O gesto de uma inesquecível heroína

Ban Zhao (45/49-c.117/ 120), a historiadora que continuou a obra do seu pai Ban Biao (3-54) e do irmão Ban Gu (32-92), na escrita do grande Livro dos antigos Han, Qianhan Shu, fazendo do seu ofício da memória um assunto de família, seria objecto de múltiplas figurações que a tornaram mais próxima de sucessivas gerações que desejaram olhar o rosto da pessoa de quem recebiam o testemunho.

Jin Tingbiao (?-1767), pintor próximo do imperador Qianlong, retratou-a a partir de um facto da sua história que refere as suas frequentes chamadas à corte. Nessa pintura, a historiadora — casada com o alto funcionário Cao Shou e por isso também lembrada como Cao Dagu, «a venerável Senhora Cao» — está sentada com um pincel na mão, ensinando (tinta e cor sobre papel, no Museu do Palácio em Taipé).

Ela está no canto de uma sala aberta por duas janelas de onde se entrevê um jardim significante com rochas de literatos e uma ameixieira em flor, rodeada de duas senhoras e crianças. De uma das janelas em forma de lua passa uma criança, uma outra ao colo estica o braço, provocando sobressaltos que aproximam a cena do observador.

Mais tarde a senhora Cao Zhenxiu (1762-1822) recordou-a num de dezasseis poemas sobre mulheres que não deveriam ser esquecidas, confiando ao pintor Gai Qi (1773-1828) as respectivas ilustrações. Nesse álbum (tinta sobre papel, 24,8 x 16,8, no Metmuseum), o pintor imaginou-a também sentada a uma mesa, com duas senhoras que chegam com livros para juntar aos que já se encontram sobre a mesa. Segura na mão esquerda um livro aberto, com a outra mão juntando o polegar e o dedo médio, numa posição subtil e elegante, semelhante a um daqueles gestos que fazem a ligação entre o corpo e a mente transmitidos pelo Budismo, designados mudras (shouyi), neste caso o shunya mudra que alude à tranquilidade que brota do vazio. Um gesto que se apreciará noutras biografias pintadas, um género que alcança grande popularidade num álbum de xilogravuras publicado em 1694.

Jin Shi, também conhecido como Jin Guliang (c.1625-95), é o autor das figuras pintadas e dos poemas desse livro que conta as biografias de quarenta personalidades notáveis através da História, homens e mulheres entre elas, Ban Zhao. Em Wushuang pu, «Registo de heróis incomparáveis», são assinaladas individualidades que viveram entre a dinastia Han (206 a. C.- 25 a.D.) e a dos Song (1127-1279). Jin Guliang, com outros pintores como Chen Hongshou ou Cui Zizhong, fez parte do ressurgimento da pintura de figuras humanas tal como fora praticada por artistas como Zhou Wenju (act. 942-61).

As pinturas gravadas por Zhu Gui (1644-1717) seriam depois modelos reproduzidos em pinturas e porcelanas. Na de Ban Zhao ela está só, sentada numa cadeira decorada, na mão esquerda o livro aberto, a direita repete aquele gesto delicado que acalma.

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