Zhao Kuangyin (927-976), o imperador Song Taizu, encontrava-se perante uma dúvida insanável. Então, levantou-se a meio da noite invernosa e dirigiu-se à mansão do seu conselheiro Zhao Pu. Este, surpreendido, apressou-se a chegar fogo ao carvão para acender o lume e grelhar um pouco de carne.
O imperador colocou-lhe o dilema: na sequência de uma campanha vitoriosa, estavam conquistados os territórios próximos, como prosseguir: para o Norte ou para o Sul? A resposta do erudito foi clara: primeiro, o mais fácil; depois, o difícil; ou seja, primeiro, os Estados do Sul, e depois os do Norte. Taizu acatou o conselho e actuou de acordo.
O relato da histórica surpresa nocturna seria visualizado cerca de quinhentos anos depois numa composição característica da pintura narrativa da corte durante a dinastia Ming. Liu Jun (activo c. de 1450-1500), o seu autor, mostrou num rolo vertical conhecido como “Visitando Pu numa noite de neve” (Xueye Fang Putu, a tinta e cor sobre seda, 147 x 75 cm, que está no Museu do Palácio, em Pequim), um conjunto de contrastes que visualizam um dilema, em afinidade com o tema da conversa: vê-se a neve no exterior, o fogo aceso no interior, onde decorre a conversa. Sete personagens representadas sublinham a diferença: quatro membros do séquito imperial de pé fora do muro da casa, junto à porta e ao frio, encostam-se em volta do cavalo branco do imperador; dentro da casa aquecida pelo pequeno fogareiro, sentados, o anfitrião de estatura menor do que o visitante imperial, com a sua cabaia amarela, resplandecente de seda. À porta, discreta, uma figura feminina atenta, aguarda para servir os conversadores.
Também poderá estar figurada a resposta que Zhao Pu deu ao imperador: a conversa decorre diante de um painel onde está representada uma paisagem que corresponde às «montanhas claras no Verão», no Sul que na dinastia Song, Guo Xi pintou e depois descreveu no seu tratado Linquan Gaozhi.
Liu Jun, pintor da corte, mostrava assim a vontade dos imperadores Ming de arvorar uma abertura magnânima aos seus conselheiros, mesmo que depois os seus conselhos na prática não fossem seguidos. Mas o rolo também mostra como houve uma evolução significativa na arte da pintura desde o tempo dos Song: onde lá havia uma preocupação com a composição do espaço, aqui, ele põe a enfâse no conteúdo simbólico. O que permite uma interpretação do labor do pintor que ultrapassa a propaganda imperial.
Numa outra pintura, a de uma personagem que tem o nome Liu, idêntico ao seu (rolo horizontal, cor sobre seda, 181,3 x 108,8 cm) que está no Museu de Shijiazhuang (Hebei) ele retrata Liu Hai transportando ao colo uma rã de três patas, Chan Chu, que era uma transformação de Chang’E, a deusa da lua. Nessa repetida referência nocturna é possível que ele esteja a dizer que afinal a própria noite é que era a leal conselheira.
