Os vasos rituais de bronze chineses

A Idade do Bronze

Da Idade do Bronze fazem parte as dinastias Xia (c. 2100-1600 a.C.) que é considerada mítica pelos historiadores ocidentais dado não se terem encontrado até agora provas arqueológicas da sua existência, a dinastia Shang (c. 1600-1050 a. C.) e a dinastia Zhou (1046-256 a. C.). Tanto a nível material e tecnológico, como filosófico, social e político foi uma época de transformações profundas. Aperfeiçoaram-se os sistemas de canalização e de drenagem, assim como de aparelhos agrícolas. A noção de Estado e a estratificação social consolidaram-se. E teve lugar a emergência de um grande número de escolas filosóficas, como a de Confúcio, a do Dao e a de Mo Zi, entre muitas outras. A escrita surgiu neste período, primeiro em ossos e carapaças de tartaruga (甲骨文jiaguwen) e depois em objectos de bronze (铭文 mingwen ou 金文jinwen).

Embora a arte de trabalhar o bronze pareça ter sido importada de fora, floresceu durante três milénios e de modo magistral na região a que hoje chamamos China. Sendo esse metal mais resistente do que o jade e a cerâmica, o trabalho em bronze de vasos rituais foi então elevado a um patamar de excelência decorativa e sofisticação técnica sem rival em todo o mundo. Com efeito, ao invés do que sucedeu noutras civilizações antigas, os objectos em bronze mais importantes não eram ferramentas nem armas mas vasos rituais.

Denomina-se ‘bronzes rituais ou arcaicos’ os vasos utilizados em cerimónias funerárias e sacrificiais anteriores à formação do Império. Têm sido sempre encontrados em sepulturas (Fig.1), com a notável excepção dos que foram descobertos em duas fossas em Sanxingdui, e depois em Jinsha, província de Sichuan, onde se desenvolveram culturas com características distintas, com formas de arte e crenças religiosas próprias.

Os vasos de bronze (青銅器 qingtongqi) anteriores à formação do Império têm sido sempre objecto de enorme veneração por parte dos chineses, que lhes atribuem tradicionalmente uma origem mítica e poderes mágicos, como neutralizar influências nocivas e cozer alimentos sem a ajuda do fogo. O imperador Yi da dinastia Xia teria ordenado a fundição de nove tripés li decorados com representações das ​​características notáveis de cada uma das nove províncias para servirem como tributo. Esses nove vasos de bronze foram transmitidos de dinastia em dinastia como paládios do Império, mas acabaram por se perder logo no final da dinastia seguinte, a Zhou.

Na dinastia Song (960-1279 d.C.), publicaram-se catálogos notáveis acerca dos bronzes arcaicos, como o 考古圖Kaogutu, de 1092, em dez volumes e o 博古圖Bogutu, de 1123, em trinta volumes, depois de, no séc. IX, um deslocamento na corrente do Rio Amarelo ter revolvido a terra dos cemitérios reais de Anyang, no Henan, trazendo para a superfície os magníficos vasos em bronze da dinastia Shang (séc. XVI a 1046 a.C.). Os letrados chineses começaram de imediato a fazer um inventário, classificando as várias formas e tentando decifrar a função e o significado das peças e da sua ornamentação, além de copiaram as inscrições. E os artesãos do bronze e da cerâmica começaram a copiar esses objectos desenterrados, originando um novo estilo de gosto arcaizante. Este interesse chinês pelas antiguidades prosseguiria sem esmorecer pelas dinastias Yuan (1279 a 1368 d.C.), Ming (1368 a 1644 d. C.) e Qing (1644 a 1912 d.C.) adiante até chegar aos nossos dias.

 

Manufactura

Os vasos de bronze resultavam de uma liga de cinco a trinta por cento de estanho, dois a três por cento de chumbo, sendo o restante cobre, mas os valores variaram nas diferentes épocas e regiões. Extraía-se o cobre de minas subterrâneas ou a céu aberto, muitas delas localizadas em Tonglu, na província de Hebei. Acrescentava-se chumbo nas peças funerárias para facilitar o seu fabrico abaixo da temperatura de fusão assim como o trabalho de retoque da superfície. Uma vez terminadas, a cor das peças também variava, dependendo da quantidade de estanho da liga. A maioria, uma vez polida, apresentava um belo tom dourado claro (Figs. 2 e 3, que conservam ainda vestígios da cor original).

Todavia, com o tempo, grande parte das peças adquiria uma pátina, muito valorizada pelos apreciadores. De acordo com a composição do metal e das condições em que foram enterrados, a pátina varia do verde malaquita e do azul ao amarelo ou mesmo ao vermelho.

O fabrico dos bronzes rituais requeria grandes quantidades de metal e fornos de alta temperatura. No solo chinês abundavam os minerais e os metalúrgicos herdaram os fornos dos ceramistas do Neolítico. Estas condições favoráveis permitiram a produção de quantidades gigantescas de vasos de bronze na região. A produção era feita rapidamente, em série, sendo o trabalho era repartido entre vários metalúrgicos que trabalhavam em simultâneo. Só assim era possível responder à demanda por peças rituais de distintas formas e com diversas decorações.

Quanto à técnica de fabrico, os procedimentos variaram ao longo das gerações e também de uma área ou mesmo de uma oficina para outra, em função dos materiais disponíveis e do preço que os clientes estavam dispostos a pagar. A técnica que se descreve a seguir foi a mais utilizada nas dinastias Shang e Zhou. Seguia-se com o bronze o mesmo sistema que se utilizava no fabrico da cerâmica: moldes em secções (em geral, três) que podiam ser utilizados repetidamente (Fig. 4). Esta técnica de fundição do bronze era única no mundo antigo. Conseguiam-se efeitos tridimensionais recorrendo a diferentes moldes para as várias partes que compunham a peça e que eram posteriormente fundidos. Todo o processo era realizado com grande cuidado, de maneira a permitir a evacuação do ar e a evitar a formação de bolhas.

Começava-se por fazer o molde em argila. Sobre este primeiro molde aplicava-se uma nova camada de argila, que era dividida em várias secções. O número destas dependia do tipo de recipiente e da natureza dos motivos decorativos. Aplicavam-se mechas e respigas ao longo das extremidades das secções de modo a assegurar a junção perfeita das partes individuais. A espessura do molde interno era então reduzida para formar um intervalo entre as secções exterior e interior. A espessura do recipiente era determinada pela largura desse intervalo. Fechado o molde, abriam-se duas incisões na parte superior através das quais se vertia o metal em fusão. Para as asas, torcia-se uma corda que era colocada no local desejado. Cobria-se a corda com argila deixando uma abertura de modo a poder queimar a corda no seu interior. Uma vez esta queimada, despejava-se o bronze pela cavidade adentro. Para obter o objecto final, e uma vez o conjunto arrefecido, separava-se a argila do bronze. Rematava-se com um acabamento minucioso e um polimento de qualidade ímpar, tendo em conta os meios técnicos coevos. Para alguns vasos com formas e decorações mais complexas, como o 方鼎fangding, era necessário mais do que uma fundição. A decoração fazia parte do processo de fundição (Fig. 5). Primeiro desenhavam-se os motivos a tinta. O desenho não podia transbordar de uma secção para outra, devido ao risco do crescimento de rebarbas entre as secções.

Com a introdução da técnica da incrustação, a partir do séc. V a.C., no Período dos Estados Combatentes (475 a.C.-221 a.C.) da dinastia Zhou, recorria-se por vezes à técnica da cera perdida, tanto isoladamente como em associação com a técnica de moldes. Na técnica da cera perdida, a peça começa por ser preparada em cera, sendo depois revestida com um material cerâmico, formando um molde. Uma vez este aquecido e retirada a cera, o molde oco assim obtido é preenchido com o metal líquido. O processo de decoração era inverso: primeiro executava-se a decoração no molde interno e era depois impressa no molde externo durante a preparação das secções, o que permitia o trabalho em relevo. Em geral usava-se a técnica da cera perdida para decorações muito finas em alto-relevo ou saliências arredondadas e complexas.

 

Tipologias

Existiam mais de trinta tipologias de vasos rituais de bronze. Tanto as formas como a decoração dos vasos em bronze procediam maioritariamente da cerâmica do Neolítico autóctone. Nas estações arqueológicas, as formas e o número de bronzes variam. Certas formas e práticas estão mais associadas a determinadas épocas e a determinado tipo de túmulo, assim como a determinados locais, fruto de histórias e mundivisões distintas. A origem dos nomes dados aos recipientes rituais também varia. Algumas denominações encontravam-se inscritas em recipientes da dinastia Shang, outras são nomenclatura da dinastia Song e outras ainda foram determinadas mais recentemente por convenção.

Havia três tipos principais de recipientes de bronze: recipientes para alimentos, recipientes para vinho e recipientes para água. Entre os recipientes mais comuns para cozinhar alimentos encontrava-se uma variedade de tripés: o li, o ding, o tripé de corpo quadrado 方鼎 fangding, o 鬲鼎 liding e o yan. O li, de boca ampla e sem cobertura, servia para cozinhar cereais e carne e, a par da sua forma correspondente em cerâmica, são das tipologias mais antigas. Quanto ao ding, cuja forma derivava também da cerâmica do Neolítico, foi utilizado nos rituais chineses durante mais de três mil anos (Fig. 6). É o recipiente mais característico dos bronzes chineses e tem um corpo semiesférico e duas asas verticais através das quais se introduzia uma vara, evitando desse modo as queimaduras quando era retirado do fogo. Tanto as asas como as pernas foram evoluindo no sentido de uma maior complexidade e acrescentaram-lhe uma tampa circular na dinastia Zhou Oriental.

O fangding e o liding, um híbrido entre o li e o ding, são variantes deste último. O yan era utilizado para cozinhar alimentos ao vapor e compõe-se de uma parte inferior semelhante ao li, onde se colocava água, e uma parte superior semelhante a uma grande tigela que contém uma forma, fixa ou móvel, onde se colocava arroz ou cereais.

Para servir e conservar alimentos utilizava-se o gui, o dui, o fu, o xu, o yu e o dou, de formas circulares e com asas e tampas sobre uma base grande. Foram fabricados desde finais da dinastia Shang até ao Período dos Estados Combatentes da dinastia Zhou. O dou distingue-se facilmente dos demais devido ao pé sobre o qual o corpo globular assenta (Fig. 7).

Para aquecer bebidas havia os seguintes tripés de corpo largo e bicos por onde beber: o jue, o jiao, o jia e o he. O jiao assemelhava-se ao jue e era pouco comum. O he apresenta uma tampa.

Serviam-se bebidas e faziam-se libações no gu (Fig. 8), no zun, no 方彝 fangyi, no you, no guang ou gong, no hu, no lei e no bu. O gu apresenta uma bela forma de cálice e só foi utilizado na dinastia Shang e no início da dinastia Zhou. Há grande variedade de zun, tendo mesmo adquirindo uma forma animal (elefante, rinoceronte, carneiro, etc.). O fangyi (方彝) era um recipiente sacrificial quadrado importante, que exigia muita perícia na execução e na ornamentação (Fig.9).

Os you surgiram em meados da dinastia Shang, sendo provavelmente fruto de contactos então estabelecidos com regiões periféricas e mantiveram-se até ao período intermédio dos Zhou Ocidentais. O guang assemelha-se a um grande jarro em cuja tampa se representa a cabeça e o torso de um animal (tigre, búfalo, dragão…). Não corresponde a nenhuma forma anterior feita em cerâmica. Os hu foram profusamente fabricados durante toda a Idade do Bronze, tendo sofrido, no entanto, grandes modificações de acordo com as diferentes épocas (Fig.10).

Os recipientes destinados à água, que se distinguem pela forma horizontal muito aberta e plana, eram o pan, o yi e o jian. Estes últimos podiam alcançar um metro de diâmetro.

 

Erlitou 二里头 (sécs. XXI a XVII-XVI a.C.)

Foi com a cultura Erlitou da bacia do Rio Amarelo, oitenta e cinco quilómetros a oeste da actual cidade de Zhengzhou, em Henan, que surgiram os primeiros vasos de bronze para oferta de alimentos e para conter bebidas alcoólicas consumidas em cerimónias mágico-religiosas. Assim, desde o início que estes vasos foram quase exclusivamente confeccionados, não para fins utilitários, mas para o culto aos antepassados e cerimónias xamânicas. A morfologia derivava dos protótipos de cerâmica e, nesta fase, a manufactura era ainda rudimentar (Fig. 11). A decoração estava ausente ou escasseava, reduzindo-se a linhas e pontos. Com os bronzes, a cerâmica foi paulatinamente perdendo o prestígio, limitando-se ao usufruto quotidiano e ao fornecimento dos túmulos de defuntos de estratos sociais pouco abastados.

 

Dinastia Shang 商代 (c. 1766-1046 a.C.)

A dinastia Shang surgiu igualmente naquela que é hoje a província de Henan. Os reis (wang), eram por vezes designados também como xamãs superiores, pois tinham responsabilidades tanto militares como religiosas, protegendo a sociedade não só dos seus inimigos como dos poderes transcendentes que, se enfurecidos, podiam castigar a humanidade com desastres naturais e outros acontecimentos nefastos. O poder desta realeza constituída por xamãs assentava no reconhecimento da sua capacidade de comunicar com os antepassados, que habitavam com Di, a divindade suprema e com as demais divindades. Não se tratava dos seus antepassados pessoais, mas de antepassados tutelares da comunidade como antigos chefes, conselheiros e também divindades naturais.

Para aplacar os espíritos e os antepassados e com eles estabelecer pactos no intuito de conseguir paz, prosperidade e protecção, os reis conduziam rituais funerários relacionados com o culto dos espíritos e dos antepassados do clã. Durante esses rituais entravam em transe, cantando, dançando e cavalgando animais reais ou imaginários, além de consumirem alimentos e ingerirem quantidades avultadas de bebidas fermentadas. Para tanto, utilizavam recipientes para alimentos e bebidas, de uso exclusivo para estes rituais, e que continham oferendas de peixe e de carne para os antepassados, sendo muitos deles enterrados depois nos túmulos juntamente com os defuntos. Como os vasos serviam como instrumento para trocar favores entre os vivos e os mortos era mister que conseguissem impressionar os antepassados e as divindades no Além e que durassem por toda a eternidade. Sendo o bronze forte e resistente prestava-se bem a isso. Desde então, os vasos de bronze passaram a simbolizar o poder mágico da realeza guerreira. E essa realeza não só dominava o seu fabrico como atribuía a si própria o direito exclusivo de acesso aos depósitos minerais e às oficinas. Deste modo, os vasos de bronze são indissociáveis da elite Shang e do culto dos antepassados, algo que marcou desde então a mentalidade chinesa.

Os vasos de bronze eram coleccionados já a pensar no túmulo e o número com que os mortos eram enterrados correspondia ao grau de autoridade e prestígio que haviam gozado em vida. Os túmulos da realeza xamã eram, naturalmente, os mais elaborados e os que continham mais bens funerários e de melhor qualidade. Com alguma sorte, os túmulos das pessoas comuns e dos escravos poderiam contar apenas com um número reduzido de bens funerários de qualidade inferior. Já se encontrava formada a crença de que o defunto devia levar consigo para o mundo do Além aquilo que possuíra em vida, incluindo viaturas, escravos, assistentes, concubinas, prisioneiros e animais de estimação, ainda que se tratasse de elefantes. Dos rituais fazia também parte a oferta de sacrifícios de um grande número de seres humanos e animais aos espíritos dos antepassados. Os sacrifícios humanos foram sendo abandonadas nas dinastias posteriores e substituídos, até à dinastia Ming (1368-1644 d.C.), pelo costume de colocar nos túmulos miniaturas, em geral de cerâmica, das posses do defunto e daqueles que com ele tinham convivido, os chamados 明器 mingqi.

Na fase inicial dos Shang, com a cultura Erligang (二里岗, sécs. XVII-XVI a XIV a. C.), em Zhengzhou, deu-se o aparecimento de numerosas tipologias, grande parte vasos para líquidos e bacias para água. A manufactura era mais elaborada do que em Erlitou, os vasos apresentando maiores dimensões e com as paredes mais finas. A decoração era ainda grosseira e pouco relevada, longe do refinamento posterior da fase de Anyang. A partir de meados da época Erligang, decoravam-se os bronzes com espirais, com nuvens e com formas zoomórficas e ainda máscaras de animais mitológicos, como o dragão gui e o taotie de que adiante se falará com maior vagar. No entanto, em comparação com os extraordinários bronzes do período Anyang tratava-se ainda de versões simplificadas e frustes. Em Erligang, o copo de libação jue, por exemplo, era atarracado, com fundo plano, sem alça e fundido numa liga de baixa qualidade (Fig. 13), quando em Anyang é esbelto e elegante, com fundo arredondado, com um bico curvo e gracioso, com alça lateral e dois “chifres” proeminentes (Fig. 14). A mesma natureza rudimentar está presente noutros vasos como os tripés ding e jia, o gu, o lei e o pan.   

De acordo com fontes históricas chinesas, por volta do ano 1300 a.C. o rei Pan Geng da dinastia Shang transferiu a capital para Yin, local onde permaneceria durante os 255 anos seguintes. A estação arqueológica de Yin Xu (ruínas de Yin) situa-se a cerca de quinhentos quilómetros a sul de Pequim, perto da cidade de Anyang. Foi essa a idade de ouro da cultura Shang. Foi em Yin Xu que se descobriram vários túmulos e palácios reais assim como, em 1975-6, o único túmulo de um membro da família real da dinastia Shang que permaneceu intacto, nunca tendo sido saqueado, o túmulo da princesa 妇好Fu Hao, hoje um dos tesouros nacionais da China. Além de ser uma das três consortes mais importantes do rei 武丁Wu Ding, o 21º rei da dinastia Shang, que contava com sessenta e quatro no total, Fu Hao foi uma suma-sacerdotisa e uma guerreira vitoriosa que desempenhava as funções de general, participando em campanhas e governando o seu próprio território. No túmulo de Fu Hao encontraram-se 1 928 objectos funerários, entre os quais 468 objetos de bronze, incluindo cento e trinta armas, vinte e três sinos, vinte e sete facas, quatro espelhos e quatro tigres ou cabeças de tigre, e ainda 755 objectos de jade, sessenta e três objectos de pedra, cinco objectos de marfim, 564 objetos de osso, entre eles cerca de quinhentos ganchos de cabelo e mais de vinte pontas de flecha de osso, onze objectos de cerâmica e 6.900 peças de concha. O nível inferior do túmulo abrigava o cadáver real sob o qual se encontrava uma pequena cova que continha os restos mortais de seis cães. Ao longo do perímetro, jaziam os esqueletos de dezasseis seres humanos.

Ostentando tanto na forma como na decoração uma qualidade de topo, os vasos de bronze do período Shang tardio encontrados em Yin Xu são verdadeiras obras-primas, associações perfeitas de tecnologia avançada com um domínio ímpar das artes da escultura e da pintura. Já se fazia produção em grande escala de vasos de bronze rituais e estes apresentam um aspecto maciço, imponente, que impressiona pelo mistério e autoridade. Para tanto contribui a decoração muito densa e elaborada, tendendo a cobrir toda a superfície e variando desde padrões geométricos a figuração proveniente do reino animal e da mitologia.

 

A decoração Shang

Enquanto mediadores entre o mundo dos mortos e o mundo dos vivos, os reis-xamãs faziam oferendas os antepassados e às divindades de animais (wu, termo usado para designar “oferendas animais” ou “animais com poder”) e de recipientes rituais (qi). Assim, os animais representados nas decorações dos bronzes, tanto reais como mitológicos, eram provavelmente considerados benéficos e aptos a ajudar os reis na comunicação com o Além. Eram esses mesmos os animais, quando reais, que eram sacrificados nos rituais. Os seus espíritos libertavam-se então do corpo podendo assim realizar o transporte ascensional do rei até ao reino superior.

Trata-se de dragões, fénixes (mensageiras dos deuses), rinocerontes, corujas (muito importantes para os Shang, tida como a ave que fazia a ponte entre vivos e mortos), lebres, peixes (que se podiam transformar em dragões imperiais), pássaros, serpentes (símbolo de transformação e renascimento), elefantes (um dos motivos mais raros e, portanto, mais preciosos das decorações Shang), veados, sapos, bois, búfalos de água, carneiros, tigres, ursos, cavalos, javalis, tartarugas (símbolo auspicioso de longevidade, mediadora entre os mundos humano e divino), bichos-da-seda (símbolos de metamorfose e de bom augúrio) e cigarras, que serão um elemento predominante na decoração da dinastia Zhou, símbolo de pureza, ressurreição e comunicação com os espíritos dos antepassados.

No Hunan, onde se desenvolveu uma cultura com determinadas características próprias, encontraram-se bronzes onde surgem figuras humanas acompanhadas de figuras animais. O animal assemelha-se a um tigre. A bocarra encontra-se aberta e, sob ela, surge uma cabeça ou corpo humano (Fig.15). é possível que não se trate do acto de devorar, uma vez que a cabeça não se encontra no interior da boca do animal. Num dos vasos, o homem, provavelmente a representação do xamã, parece mesmo abraçar o animal. A bocarra aberta poderá significar antes a separação entre o mundo dos vivos e dos mortos. Também se acreditava que os animais expelissem sopros através da boca para ajudar o xamã a ascender ao plano superior. Ainda no Hunan encontrou-se um vaso fangding com quatro máscaras humanas (Fig.16). São igualmente dignas de nota ​​as máscaras de rostos humanos como motivos decorativos desenterradas em Liulihe.

No final da dinastia Shang, criaram-se efeitos plásticos surpreendentes através da tridimensionalidade da decoração. As figuras de animais já não são gravadas mas moldadas em recipientes que configuravam verdadeiros objectos esculturais, sem prejuízo da sua função (Fig. 17). Essa tendência foi retomada na dinastia Zhou.

 

O 饕餮taotie e os dragões gui

Motivos recorrentes na decoração dos vasos de bronze da dinastia Shang são o taotie, os dragões gui e o padrão do trovão雷文 leiwen, este último o ornamento decorativo secundário mais frequente dos vasos Shang e do início dos Zhou Ocidentais.

O taotie é uma máscara estilizada onde se identificam chifres, crista, garras, que são apresentados separados do corpo por deformação, ao ponto de se tornarem quase irreconhecíveis. Encara fixamente o observador, o que provoca a sensação de algo inquietante pairando no ar. Acredita-se que esse olhar hipnótico assinala a presença de poderes mágicos (Fig.18). Além de estar associado ao xamã e à comunicação com o Além, é possível ainda que o taotie simbolizasse o caos primordial de onde brota a vida e que a traga de novo. A expressão 饕餮食人taotie shiren, “taotie devorador de homens”, surge na obra 呂氏春秋Lüshi Chunqiu (Os Anais da Primavera e de Outono do Senhor Lü), compilada no séc. III a. C., e foi retomada pelos antiquários chineses. A partir da dinastia Song, os antiquários começaram a chamar taotie à figura e vendo-o como o glutão que devorava os alimentos e os levava para o mundo dos espíritos. O primeiro caracter de taotie, , é composto pelo determinativo “comer” , e de hao , “chorar” ou “rugir como o vento” e pode significar tanto “ferocidade” como “avidez”. O segundo caracter, também tem como determinativo, “comer”, a que se junta tian, , “aniquilar” “exterminar” e significa “devorar completamente”.

As decorações de animais e máscaras taotie ocorrem muitas vezes em parelhas, dispondo-se simetricamente na superfície do objecto. O ornamento mais básico era uma banda que rodeava o recipiente. Era dividida em unidades através de saliências, cada unidade contendo um dragão gui de perfil. Se a cabeça deste apontava para a esquerda, no espaço seguinte apontava para a direita. Observado a partir da linha central, os dois perfis podem ser descritos tanto como uma única criatura dividida em duas metades ou como duas criaturas unidas pela linha mediana da face.

Nos recipientes em bronze mais antigos, o taotie aparece repetido pelo menos duas vezes no interior de bandas em relevo acentuado nos ombros e nos lados. Depois de 1300 a. C., a tendência foi para aumentar a área da decoração do taotie até ocupar toda a superfície do recipiente. A máscara sofreu uma expansão e foi, por vezes, desmembrada, com os chifres, a crista, as garras, sendo separados do corpo por deformação, preenchendo-se os interstícios com espirais “padrão do trovão”, leiwen.

À medida que a figura do taotie se estilizava cada vez mais, os gui puderam ser dele separados, mostrando-se adequados para preencher as bandas decorativas mais estreitas no pescoço ou nos pés dos recipientes ou mesmo sob a forma de pernas e de alças dos vasos e com uma aparência mais ou menos estilizada (Fig. 19).

De acordo com o 說文解字Shuowenjiezi, do séc. II, designa-se por gui o espírito divino que se assemelha a um dragão sobre um só pé e o 山海經Shanhaijing, do séc. II a.C., informa que gui é o espírito divino que “quando penetra ou emerge da água haverá tempestade. Brilha como o sol e a lua e a sua voz soa como um trovão.” Com o dragão long, que é um dragão gui com duas pernas e patas, o dragão gui simboliza as forças devastadoras do cosmos, como a seca, as inundações, os incêndios e as epidemias.

 

Sanxingdui 三星堆 (c.1700-1150 a.C.) e Xingan新干 (c.1200 a.C.)

Em 1986, foram descobertos em sete fossas sacrificiais vestígios da grande cultura de Sanxingdui, na província de Sichuan. Nas fossas 1 e 2 desenterraram-se cabeças e máscaras de bronze mas, ao invés do costume, não se encontravam em túmulos. Tratava- se de objectos nunca vistos, com uma iconografia única no seu género: cabeças e máscaras com olhos salientes e ainda uma figura humana com mais de dois metros e meio de altura contando com o pedestal (Fig. 20).

Embora a iconografia fosse singular, a técnica de fabrico de bronzes em Sanxingdui era análoga à anteriormente descrita. Algumas das cabeças e máscaras são recobertas de ouro, que era apreciado sobretudo pelos povos das estepes e não tanto pelos chineses. Supõe-se que estas personagens representassem divindades ou os antepassados reais do clã, ou uma fusão de ambos, como sucedia com os Shang. Sanxingdui veio contrariar a visão clássica de que a civilização chinesa se desenvolveu unicamente a partir das Planícies Centrais, consideradas “o berço da civilização chinesa”. Estas peças extraordinárias mereceriam um artigo só a elas dedicado e não é possível aqui discorrer mais sobre elas.

E em Xingan, no Jiangxi, também se descobriram vestígios de uma cidade e 1361 relíquias, entre as quais 475 peças eram bronzes rituais. Apresentam igualmente características originais devido talvez a se terem ali estabelecido contactos com regiões longínquas. Em comparação com a fase Erligang e Anyang, os bronzes de Xingan diferem dos bronzes da Planícies Centrais, mais uma vez demonstrando que existiram formas de arte e crenças religiosas altamente sofisticadas que se desenvolveram de forma independente na região.

 

Dinastia Zhou 周代 (1046-256 a. C.)

A corrupção e dissipação que grassava entre os Shang tardios repugnava o estado vassalo de Zhou. Este formou então uma aliança com outras casas territoriais e mesmo com etnias tradicionalmente rivais para derrubarem os Shang. O governante Wen do estado de Zhou era tão poderoso que controlava dois terços dos territórios dos Shang nesses anos de declínio. Wu, filho de Wen, capturou Anyang em 1027 a.C.. O sucessor de Wu, Zhen Wang, o duque de Zhou, dividiu os domínios dos Shang por outros vassalos, permitindo embora que os descendentes dos Shang governassem um pequeno estado de modo a poderem prosseguir com os sacrifícios aos antepassados.

Ao contrário da sociedade Shang, onde o rei detinha uma autoridade indiscutível sobre uma sociedade que era etnicamente homogénea, os Zhou formavam uma aliança. Era difícil, por isso, alcançar o mesmo tipo de autoridade e houve que proceder a uma reforma das instituições sociais, religiosas, militares, económicas e administrativas. Os Zhou resolveram então difundir uma nova doutrina, a doutrina do Mandato do Céu, segundo a qual os reis não estavam investidos de natureza divina, como sucedia entre os Shang, mas eram apenas representantes do Céu na Terra, Filhos do Céu (天子 tian zi), designação que viria a ser utilizada por todos os soberanos subsequentes. Caso os Filhos do Céu não executassem a vontade do Céu, ou seja, não se mostrassem justos e preocupados com o bem-estar dos seus súbditos, a governação podia ser-lhes retirada.

Esta mudança de perspectiva repercutiu-se no conjunto da sociedade, nas cerimónias e nos rituais. A corte Zhou levava a cabo rituais elaborados. Ao amanhecer e ao anoitecer, o rei realizava audiências, costume que se manteve até 1912, quando a república foi implantada na China. A partir da época de Mu Wang (947-928 a.C.), redigiam-se as ordens do dia em tiras de bambu que passaram a ser preservadas lançando-as em vasos rituais de bronze.

Prosseguiram os cultos dos antepassados e de 上帝Shangdi, o Imperador do Alto, embora este último fosse sendo substituído pelo de Céu (tian), que o incorporava. Pelo menos durante a primeira fase desta dinastia, prosseguiram também os sacrifícios humanos e animais. Mas enquanto nos túmulos dos Shang abundavam os vasos de bronze para vinho, que brilhavam pela complexidade formal e decorativa, nos dos Zhou rareavam. Os Zhou atribuíam a queda da dinastia anterior ao consumo excessivo de álcool nos banquetes, rituais e sacrifícios e proclamaram o 酒誥Jiugao, o “Anúncio sobre o vinho”, que se encontra no 尚書Shangshu, O Livro dos Documentos. O número de vasos rituais para vinho, como o jue, o gu, o jia, o zhi, assim como variedades do zun, sofreu reduções drásticas, até desaparecerem por completo. O zhi e o you caíram igualmente em desuso no final da dinastia. Tudo isto sugere que a ingestão cerimonial de vinho, um líquido escuro feito a partir de painço fermentado, diminuiu. Não obstante, introduziram-se tipologias novas de vasos para vinho, como os xu e os fu, e o方彝 fangyi (Fig. 21) de formato cúbico.

De modo inverso, aumentou o número de vasos para cozinhar e armazenar alimentos, como os tripés dinggui. Em meados do período Zhou Ocidental (1045-771 a.C.) deram-se algumas mudanças estilísticas. Por exemplo, o tripé ding tornou-se mais baixo, mais largo e maior. As alças, que principiavam anteriormente no topo da borda, passaram a ser fixadas na parte superior do corpo. Os tripés ding apresentavam pés em forma de cascos que sustinham num corpo lobolado, uma fusão do li tradicional com o ding. E adicionou-se uma grande base quadrada ao gui (Fig. 22), que se tornou num vaso padrão, a partir do qual se obteve o impressionante 方座簋fangzuo gui

Os bronzes continuaram a ser símbolos de prestígio político, de riqueza e de poder, mas tanto os recursos materiais como humanos para o seu fabrico foram reduzidos. A partir do Período dos Estados Combatentes (476-221 a.C.), os reinos desfragmentaram-se e os bronzes foram-se paulatinamente secularizando e perdendo o seu significado ritual e valor mágico-religioso, tendência presente desde a primeira fase da dinastia Zhou Ocidental (1046-771 a.C.). Isto veio a reflectir-se na forma, decoração e uso dos vasos. Alguns deles assumiram novas funções de uso quotidiano ou de teor comemorativo, por exemplo, fazendo parte de cerimónias de doação e concessão de terras.

No final do período Zhou Ocidental e no Período da Primavera e do Outono (770-séc. V a.C.), implantou-se o sistema de conjuntos de vasos列鼎 lieding, que consistia em fabricar vários vasos idênticos mas de diferentes tamanhos. O regulamento previa os conjuntos que deviam ser colocados em determinado lugar nas cerimónias, alinhando-os em séries de acordo com o estatuto do defunto. Ao rei cabiam nove tripés ding, aos governantes regionais cabiam sete, aos ministros e grão-mestres cinco, aos 元士yuanshi, os militares de alta patente, três, e aos militares de baixa patente, um. O sistema numérico dos vasos gui seguia o grupo de números yin, os pares: oito para o rei, seis para os governantes regionais, quatro para os grão-mestres e assim por diante. Também se aplicava este sistema numérico a outros objetos, como o li e o you, e ainda aos sinos de bronze. Todavia, nem sempre se respeitou o número estipulado de vasos sacrificiais para exibição do estatuto. Os últimos governantes regionais fizeram-se acompanhar de mais bronzes sacrificiais do que era permitido. Também havia formas que estavam mais associadas à nobreza, como os dou e os hu (Fig. 23), e outras que estavam mais associadas às classes baixas, como os lie os guan

A partir de 850 a.C., a qualidade dos objectos funerários deteriorou-se. Fabricavam-se amiúde peças disfuncionais, por exemplo, com tampas inamovíveis, moldadas juntamente com o corpo do recipiente. Havia uma óbvia preocupação com a poupança. A decoração, ainda que exuberante, também se simplificou no sentido de se limitar a um repertório reduzido de motivos.

No período dos Zhou Orientais (771-256 a. C.) adicionou-se o fou (Fig. 24), o ling e o dan, uma vasilha de corpo largo, gargalo estreito e alças em argola, o jarro yi, e o ju, um prato rectangular com uma tampa que configurava outro prato quando invertida.

No final da dinastia Zhou, para além de vasos e armas em bronze fabricavam-se fivelas, espelhos, instrumentos musicais e moedas. As fivelas e espelhos são as peças que melhor representam a mudança qualitativa de finais da Idade do Bronze, que coincidiu com o aparecimento do ferro. As fivelas, em grande variedade de tamanhos, eram objectos de uso comum e ostentavam formas de animais. Os espelhos, de forma circular e ornamentação variada, mantiveram a sua tipologia até ao séc. XIX.

 

A decoração Zhou

Em geral, a decoração dos Zhou era menos densa e laboriosa do que a dos Shang. Na fase inicial dos Zhou, decoravam-se os bronzes rituais com os mesmos animais do que os Shang, com ênfase para cabras e búfalos asiáticos, mas também o taotie e o dragão gui. A máscara taotie foi depois passando para segundo plano, dando lugar a outros motivos, como bandas em sulcos resultantes do motivo de grandes pássaros muito estilizados de bico proeminente, crista elaborada e longa cauda que decoravam o fundo ou formavam saliências plásticas em diversas partes dos vasos, um desenvolvimento que se deu a partir de meados do séc. X até meados do séc. VII a.C. (Fig. 25). Capazes de voar, os pássaros eram veículos de acesso ao céu e às esferas superiores, ao mundo sobrenatural. Estavam associados ao ritual no qual se pedia mudanças climáticas. Podiam representar ainda a viagem espiritual do morto ou do próprio xamã.

No período Zhou intermédio, e depois da contenção do início da dinastia, ressurgiu a ornamentação exuberante. Os animais eram retratados de uma forma mais natural, mais viva e mais cómica do os dos Shang, que exibiam uma aura misteriosa e mesmo aterradora. Por vezes, os vasos do tipo zun representavam escultoricamente a forma de animais, como um elefante, animal que se tornou então tornaram-se frequente, patos ou corujas (Fig. 26).

No final dos Zhou Ocidentais, certos motivos característicos dos Shang, como a cigarra, as “lâminas ascendentes” e o pássaro de cauda longa desapareceram, sendo substituídos por escamas verticais e horizontais, padrões sinuosos e listas verticais. Com efeito, uma tendência presente tanto entre os Zhou Ocidentais (sécs. XI-XII a 770 a.C.) como Orientais (770 a 256 a.C.) foram os motivos puramente geométricos em onda, espirais e outros.

Nos bronzes Shang e nos primeiros bronzes Zhou, o relevo é muitas vezes profundo e preciso, sendo fácil distinguir entre os motivos principais e o fundo. No período Zhou tardio (c. 600-200 a.C.) a decoração tornou-se plana e recorria-se a desenhos geométricos e a incrustações. Com efeito, as técnicas de fundição e trabalho em metal conheceram desenvolvimentos, tendo o repertório decorativo aumentado graças à introdução da incisão, da cinzelagem, da douradura e da incrustação a prata, ouro, cobre, malaquita e turquesa (Fig. 36). A representação de animais reais e fantásticos ganhou novo alento e foi reintroduzida a máscara taotie, muitas vezes combinada com dragões gui que se entrecruzam.

Um desenvolvimento muito importante foi a introdução de inscrições (銘文mingwen金文jinwen). As inscrições surgem muito breves ainda sob os Shang (séc. XIII a. C.). Situavam-se no interior do recipiente, na base, nas asas, no pescoço. De início, tratava-se apenas de dois ou três caracteres que designavam um clã.

Com os Zhou, as inscrições aumentaram em número e em extensão, tendo desempenhado um papel importante nos vasos de bronze do período Zhou Ocidental e dando origem a uma documentação de valor histórico inestimável (Fig. 38). Calcula-se que existam mais de três mil bronzes Zhou contendo inscrições, algumas com cerca de quinhentos caracteres. Informavam acerca do nome do autor do vaso, do nome do proprietário, do nome do antepassado seguido pelo caracter fu (pai), adicionando ainda um símbolo do calendário e a designação do vaso, em geral precedido de bao (precioso). Podem depois relatar expedições militares, caçadas, cerimónias e compromissos oficiais e histórias de família.

 

Dinastia Han 汉代 (206 a.C.- 220 d.C.)

Na dinastia Han, o trabalho em bronze tornou-se cada vez mais dispendioso e raro devido à popularidade da laca. Os vasos rituais foram simplificados e perderam valor como veículo para o mundo sobrenatural. A qualidade também baixou ostensivamente, excepto nas peças destinadas a uso imperial. Não obstante, introduziram-se novas tipologias de objectos rituais, como o博山爐 boshanlu, um incensório com a forma dos cumes das montanhas sagradas dos Imortais, amiúde decorado em relevo com figuras de animais, caçadores e vegetação.

Dignos de menção são ainda os espelhos de bronze da dinastia Han que derivam das tradições do período dos Reinos Combatentes em Luoyang e Shouzhou. Atribuíam-se qualidades mágicas a estes espelhos de bronze e de forma circular, com inscrições e símbolos no verso, como afastar influências nefastas e tornar visíveis os espíritos ocultos. Apresentam motivos como dragões enrolados e espirais. Os chamados espelhos TLV, ostentam uma saliência central rodeada por um quadrado com doze saliências menores a separar os caracteres relativos aos doze Ramos Terrestres. As formas em T, L e V encontram-se numa zona circular adornada com figuras de animais que, com a quinta zona central, simbolizam as Cinco Fases, 五行 wuxing, ou seja, madeira, metal, água, fogo, terra.

O fabrico de objectos de luxo em bronze para uso quotidiano aumentou. O bronze converteu-se assim num suporte para decorações profusas, como incrustações de ouro, prata, pedras preciosas e semi-preciosas (Fig. 27).

Nos túmulos dos Han encontrou-se um grande número de arreios e acessórios para carruagens, espadas e facas, espelhos e fivelas para cintos, lâmpadas (Fig. 28) e outros utensílios de bronze, grande parte incrustada com ouro ou prata, turquesa ou jade. O único motivo tradicional que se manteve na decoração foi o taotie.

 

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