Introdução
O início da história da arquitectura chinesa remonta ao Neolítico, como o comprovam documentos escritos que datam de 2000 a.C., além da descoberta de vestígios de construções na bacia dos rios Huanghe (Rio Amarelo) e Changjiang (Rio Iansequião). Tratava-se de áreas onde a pedra para construção escasseava mas onde a madeira abundava. A madeira é fácil de transportar, de trabalhar e de gravar. Só a partir do séc. XV d. C. é que se viria a substituir a madeira por muros sólidos de cantaria nos edifícios mais representativos, como sucede com a Cidade Proibida, em Pequim. Todavia, dado que a madeira é um material perecível, apenas um número diminuto de edifícios construídos na China na época anterior à dinastia Ming (1368-1644 d.C.) permaneceram intactos até hoje.
Tradicionalmente, não se considerava a arquitectura uma arte maior como as que estavam associadas ao pincel: pintura, caligrafia, literatura. A arquitectura tendia a obedecer a padrões determinados, que eram relativamente simples e permaneceram praticamente inalterados durante mais de quatro mil anos. Com efeito, encontra-se o mesmo sistema de construção em toda a vasta área de influência cultural chinesa, do Xinjiang ao Japão, da Manchúria ao norte do Vietname.
As características básicas deste sistema, ainda hoje utilizado, consistem numa plataforma elevada que serve de base a uma estrutura cujo esqueleto são colunas de madeira (柱子, zhuzi) espaçadas regularmente e vigas transversais horizontais (横梁 hengliang) que, por sua vez, suportam um telhado inclinado com beirais salientes. Este esqueleto oferece uma liberdade total no que toca a paredes e fenestração. Além disso, através de um simples ajuste da proporção entre paredes e aberturas, permite construir casas práticas e confortáveis em qualquer clima. Os chineses conseguiram conceber, portanto, uma arquitectura que não só é muito bela, como extremamente eficaz.
A literatura
O primeiro documento directamente relacionado com a arquitectura que se conhece na China é muito breve e intitula-se Yingshanling 营缮令, Regras para construção e reparação. Data de cerca do ano 700 d.C., na dinastia Tang (618-907). Entre outras matérias, fornece informação acerca da relação entre a arquitectura e a estratificação social. O Mujing木经, O Clássico da Madeira, foi escrito na segunda metade do séc. X por Yu Hao, um arquitecto famoso pela construção de pagodes. É o manual de carpintaria mais antigo que se conservou até hoje. Debruça-se já sobre a concepção chinesa de uma arquitectura por módulos.
A obra mais importante no que à arquitectura diz respeito é o manual oficial de construção de edifícios, o Yingzao fashi 營造法式, Normas de Construção. Profusamente ilustrado, foi compilado por Li Jie, superintendente de construção da corte do Imperador Huizong que governou de 1101 a 1125, na dinastia Song (960-1279). Foi uma encomenda do imperador Shenzong de cerca de 1071-1074. Com a publicação do Yingzao fashi, o governo pretendia controlar melhor os gastos do Ministério da Construção ao fornecer aos arquitectos, construtores e mestres carpinteiros as ferramentas para exercer um controle preciso sobre o processo de construção do conjunto de obras públicas. Sob a forma de textos, ilustrações, esquemas, tabelas e fórmulas, o Yingzao fashi fornece instruções para a construção padronizada de edifícios característica da tradição arquitectónica chinesa. Li Jie demorou quase trinta anos a redigi-lo, concluindo-o em 1103, o que implicou ainda o governo de mais dois imperadores.
O Yingzao fashi foi amplamente divulgado por todo o império. A reimpressão definitiva remonta a 1145. Em 1925, como resultado de décadas de trabalho de um grupo de investigadores chineses, japoneses e ocidentais, foi dada à estampa uma edição sumptuosa em papel de arroz. Consiste em oito volumes e segue o mais fielmente possível a obra original, desenhando de raiz na forma e na cor algumas ilustrações em mau estado de conservação.
O Yingzao fashi conta com trinta e quatro capítulos, treze dos quais se debruçam sobre as regras para o projecto de fundações, fortificações, alvenaria e talha ornamental, “grande carpintaria” (esquadrias estruturais, colunas, vigas, lintéis, suportes, terças, caibros, etc.) , “carpintarias menores” (portas, janelas, divisórias, biombos, tectos, oratórios, etc.), alvenarias de tijolo e telhas (classificação oficial e utilização de telhas e ornamentos) e pintura de decoração (classificação oficial e desenho de pintura ornamental). Oferece ainda definições de termos e dados para a estimativa da quantidade de materiais e de mão-de-obra necessários para um determinado projecto de construção. Existia uma hierarquia rígida no que dizia respeito aos materiais utilizados, assim como aos componentes estruturais de madeira e ao grau de complexidade com que eram montados. Esses componentes são descritos ao pormenor e Li Jie avança ainda com a estimativa do custo do fornecimento e da construção. Os últimos quatro capítulos apresentam ilustrações de vários tipos de projectos de carpintaria, cantaria e pintura ornamental.
Segue-se-lhe em importância o Gongcheng zuofa zeli 清式工程则例, Regulamentos Estruturais da dinastia Qing (1644-1912), redigido pelo príncipe Yunli e publicado em 1734 pelo Ministério da Construção. Conta com setenta e um capítulos. Os primeiros vinte e sete dedicam-se às regras para a construção de vinte e sete tipos de edifícios (salões, portões da cidade, residências, celeiros e pavilhões…). Enquanto o Yingzao fashi informa acerca das regras gerais e das proporções para o cálculo de um projecto, o Gongcheng zuofa zeli especifica o tamanho de cada componente estrutural para cada tipo de edifício. Os treze capítulos seguintes especificam as dimensões de cada tipo de 斗拱 dougong (as mísulas chinesas que sustentam o telhado e os beirais; ver abaixo) e a respectiva sequência de montagem. Outros sete capítulos tratam de portas, janelas, divisórias, telas e alvenaria de pedra, tijolo e terra. Os últimos vinte e quatro capítulos enumeram as regras para a estimativa de materiais e de mão de obra.
O Qing gongcheng zuofa zeli 清工程做法则例, Regulamentos para Construção dos Qing, é um manual de engenharia que explica as técnicas de construção e as regras do projecto estrutural. Ao contrário do que sucede no Yingzao fashi, todas as dimensões surgem expressas em unidades métricas precisas e não em unidades-padrão, como era apanágio da dinastia Song (960-1279), mas ao que parece não para os construtores da dinastia Qing (1644-1911).
Muito mais recente é o Qing shi yingzao zeli – Yingzao suanli 清式营造则例 – 营造算例, Regulamentos de construção da dinastia Qing. Exemplos de construções, publicado em 1934 pelo arquitecto e o historiador Liang Si Cheng. Trata-se de dois volumes com fotografias, diagramas acerca da evolução dos dougong, tabelas com as dimensões dos vários componentes, plantas de diferentes edifícios, esquemas de construção de vários tipos de telhados com inclinação variável, de vigas e colunas, etc.
As representações gráficas do Ocidente costumam ter por base planos e perspectivas, mas todos estes manuais recorrem sobretudo a desenhos técnicos de secções ou projecções axonométricas. Tal acontece porque, na arquitectura chinesa, a secção transversal é fundamental na concepção da estrutura em caixilharia de madeira, que varia conforme o tipo de edifício. É ela que suporta o peso dos edifícios e é ela que mantém a proporção dos elementos verticais e horizontais principais, que se vão repetindo em séries no comprimento ou na altura.
Um sistema modular
A noção de “módulo” foi essencial na história da produção de todo o tipo de arte e de manufactura em massa da China. A arquitectura não se desviou desse caminho. Como se partia de um sistema modular, utilizava-se a mesma estrutura arquitectónica para uma casa privada, um palácio e um templo. Os edifícios resultavam da repetição de um certo número de unidades que podiam ser acrescentadas ou retiradas, como se conclui pela grelha regular de colunas e traves. Dependendo da importância do edifício, variava-se nos materiais empregados, na decoração e, sobretudo, no tamanho. Para se conseguir complexos de maiores dimensões, aumentava-se o tamanho das paredes ao adicionar um vão ou acrescentavam-se pavilhões uns atrás uns dos outros. Os edifícios apresentam em geral um traçado plano simples e regular, com simetria axial e perfil de forma predominantemente quadrangular. A planta quadrada fazia referência à terra em contraposição ao círculo que fazia referência ao céu.
As casas privadas nas cidades imperiais resultavam, portanto, da interligação de vários módulos, ou seja, eram sucessões de casas mono-familiares dispostas em torno de um pátio central, no interior de um complexo murado articulado através de jardins. Palácios e templos seguiam a mesma fórmula. Os vários edifícios principais dos complexos dos templos eram colocados numa plataforma elevada com um metro ou mais de altura. Os edifícios subsidiários ficavam dispostos simetricamente em torno dos edifícios principais. Estes podiam ter mais de um andar, o que geralmente não acontece na arquitectura chinesa.
De acordo com o nível de importância e com a característica estrutural do edifício, procedia-se à escolha de uma dimensão particular. Segundo o manual oficial de construção de edifícios, o acima mencionado Yingzao fashi, havia oito valores diferentes de acordo com o tamanho do módulo cai, o mais preciso para medir elementos de arquitectura por comparação com outros módulos utilizados em manuais anteriores, como o Mujing. As dimensões do módulo cai são expressas em múltiplos da unidade de medida fen (aproximadamente 33,33 mm), ou seja, um décimo da polegada chinesa (cun). Quando o módulo cai (10 fen de largura e 15 fen de altura) se combina com o módulo zu (4 fen de largura e 6 fen de altura) acima dele, obtém-se o zu cai (21 fen de altura), que significa “material completo” e representa um conjunto de medição usado para dimensionar a secção da viga.
Até 1734, ano em que o Qing gongcheng zuofa zeli (Regulamentos para Construção dos Qing) foi publicado, para dar conta das dimensões de componentes, todos os manuais de construção recorriam, não a medições métricas precisas, mas a notações proporcionais em termos de múltiplos e submúltiplos do módulo cai.
O tamanho e a forma das vigas variavam de acordo com a função e a posição, mas a proporção de 3:2 entre a altura e a largura permanecia inalterada. As vigas por baixo do tecto podiam ser rectas ou ligeiramente arqueadas.
As colunas
A arquitectura tradicional recorria apenas a materiais naturais: pedra ou tijolos para as fundações, madeira (cedro, abeto, pinheiro) para a estrutura de suporte de carga, tijolos de barro ou terracota para o preenchimento e telhas de cerâmica para a cobertura do telhado. O génio da arquitectura chinesa residia na manipulação de componentes de madeira. Carpinteiros munidos de ferramentas manuais trabalhavam nas componentes de madeira de acordo com as dimensões e os procedimentos padronizados e montavam-nos sem o auxílio de pregos. Aplicavam antes sistemas de encaixe e espiga (榫卯sun mao e 卯眼mao yan), dos quais se conhecem mais de quatrocentos tipos diferentes.
A estrutura principal de madeira erguia-se sobre plataformas, primeiro de terra batida, posteriormente de tijolo, pedra e mármore. Ao invés do que sucedeu no mundo ocidental, só se usavam as paredes como suporte de peso em edifícios que não eram feitos de madeira, como pontes, túmulos subterrâneos, arquivos e bibliotecas, ou seja, onde era necessário garantir a protecção contra a humidade e o fogo. Nos demais edifícios, as paredes eram ligeiras e sem funções de sustentação, apoiando-se em colunas. O espaço entre as colunas chamava-se间jian e converteu-se numa medida, representando as unidades padrão de espaço para habitar. Um jian refere um compartimento de planta quadrangular, definido por quatro colunas posicionadas nos vértices e ligadas entre si por um sistema de vigas transversais e terças longitudinais, com uma secção transversal quadrada e circular, respectivamente. O número de jian era sempre ímpar.
As colunas eram cobertas com dois a três centímetros de uma mistura de argila, cola de arroz, cânhamo e sangue de vaca que, por sua vez, era coberta com uma camada de verniz para lhes conferir uma cor vermelha e as tornar impermeáveis. Tinham sempre uma secção circular que afilava em direcção ao topo e apoiavam-se em suportes de pedra ou de bronze enterrados no chão ou na própria plataforma para evitar assim o seu apodrecimento devido ao contacto com a terra. Trata-se de um apoio simples destituído de uma restrição de intertravamento que age como um “amortecedor de ondas”. É provável que os chineses antigos já tivessem conhecimento de que uma estrutura susceptível de deslocamentos mínimos resiste melhor aos tremores de terra.
Dougong, huagong e ang
As vigas eram unidas entre si por juntas secas e eram unidas às colunas por um sistema de suporte chamado dougong, considerado a característica mais notável da arquitectura chinesa pela sua complexidade geométrica, valor decorativo e contribuição para a elasticidade dos edifícios em caso de ocorrência sísmica. Um dougong é composto por suportes de ancoragem de madeira que são colocados entre o topo da coluna e a viga principal, ou em cima de uma viga, para suportar a saliência do telhado, formando assim uma espécie de estribo de sustentação em madeira.
O dou é um bloco quadrado de madeira que se apoia directamente no topo da coluna e se colca entre dois gong. Os gong são dois ou mais braços interligados dispostos em camadas que se cruzam em ângulos rectos entre si estendendo-se nas quatro direcções e que se apoiam no dou, de modo a contribuir para a distribuição do peso entre as vigas e as colunas. As colunas, portanto, não apresentam capitel no topo sendo antes rematadas por dougong. O peso dos telhados também não é suportado pelas paredes mas pelas colunas com dougong que distribuem esse peso entre si permitindo ao telhado projectar-se para lá das paredes do edifício.
De acordo com as funções e o posicionamento, existem quatro tipos de dou e cinco tipos de gong. Estruturalmente, os componentes mais importantes de um conjunto são o ludou, ou bloco principal de suporte, e o huagong, ou braços que se estendem para lá dele para formar um ang (trave encastrada, cantiléver ou consola) à frente e atrás.
Os huagong podiam ser montados em camadas. Sobem em “saltos” (跳tiao), ou níveis de gong transversais, que podem variar em número, entre um e cinco, e se estendem para o exterior em degraus para suportar o peso dos beirais salientes. A pressão externa é contrabalançada por impulsos internos nas outras extremidades dos braços do suporte. Intersectando o huagong encontram-se os gong transversais que correm paralelos ao plano da parede. O gong transversal cruza o huagong no ludou.
O ang era outro elemento de grande engenho, uma trave encastrada inclinada em acima do huagong num ângulo de aproximadamente trinta graus em relação ao solo. O peso da viga ou da terça mantém a extremidade superior do ângulo para baixo, tornando o ang num braço de alavanca para suportar a grande saliência do beiral. Eram os ang que permitiam a adição de peso à parte superior do telhado inclinado e a construção de mais um andar. Graças à introdução dos ang, a construção da moldura de viga chinesa pode assumir qualquer forma ao fazer variar a altura e a posição das vigas nas quais as terças assentam.
As primeiras descrições pormenorizadas acerca dos dougong surgiram no Yingzao Fashi e, mais tarde, o Qing gongcheng zuofa zeli avançou com novos pormenores e especificações oficiais. Todavia, depois da dinastia Song, a difusão do sistema dougong foi diminuindo até à dinastia Qing, quando passaram a servir apenas para propósitos de decoração.
O ang também sofreu desenvolvimentos. Nos sécs. XII e XIII, havia por vezes ang “falsos”, ou seja, que não cumpriam uma função estrutural. A percentagem de ang “falsos” foi aumentando com o tempo e, na dinastia Qing, deixou de haver ang estruturais na construção, embora se mantivessem como uma escolha estética ou formal em edifícios importantes.
O telhado
Como se viu, dougong e ang permitiam uma grande liberdade na construção de telhados, que assumem muito maior importância do que nos edifícios europeus. Os suportes do telhado com estrutura de madeira são marcadamente flexíveis, ao contrário das treliças triangulares rígidas dos telhados inclinados rectos do Ocidente.
O esqueleto de madeira consistia em colunas e vigas transversais subindo em direcção ao cume em comprimentos decrescentes. As terças posicionavam-se ao longo dos ombros escalonados do esqueleto. Deste modo, bastava modificar as alturas e larguras do esqueleto para construir um telhado fosse de que tamanho fosse e com a curvatura requerida. Ao se erguerem suavemente, as bordas do telhado permitiam que a luz penetrasse no interior do edifício apesar da ampla saliência, além de drenarem melhor a água da chuva e desempenharem a função apotrópica de afastar os maus espíritos. Os telhados serviam ainda para mostrar a importância de um edifício num complexo. Por vezes, tratava-se de telhados de duas águas com pedestal mais altos e complexos, como telhados duplos de duas águas, escalonados, com muitos elementos ornamentais.
Os telhados curvos começaram a surgir sobretudo a partir da dinastia Tang, como sucede nos templos Nanchansi e Foguangsi, em Wutaishan, e a curva foi-se acentuando gradualmente nos cantos.
O telhado curvo côncavo permite que as telhas semicilíndricas se encaixem na perfeição. Utilizavam-se telhas de cerâmica vidrada em amarelo para os edifícios imperiais, em verde e azul para os templos e residências principescas e em cinzento para as habitações comuns, ou mesmo feixes de junco e de palha. Inseriam-se folhas de estanho para evitar a infiltração de água. As telhas foram-se tornando decorativas, ostentando figuras como dragões nas extremidades e cristas dos telhados.
Não há provas da existência de cúpulas na arquitectura chinesa, desnecessária para estruturas de madeira, embora os túmulos de pedra e tijolo de vários períodos históricos apresentem portas em arco e tectos abobadados. No entanto, surge amiúde no tecto dos altares de templos, dos palácios imperiais e dos palcos para ópera uma espécie de “cúpula” afundada chamada tecto藻井 zaojing ou “poço de algas”. Encontra-se no centro e directamente por cima do trono ou da estátua principal.
O zaojing era um refinamento complexo e requintado, que servia para simbolizar o valor e autoridade do espaço onde se encontrava. Elevava-se acima do nível do tecto através de dougong. Estes estão expostos e criam níveis sucessivos de tamanho decrescente, formando caixotões que podem ser hexagonais, octogonais, circulares, em camadas e cercados por uma borda quadrada. Alguns destes dougong foram ricamente esculpidos ou pintados. O centro do caixotão também era decorado com uma escultura de grandes dimensões ou com uma pintura em baixo-relevo cujo tema mais comum era o dragão ou “dois dragões a perseguir uma pérola”.
Os tectos zaojing remontam aos túmulos da dinastia Han, há 2.000 anos, mas proliferaram nos templos a partir da dinastia Song e, sobretudo, nas dinastias Yuan, quando a cultura da ópera começou a prosperar, e Ming.
O zaojing mais antigo que se conhece hoje ergue-se sobre a estátua de dezasseis metros de altura da deusa Guanyin no Pavilhão Guanyin do Mosteiro de Dule, na província de Hebei. Foi construído em 984 d.C., na dinastia Liao. O templo Baoguo, no Zhejiang, da dinastia Song, ostenta nada menos do que três zaojing no tecto. Outro zaojing de renome é o do palco da ópera do templo Niuwang, no Shanxi, de 1283.
O Pavilhão Sanqing, no templo Yonglegong, também no Shanxi, conta com mais um exemplo de um zaojing da dinastia Yuan. E o edifício principal do Palácio Imperial, em Pequim, o Pavilhão Taihedian, da dinastia Ming, exibe um magnífico zaojing cuja parte central ou mais profunda é redonda, a parte do meio é octogonal e a parte mais externa é quadrada.
Outros zaojing célebres de Pequim são o do Pavilhão do Perfume de Buda, no Palácio de Verão e o do Templo do Céu, ambos da dinastia Qing.
Do Neolítico às dinastias Shang e Zhou
Os vestígios de habitações escavadas em locais do período neolítico de Yangshao (5000-3000 a.C.) mostram que eram amiúde construídas num nível subterrâneo. Algumas casas da aldeia de Banpo, em Shaanxi, na margem leste do Rio Amarelo, foram construídas cerca de sessenta a setenta centímetros abaixo da superfície do solo. As fundações eram de madeira. Umas casas eram quadradas, outras rectangulares ou circulares. No interior, já se encontravam colunas a suportar o tecto, que é mais imponente do que as paredes. No centro situava-se uma lareira. A entrada ficava virada para sul. Todas as casas estavam interligadas através de trincheiras.
Na dinastia Shang (do séc. XVI ao séc. XI a.C.), os alicerces de grandes edifícios apresentavam uma disposição perimétrica de colunas e já se recorria aos dougong.
Na dinastia Zhou (1046 – 256 a.C.), os edifícios já apresentavam a composição tradicional totalmente desenvolvida, ou seja, salões e colunas sobre plataformas e agrupados em torno de pátios, ou seja, o 四合院 siheyuan, ou “pátio de quatro pavilhões unidos”, o modelo da construção no norte da China.
Um siheyuan simples consiste num complexo murado no qual o edifício principal (dian 殿) se encontra rodeado por edifícios mais pequenos que giram em volta de um (ou mais) pátio. A entrada principal fica sempre voltada para o sul, de acordo com os princípios do fengshui.
Quanto mais numerosa a família, maior o complexo, que pode ser ampliado com facilidade com a construção de mais pátios e pavilhões. Entrando pela porta principal depara-se com uma pequena sala destinada aos visitantes. Por trás surge o pátio frontal e, em torno deste, localizam-se os quartos, o escritório, o armazém. Quanto mais se penetra no complexo, mais privada se torna a área.
Foi a partir do séc. IX a. C. que os telhados adquiriram uma aparência majestosa, quando se começou a substituir as coberturas de colmo por telhas de terracota planas ou cilíndricas. As telhas eram mantidas no lugar de várias formas, por exemplo, coladas ao telhado de barro com a ajuda de saliências semelhantes a pregos (瓦顶 wading) ou anéis (瓦 環 wahuan) ou encaixadas umas nas outras. Eram muitas vezes decoradas com padrões de corda.
Bons exemplos da arquitectura Zhou são o complexo do palácio-templo de Fengchu, em Shaanxi e de Zhaochen, não longe daquele. Fengchu conta com um pavilhão principal, dois pavilhões mais pequenos na rectaguarda, um grande pátio à frente e um menor atrás do salão principal e uma construção à entrada separada por um portão. As paredes dos edifícios em Fengchu e Zhaochen ou eram de terra batida ou feitas de tijolos de terracota. Alguns edifícios tinham colunas e dougong simples que sustentavam beirais salientes, para além das que sustentavam o centro da construção do telhado.
Encontrou-se jade branco esculpido nos edifícios de Zhaochen que pode ter sido usado como decoração das paredes. Quanto ao piso, em alguns edifícios era decorado com seixos de diferentes cores ou cascas de amêijoa em forma de discos dispostas em padrões decorativos ou gravadas com taotie (uma criatura mitológica muito representada nos recipientes de bronzes da época) ou padrões geométricos.
Dinastia Han
A dinastia Han (206 a.C. – 220 d.C.) deixou um legado precioso enquanto fonte de informação acerca da sua arquitectura: miniaturas em terracota de edifícios da época destinadas às sepulturas, os mingqi. Vêem-se exemplos de arquitectura civil e militar: casas em forma de complexo com diversas dependências e protegidas da rua por um muro alto; edifícios agrícolas construídos em torno de um pequeno pátio interior, por vezes com um complexo adjacente para animais; residências fortificadas com numerosos aposentos repartidos por vários andares; torres de vigia de vários pisos.
As casas das gentes comuns eram modestas e com telhados de colmo. A residências dos abastados e dos nobres e demais edifícios importantes encontravam-se dispostos em torno de um espaço amplo, contando com numerosos pátios separados uns dos outros por muros com aberturas. O salão de recepções no interior ficava orientado de modo que o eixo principal e a entrada se alinhassem com a abertura do portão exterior. Ao lado do salão figuravam edifícios de um ou mais pisos. Ao lado dos portões dos palácios e da entrada das grandes propriedades erguiam-se torres de vigia com quatro ou cinco andares. Nas dinastias Qin (21 a.C. e 206 a.C.) e Han, as paredes eram por vezes feitas de tijolos ocos, incisos com motivos geométricos ou zoomórficos. O chão era rebocado e pintado ou pavimentado com tijolos elaborados. Os edifícios importantes ostentavam cores vivas como vermelhão para colunas e balaustradas, amarelo para as telhas esmaltadas e verde para os sistemas complexos de dougong. A partir da dinastia Qin, a ornamentação dos telhados com figuras acentuou-se até ao séc. II d. C.
Dinastia Tang
Foi na dinastia Tang que o contorno do telhado foi assumindo cada vez mais a forma curvilínea característica da China e da Ásia oriental, graças à introdução dos ang. A arquitectura Tang de palácios civis e imperiais e de mosteiros budistas sobreviveu no Japão, em Nara, que foram construídos à imagem da capital dos Tang e, muito provavelmente, por arquitectos chineses. Os templos Horyuji (séc. VII) e Kofukuji são uma cópia de templos de Chang’an (hoje, Xi’an), a capital da dinastia Tang. Na China rareiam vestígios de edifícios construídos antes do final da dinastia Tang, como os acima mencionados templos Nanchansi, o edifício de madeira mais antigo da China, e o Foguansi, ambos em Wutaishan.
Dinastia Ming
Na dinastia Ming ergueu-se aquele que é considerado o exemplo mais claro de arquitectura chinesa: a Cidade Proibida de Pequim. Construída de 1407 a 1420, foi a residência de vinte e quatro imperadores Ming e Qing. Foi concebida como uma cidade autónoma onde se desenrolavam as funções cerimoniais, administrativas e privadas próprias da corte.
Este imenso complexo com os seus edifícios impressionantes dominavam a capital e assinalavam a presença do imperador chinês, invisível para as gentes comuns. Como convinha aos seus habitantes, elegeram-se para o construir os materiais mais nobres: a madeira, o mármore, a pedra e a cerâmica vidrada. Todos os telhados dos edifícios foram cobertos com telhas de cerâmica vidrada amarelo-ocre, a cor imperial. Os telhados elevam-se ligeiramente e sobre eles se acha uma série de figuras de trinta a cinquenta centímetros que representam personagens e animais fantásticos associados à mitologia, como os nove filhos do dragão (龙生九子 longshengjiuzi).
O plano, que seguia rigorosamente os princípios geomânticos do feng-shui de modo a garantir governos auspiciosos, adoptou como base módulos de três unidades, referência à união das energias yin e yang, necessária para a mutação de todas as coisas.
O complexo divide-se em 外朝, waichao, a corte exterior (a área pública) e 内廷neiting ou后宫 hougong, a corte interior (a área privada). Quem mais poder e prestígio detinha mais podia penetrar no seu interior, a área muito restrita dos aposentos do imperador. Como se sabe, a arquitectura é também um instrumento político e ideológico e pode ser usada para expressar hierarquias sociais e distinguir dirigentes de dirigidos. Assim, não é por acaso que o efeito desta arquitectura não se impõe de imediato mas requer uma deslocação gradual de modo a ir penetrando cada vez mais no complexo.
Franqueadas as portas sul, depara-se com um espaço aberto destinado a grandes audiências, que precedia a corte exterior. Esta era constituída por três grandes pavilhões de carácter cerimonial alinhados no eixo central, com a fachada principal orientada para a porta sul (zona auspiciosa) da muralha da cidade e rodeados por edifícios de menores dimensões para uso administrativo. A fachada norte (zona pouco auspiciosa) foi tapada com um muro e uma elevação de terreno, de modo a afastar os maus espíritos.
Na corte exterior, localizam-se os pavilhões Taihedian, Zhonghedian, Baohedian e Jiaotaidian. O Taihedian, o Pavilhão da Harmonia Suprema, é o edifício principal e encontra-se no centro do complexo. Tem trinta e cinco metros de altura. Trata-se do vasto salão de audiências, onde tinham lugar grandes cerimónias, como subidas ao trono e matrimónios. A sua importância é sublinhada pela alta plataforma que o eleva acima das demais estruturas para quem o avista do sul, a direcção pela qual os cortesãos e os embaixadores se aproximavam. Ostenta o telhado de construção mais complexa, com beiral duplo, quadril e quatro cristas inclinadas e uma horizontal.
A seguir, mais pequeno e de forma quadrada, encontra-se o Zhonghedian, o Pavilhão da Harmonia Central, que era usado para repousar entre as várias cerimónias. Mais atrás, no Baohedian, o Pavilhão da Preservação da Harmonia, realizavam-se os banquetes e ensaiavam-se as cerimónias. Também era ali que tinham lugar os exames imperiais finais (殿试, dianshi). No final da corte exterior, o Jiaotaidian, o Pavilhão da União, era considerado o local onde Yin e Yang se uniam. Trata-se de um edifício quadrado com telhado piramidal e servia para guardar a parafernália cerimonial.
Na corte interior, por trás destes pavilhões, encontravam-se as residências oficiais do imperador e da imperatriz. O Qianqinggong, o Palácio da Pureza Celestial, exibe dois telhados e ampla colunata, o que o torna semelhante ao Taihedian. Sendo celestial, era yang, tal como os imperadores. Era a morada dos imperadores Ming. Na dinastia Qing converteu-se num santuário lamaísta. O Jiaotaidian era o local onde se realizavam celebrações relacionadas com a imperatriz. O Kunninggong, o Palácio da Tranquilidade Terrestre, sendo terrestre, era yin, tal como as imperatrizes. Era onde viviam as imperatrizes na dinastia Ming. Na dinastia Qing, era para onde se dirigia o casal imperial depois do matrimónio. Por trás destes pavilhões encontrava-se o jardim imperial e um teatro. Havia, claro está, muitos mais pavilhões importantes, como o Cininggong, a morada da imperatriz-mãe.
Outro grande conjunto arquitectónico são os treze túmulos Ming nos arredores de Pequim. Os portais da alameda de acesso são três, número com grande significado simbólico, sendo o central o maior. Trata-se de estruturas com aspecto robusto. A sua arquitectura é um desenvolvimento dos túmulos de câmara subterrânea das dinastias Shang e Zhou. Desde a antiguidade que, na construção de casas, palácios e templos, se utilizava a perecível madeira, que representava a vida e o rejuvenescimento e se destinava aos vivos, enquanto na construção dos túmulos se utilizava a pedra, que representava a imortalidade e se destinava aos mortos e às divindades que os acolhiam.
Dinastia Qing
O Templo do Céu, em Pequim, da primeira metade do séc. XVIII, é um exemplo notável de arquitectura da dinastia Qing. Situa-se a sul da cidade pois, de acordo com o fengshui, trata-se de um local propício para a realização de oferendas. Foi mandado construir pelo imperador Yongle em 1420-2. Foi posteriormente restaurado em 1751 pelo imperador Qianlong. O templo compreende três unidades arquitectónicas principais separadas por recintos amuralhados: o Altar do Céu, a Abóbada Celeste e o Pavilhão das Orações Anuais. Como sucede na Cidade Proibida, a entrada situa-se e sul. Ao franquear a primeira muralha está-se perante o Altar. Este consiste numa plataforma de mármore ao ar livre dividida em secções concêntricas em cujo centro se situava o trono do Filho do Céu. Era nesse local que o imperador realizava oferendas ao céu e à terra. O Altar está rodeado de quatro portais ou arcos cerimoniais dirigidos aos quatro pontos cardeais, os牌坊paifang ou 牌楼 pailou.
Depois dos rituais de oferendas no Altar, o imperador dirigia-se à Abóbada Celeste onde venerava a lápide do céu e dos seus antepassados.
A Abóbada Celeste encontra-se rodeada por uma muralha circular. Abre-se aí uma grande avenida ao longo da qual o imperador prosseguia para o Qiniandian祈年殿, ou Pavilhão das Orações Anuais, o maior e mais notável do complexo. Tal como os outros dois, é de planta circular. O círculo estava simbolicamente associado ao céu e o quadrado à terra. Por isso, os edifícios da Cidade Proibida são de planta quadrada e os do Templo do Céu são de planta circular. Embora os materiais e o sistema de construção sejam os mesmos em ambos os complexos, a cor dos telhados difere. No Templo do Céu são azuis, aludindo ao céu, e na Cidade Proibida são amarelos, aludindo à Terra.
No interior do Pavilhão das Orações Anuais encontram-se vinte e oito colunas que simbolizam divisões do calendário. As quatro centrais simbolizam as estações do ano, as doze interiores os meses do ano e as doze exteriores as divisões do dia. O tecto é belíssimo, um zaojing com a sua série alternada de malhas estruturais octogonais e quadradas que permitem a elevação do telhado inclinado. É curioso notar que este edifício grandioso da dinastia Qing conservou no essencial a estrutura das casas do neolítico de Banpo acima mencionadas.
A arquitectura da dinastia manchu Qing também se esmerou na escolha de locais como vilegiatura. O exemplo mais notório é o Palácio de Verão, em Pequim, residência estival do imperador Kangxi que foi depois ampliada por Qianlong. Alguns edifícios foram desenhados pelo jesuíta Giuseppe Castiglione (1688-1766) numa versão estilizada do barroco italiano do séc. XVIII. O Palácio de Verão ocupa uma área extensíssima. Avista-se na zona mais alta uma torre octogonal, o Pavilhão do Perfume de Buda e, ali perto, é possível admirar uma obra-prima da engenharia civil, a Ponte Curvada, em arco de volta perfeita.
Outras arquitecturas
Além desta corrente principal de arquitectura, a China, geograficamente vasta e cultural e historicamente diversa, alberga muitas outras arquitecturas, quase todas elas surpreendentes. Apenas a título de exemplo, referirei aqui três casos para terminar: as cavernas “forno” de loess, 窑洞yaodong, os “edifícios de terra”, 土楼tulou, e as palafitas,吊脚楼 diaojiaolou.
As cavernas de loess encontram-se por todo o norte da China, ao longo do denominado Planalto de Loess, nas províncias de Shanxi, Gansu, Shaanxi e Henan. As cavernas Guyaju em Pequim são o local com maior número de cavernas da China, contando com mais de cem.
Estas cavernas aliam uma planta eficiente ao baixo custo de construção. Além de resistentes à chuva e ao fogo, são quentes no inverno e frescas no verão. Consistem geralmente de três a cinco salas com cerca de sete a oito metros de comprimento, três de largura e três a quatro de altura.
Em termos de estilo, existem três tipos de cavernas: as casas dos penhascos de loess, pátios escavados no solo e casas de tijolo “modernizadas”. As cavernas mais simples são escavadas directamente no penhasco. As cavernas dos pátios escavados no solo de cinco a oito metros de profundidade giram em torno deste. As cavernas “modernizadas” são construídas parcial ou totalmente acima do solo, mas com uma estrutura arqueada que se inspira nos tipos anteriores. De 1935 a 1948, o presidente Mao Zedong e os seus seguidores recorreram a cavernas de loess como base de operações em Yan’an. Actualmente, é possível pernoitar em hotéis-caverna e visitar as cavernas onde Mao realizava reuniões secretas.
Hordas de emigrantes Han deslocaram-se do planalto central para sul de modo a escapar a desastres naturais ou a distúrbios sociais desde a dinastia Qin. Estabeleceram-se nas montanhas do Fujian e em partes das províncias de Jiangxi e Guangdong e autodenominavam-se 客家 Kejia (Hakka em cantonês), o que significa “hóspedes”, uma vez que não se encontravam na sua terra natal. Como habitação para se proteger devido a essa sua condição, construíam tulou, habitações semelhantes a fortalezas. Os tulou são construções de grandes dimensões de planta circular ou rectangular. O muro exterior é feito de pedra, terra compacta, madeira, bambu e outros materiais. Normalmente possuem apenas uma entrada pelo exterior, protegida por portas de madeira reforçadas com ferros. No interior, onde se podem albergar duzentas a oitocentas pessoas, sucedem-se residências com áreas comuns, armazéns e poços. Os tulou são bem ventilados, resistentes aos tremores de terra e à prova de ventos, além de conservarem a temperatura amena. A maioria dos tulou data de entre os sécs. XII a XX.
As palafitas diaojiaolou encontram-se no Yunnan, no Hubei, em Guanxi, Guizhou e no Sichuan. São edifícios de madeira de planta quadrangular ou rectangular que se erguem sobre colinas ou rios, sustentados por palafitas ou colunas de madeira reforçadas por blocos de pedra na base. Têm normalmente dois ou três andares de altura e uma área útil alargada. O rés-do-chão, destituído amiúde de paredes e sustentado por colunas de suporte, serve de estábulo ou armazém. O segundo e terceiros pisos são destinados aos aposentos familiares. Os pisos superiores podem ter varandas. São construídos sem pregos ou rebites e a estabilidade do edifício depende de juntas de ranhura que mantêm as vigas e colunas unidas. A despeito do aspecto frágil, trata-se de construções resistentes.
Os Pagodes
Dinastia Han
O pagode difundiu-se na China com a chegada do budismo nos finais da dinastia Han. Deriva do stupa, um monumento religioso funerário em forma de cúpula sobrepujada por um número variável de elementos em formato de guarda-sol, da arquitectura indiana. Todavia, na China, ganhou contornos muito distintos, aliás como sucedeu noutras regiões da Ásia. Tornou-se numa construção grandiosa com vários andares, geralmente até doze, uma síntese do stupa com a torre de vigia de vários pisos que se construía desde a dinastia Han.
O pagode chinês assemelha-se em geral a uma torre alta de planta quadrada dividida em andares horizontais de tectos sobrepostos. No início, tal como sucede com o stupa indiano, eram edifícios a cujo interior não se podia aceder e os diferentes andares, que iam diminuindo em tamanho, não se destinavam a um usufruto real. Todavia, passaram depois a contar com uma escada helicoidal no interior por onde era possível aceder ao topo.
Os pagodes começaram por ser construídos em madeira. Na dinastia Tang, passaram a ser feitos de pedra e tijolo. No entanto, quando se percebeu que era possível atingir maior altura recorrendo à madeira, retomou-se o uso deste material. Foi do pagode que derivou a construção de torres monumentais para assinalar os túmulos. Trata-se de torres em geral quadradas com vários andares com janelas, mas apenas para fornecer a ilusão de acessibilidade. Exemplo disto é o pagode da tumba do monge Xuan Zang na província de Henan, datado do séc. VII d. C.
Na composição dos templos budistas chineses mais antiga, os pagodes ocupavam a posição central. Na dinastia Tang tardia, o templo propriamente dito passou a ocupar o lugar central e o pagode desdobrou-se em dois edifícios geminados colocados a leste e a oeste daquele. O vestígio mais antigo de um pagode em pedra é o do templo Songyue, no Henan, da dinastia Wei setentrional. O pagode mais notável e um exemplo da rara arquitectura Tang que sobreviveu até hoje é o do Ganso Selvagem, em Xi’an, com sessenta metros de altura. Construído em tijolo e de base quadrada, conta com sete pisos ligeiramente reentrantes uns em relação aos outros, ostentando nichos em todas as fachadas e que outrora albergaram estátuas de Buda. Quem o mandou construir foi o célebre monge Xuang Zang, que terá provavelmente ido buscar inspiração ao santuário de Mahabodhi, em Bodh Gaya, que visitou aquando das suas viagens à Índia e que apresenta igualmente uma planta quadrada, assim como vários pisos e nichos.
Dinastia Liao (916-1125)
Daozong, imperador da dinastia Liao, ordenou a construção de um pagode de madeira impressionante no lado exterior da cidade capital, Datong. Ficou terminado em 1056. Trata-se do pagode do Templo Fogongsi. Com sessenta e sete metros de altura e erguendo-se sobre uma plataforma de pedra de quatro metros, sobreviveu até hoje a vários tremores de terra. Actualmente, é o pagode de madeira mais antigo da China. Conta com nove andares, embora pareçam apenas cinco do exterior. Expõe cinquenta e quatro tipos diferentes de dougong, visíveis do exterior. Cada tecto de cada andar exibe um zaojing.
Dinastia Song
O Pagode de Ferro e os pagodes Lingxiao, Liaodi, Pizhi e Beisi são construções admiráveis da dinastia Song. O Pagode de Ferro, em Kaifeng, não foi construído em ferro mas em tijolo. Chama-se assim apenas porque a sua cor lembra a do ferro. Ergue-se sobre uma base octogonal e tem quase cinquenta e sete metros de altura e treze andares. Apresenta um sistema articulado de dougong e sinos de vento sob os beirais. O pagode Lingxiao, em Zhengding, no Hebei, foi construído em tijolo e madeira. Até ao quarto andar é de madeira e o resto é de tijolo. Conta ainda com um pináculo em ferro fundido. A planta é octogonal. Conta com nove andares e quarenta e dois metros. No interior uma escadaria torna possível subir até ao quarto andar. No centro do pagode ergue-se uma grande coluna, o que era comum nos pagodes chineses até à dinastia Yuan.
O pagode Liaodi em Dingzhou, Hebei, também exibe uma coluna que assume a forma de outro pagode. É o pagode chinês mais antigo e o pagode de tijolos mais alto do mundo que sobreviveu até hoje, com oitenta e quatro metros. Na China imperial, o pagode mais alto foi construído na dinastia Sui, situava-se em Chang’an, era de madeira e media cem metros, mas não sobreviveu às vicissitudes do tempo. O pagode Liaodi ergue-se sobre uma base octogonal. No topo avista-se um torreão de bronze e ferro. Apresenta janelas falsas e varanda circundante no primeiro andar. Uma secção dividida das paredes do pagode está aberta para que o interior possa ser visto. Existe no interior uma escadaria que atinge o andar superior com patamares para cada andar. Os murais são decorados com pinturas e vêem-se estelas de pedra com caligrafia.
O pagode Pizhi situa-se perto de Jinan, em Shandong. Tem planta octogonal e mede cinquenta e quatro metros. É feito de pedra e tijolo e tem nove andares. O primeiro, o segundo e o terceiro andares apresentam varandas sustentadas por dougong. Há uma escada de tijolos no interior que atinge o quinto andar e uma escada exterior que atinge o topo.
O pagode Beisi situa-se em Suzhou, no templo Bao’ensi. Também tem uma base octogonal e mede setenta e seis metros. Tem nove andares, embora originalmente tivesse onze. Foi construído em pedra, tijolo e madeira. A estrutura actual data da dinastia Ming. Digno de nota é ainda o pagode do templo Xingshengjiao, nos arredores de Xangai, com 48,5 metros de altura e nove andares, feito em madeira e tijolo. Apesar de ter sido renovado nas dinastias Ming e Qing, manteve inalterado o estilo da dinastia Song do Norte. Cerca de sessenta por cento dos dougong, assim como o lintel sob o portão em arco e as vigas sob os beirais são peças originais. Cada lado do piso térreo deste pagode quadrado mede seis metros de comprimento. O primeiro andar ostenta varandas cercadas por balaústres de madeira. Cada parede é dividida em três partes por colunas de tijolos em relevo, com uma porta no meio. O interior do pagode assemelha-se a um tubo oco. Cada nível conta com lajes e escadas de madeira, o que era comum nos pagodes tanto em madeira como em tijolo da dinastia Tang, do período das Cinco Dinastias e da dinastia Song do Norte. Em meados dos anos 1970 descobriu-se sob este pagode o túmulo de tijolo do monge Miaoyan, do séc. XI.
Dinastia Ming
O acima mencionado pagode do templo Tianning inspirou o pagode Cishousi, também em Pequim, mas já da dinastia Ming, de 1576. De planta igualmente octogonal, mede cerca de cinquenta metros de altura. A base de tijolos apresenta a forma de um pedestal sumeru (a montanha sagrada de cinco picos da cosmologia hindu, jainista e budista) decorado com esculturas em relevo de Buda e pétalas de lótus, entre outra iconografia. Conta com treze beirais no estilo Liao e Jin e ainda com um pequeno torreão. Entre cada beiral encontram-se dougong de pedra com funções decorativas. É profusamente esculpido no exterior, a parte superior exibindo esculturas de instrumentos musicais chineses como o guqin.
Por ordem do imperador Yongle da dinastia Ming começou no séc. XV a construção de um pagode todo feito em porcelana em Nanquim, então a capital do império. Media cerca de oitenta metros de altura, tinha nove andares e uma base octogonal com cerca de trinta metros de diâmetro. A cobertura de tijolos de porcelana, com imagens coloridas de animais, paisagens, flores e bambu, era iluminada à noite por cento e quarenta lâmpadas. No interior, existia uma escadaria helicoidal com 184 degraus, ladeada por nichos com imagens de Buda. Os europeus ficaram extasiados quando viam este pagode e consideraram-no uma das maravilhas do mundo. Foi copiado por arquitectos como William Chambers, que desenhou o pagode dos Kew Gardens, em Londres, construído com tijolos cinzentos em 1761.
O Pagode de Porcelana foi objecto de uma restauração em 1808 mas, poucas décadas volvidas, acabou por ser destruído durante a rebelião Taiping (1853-1864). Em 2015, abriu ao público uma réplica em aço e vidro, o Pagode de Porcelana de Nanquim.
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Bibliografia
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- Mazzoli, C., Morganti, C. e Bartolomei, C. (2022) Traditional Chinese architecture: the transmission of technical knowledge for the development of building heritage, TEMA: Technologies Engineering Materials Architecture, Vol. 8, No. 1 (2022), pp.24-37.
- Ssu-ch’eng Liang (1984) A Pictorial History of Chinese Architecture. A Study of the Development of Its Structural System and the Evolution of Its Types, MIT Press
- Steinhardt, Nancy (2019) Chinese Architecture. A History, Princeton and Oxford: Princeton University Press.

