O Jufu

A primeira saliência geológica da denominada Cordilheira do Oeste é um misterioso monte a que dão o nome de Chongwu. Situado a sul do rio Amarelo, o monte Chongwu contempla a sua majestade e beleza nas águas sombrias do lago Yao que, estendido a seus pés, lhe oferece o seu reflexo.

Se o viajante enfrentar as suas encostas e trepar até ao seu cume, verá a ocidente erguerem-se as Grandes Montanhas das Feras do Supremo Senhor do Céu onde, fazendo jus ao nome, circulam algumas das mais estranhas e perigosas criaturas que o Sol teve oportunidade de bafejar com o seu calor e a Lua de revelar nos planaltos iluminados por seus raios frígidos.

Proporcionando ao destemido viajante que se dirija para Oeste — como outrora o fizeram um famoso monge e seus companheiros — uma amostra do que o espera nesse temível percurso, o monte Chongwu não deixa de ostentar algumas bizarrias. É o caso de uma invulgar árvore de folhas perfeitamente redondas, ramos virginalmente brancos, flores do mais gritante encarnado e largo tronco percorrido por espessas veias negras. Ao que dizem, os seus frutos são semelhantes a limões e quem os comer dará por efeitos corporais que estimulam a produção de descendência.

Esta crença tem atraído ao monte Chongwu ambiciosos e desesperados em número considerável, no que alguns consideram uma viagem iniciática de resultados incertos.

Outra das admiráveis maravilhas do monte Chongwu é um possante animal a que dão o nome de jufu. À primeira vista, o jufu poderia ser confundido com um vulgar macaco se não fosse a pelugem singular que lhe cobre os braços e as pernas, com um padrão semelhante ao do tigre, nos membros posteriores, e do leopardo, nos membros anteriores. Na verdade, quase poderíamos designar os membros do jufu como superiores e inferiores, porque ele passa a maior parte do seu tempo em posição erecta.

Ora este ataviado macaco tem a desagradável mania de atirar coisas a qualquer ente, bicho ou homem que tenha o azar de passar perto de onde ele se encontra. Em geral, escolhe um local elevado e dali arremessa, com toda a força que o assiste, pedras, paus, etc.; numa palavra, tudo o que tiver à mão. Nas crónicas, não é referido se emite algum som quando efectua estas acções ou se permanece em silêncio. Não lhe é conhecida troça ou bravata.

Desde tempos imemoriais que distintos pensadores tentam compreender o que leva o jufu a este comportamento compulsivo — a esta mania de atirar coisas a outros seres, independentemente de estes constituírem ou não uma ameaça —, mas os longos estudos realizados, os compêndios de comentários, os alfarrábios de hipóteses, não desembocaram em qualquer conclusão definitiva. 

 

Este ataviado macaco tem a desagradável mania de atirar coisas a qualquer ente, bicho ou homem, que tenha o azar de passar perto de onde ele se encontra.

 

Texto e ilustração inspirados pelo Clássico das Montanhas e dos Mares (Shanhai Jing), legendariamente atribuído a Yu, primeiro imperador da dinastia Xia, e a um letrado chamado Boyi, o que remeteria a origem da obra para o segundo milénio a.E.C. 

Ilustração de Ana Jacinto Nunes

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