciado do sábio: «não é o que vês.»

More From Author