Introdução
Quando se criam objectos em cerâmica recorre-se à argila como matéria-prima de base. Existem argilas com diferentes composições químicas e que apresentam aspectos distintos. A maioria é usada na composição de pastas cerâmicas em conjunto com outras matérias-primas naturais plásticas, como o caulino, ou não-plásticas, como a areia ou o feldspato (do alemão feldspat), um mineral fundente de alta temperatura. Só deste modo a argila se torna uma matéria moldável enquanto está húmida e dura e resistente uma vez cozida.
Embora partilhem da mesma base argilosa, a terracota, o grés ou a porcelana diferem entre si tanto na composição como na forma como são produzidas. A terracota apresenta uma cor natural castanha-alaranjada devido à presença de óxido de ferro e coze por volta dos 900ºC. Dado apresentarem elevada porosidade, as peças de terracota necessitam de um acabamento superficial, por exemplo, de um revestimento de vidrado à base de silício e de um fundente alcalino capazes de formarem uma capa fina e vítrea que as torne impermeáveis, lisas e brilhantes.
O grés é um produto cerâmico de alto-fogo (cerca de 1200ºC) que se obtém através da adição à argila, que contém uma parte importante de caulino, de uma pasta silicosa plástica. As peças em grés apresentam dureza e densidade elevada, são impermeáveis e resistentes e de um tom amarelo-acinzentado.
As peças de porcelana são cozidas a uma temperatura média que atinge os 1300ºC. São leves, finas, brancas, resistentes, densas e impermeáveis, excelentes para cozinhar e armazenar mantimentos e bebidas, para comer e para beber e podem ser limpas com facilidade. Os chineses foram os primeiros a criar peças de grés e porcelana que, para além de belas, pois sabiam fabricar vidrados decorativos coloridos, eram impermeáveis, duras e vítreas.
O solo da China oferecia desde logo condições vantajosas para o fabrico de cerâmica e, mais tarde, para a invenção da porcelana, pois é rico em loess no noroeste e no vale do Rio Amarelo e ainda em caulino, sobretudo no sul (Fig.1). O loess é uma rocha sedimentária com uma importante proporção de silício (quartzo) e de calcite que se formou através da acumulação de restos minúsculos que sofreram deslocações na era quaternária. A temperatura de fusão do loess torna-o num material excelente para o fabrico de tijolos refractários que permitem construir fornos de altas temperaturas, indispensáveis para o fabrico de grés e porcelanas.
A porcelana é essencialmente caulino. O caulino (高岭 gaoling, na origem o nome da montanha de onde era extraído) é alumínio quase puro, uma argila primária pouco plástica de grão grosso formada pela decomposição de feldspato. O caulino puro é praticamente desprovido de ferro, o que explica a brancura da cor (Fig. 2). O ponto de fusão do caulino é muito elevado, a 1800ºC. Por isso, embora conhecido e utilizado desde o Neolítico, só se tornou corrente muitos séculos mais tarde, quando se encontrou um fundente adequado que melhorava as suas qualidades plásticas e baixava a sua temperatura de fusão. Foi triturando o feldspato e misturando-o com caulino em pó, cal e potássio, que os chineses obtiveram um componente essencial para o fabrico de porcelana, a pedra da China ou petuntse (白墩子 bai dunzi). Trata-se de uma vasta gama de rochas micáceas ou feldspáticas que, após processos de decomposição geológica, resultam num material que serve como ingrediente no fabrico de porcelana, uma vez triturado e transformado em pasta.
Cumpre esclarecer ainda que, por tradição, os estudiosos chineses não dividem a cerâmica em porcelana, grés e terracota, como fazem os estudiosos ocidentais, mas apenas em duas categorias: a cerâmica 瓷ci, cozida a alta temperatura e de cor vibrante, e a cerâmica 陶tao, cozida a baixa temperatura.
O Neolítico
Na China, os principais artefactos da Idade da Pedra, tal como noutros lugares do mundo, foram as peças cerâmicas. No quarto milénio a. C., a olaria já tinha alcançado um nível muito elevado. As peças cerâmicas já estavam presentes tanto na vida como na morte, pois eram utilizadas tanto com finalidades práticas como em contextos funerários.
Cultura Yangshao
(5000 a 3000 a.C.)
A cultura Yangshao começou por se desenvolver no Henan, para se espalhar depois por uma vasta área, desde o Gansu ao Qinghai e ao longo do Rio Amarelo. Os habitantes adoptavam um modo de vida sedentário, com uma economia baseada na agricultura, na caça e na pesca. A cultura Yangshao é conhecida sobretudo pela sua cerâmica pintada de barro vermelho, mas também pela cerâmica vermelha arenosa e cerâmica cinzenta, esta em muito menor quantidade, e ainda por raríssimas peças de cerâmica branca e de cerâmica preta. O corpo é fino, com superfícies lisas e polidas, decoradas com marcas de incisões, padrões estampados semelhantes a cordas, etc. A temperatura de cozedura podia atingir 900 a 1.000ºC. Não usavam rodas de oleiro de torno rápido. A moldagem era manual ou com roda lenta. Decoravam as peças a pincel com pigmentos negros ou com cinábrio (um mineral vermelho brilhante que consiste em sulfeto de mercúrio). Trata-se do primeiro uso do pincel conhecido e também do primeiro uso do cinábrio como pigmento.
A fase inicial desta cultura é conhecida como fase Banpo (5000-3700 a.C.). A aldeia de Banpo, perto da actual cidade de Xi’an, era um assentamento rodeado por um grande fosso defensivo. Os habitantes faziam cerâmica vermelha ou ocre tanto pintada como sem pintura e sem o auxílio da roda de oleiro: vasos de várias formas, pan, ding, e outros utensílios. Um vaso curioso apresenta uma forma de ânfora de formato oval com alças laterais, um pescoço fino e curto e uma base pontiaguda de modo a poder ser enterrado firmemente na terra ou na argila macia (Fig. 3). Decoravam a cerâmica com padrões de corda (Fig. 3), ou pinceladas vigorosas e fortes de figuras de animais como sapos, pássaros, veados e peixes. A decoração mais representativa é um padrão de peixe de dois tipos, um único peixe (sobretudo no início) ou dois a quatro peixes, muitas vezes pintados no ombro ou na parede interna de bacias de fundo esférico com rebordo enrolado (Fig. 4). Na fase final, o padrão de peixe tornou-se mais abstracto, geométrico e estilizado.
Um dos motivos mais intrigantes é um círculo com olhos, nariz e boca pintados com linhas. Em vez de orelhas erguem-se umas agulhas que apontam para cima e que, por vezes, se convertem em peixes estilizados (Fig. 5). Na cabeça vê-se um triangulo em cuja borda surgem pequenas linhas. O peixe poderá significar o desejo de obtenção de alimentos ou um deus do rio em forma de peixe ou um xamã rogando por uma boa pesca e decorado com adornos em forma de peixe… Também recorriam a motivos geométricos e padrões regulares. Estes eram simples e concisos, com linhas rectas ou curvas longas e curtas, triângulos curvos ou rectos, rectângulos e motivos de folhas enroladas. Crê-se que os fornos, tanto horizontais como verticais, ficaram conhecidos a partir desta fase.
A fase intermédia desta cultura é conhecida como fase Miaodigou (4000-3500 a.C.). As formas eram variações do jarro abaulado guan, da travessa pan e do vaso em forma de ânfora ping, tripés ding, fu de barriga achatada, bacias de fundo plano, tigelas, garrafas de fundo pontiagudo, potes, etc.. Eram confeccionados através da junção de partes, mas o acabado da superfície dissimulava-o com sucesso. As decorações consistiam principalmente em padrões pretos sobre um corpo vermelho acastanhado ou, em casos raros, num corpo revestido de branco. Entre os motivos decorativos encontram-se pássaros, sapos, pétalas de flores e padrões geométricos de listas, pontos, triângulos e linhas curvas (Fig. 6). Na fase posterior de Miaodigou (3900-3000 a.C.) surgem padrões compostos por faixas de linhas ondulantes e espirais abertas.
A fase posterior desta cultura é conhecida como fase Majiayao (3500-2700 a.C.) e abrange a província de Gansu e partes da província do Qinghai, na região superior do rio Amarelo. Os vasos de cerâmica eram geralmente avermelhados ou amarelados e pintados com fluência com desenhos lineares como remoinhos e faixas, grelhas, pontos, linhas onduladas pretas, bem como criaturas estilizadas (peixes, sapos, tartarugas). A tinta cobre muitas vezes grande parte da superfície da peça. Algumas cerâmicas eram em parte pintadas com profusão e em parte decoradas escultoricamente. Com efeito, surgem motivos antropomórficos nas paredes dos recipientes, rostos em relevo rodeados de tinta escura que contemplam o observador (Fig. 7). Poderão representar xamãs ou os chefes da comunidade. O motivo das rãs ou sapos também se torna recorrente.
A maioria das peças de cerâmica era de barro, moldada à mão de forma assaz primorosa e algumas eram feitas com recurso a moldes. Encontraram-se tigelas, bacias, potes, dou, garrafas, yu, zun e chávenas. A cerâmica pintada perfaz 30% a 50% do total. Os padrões eram pincelados suavemente e entre eles contam-se listas, faixas largas, pontos, arcos, ondas, xadrez, linhas paralelas, rostos humanos e sapos. As tigelas e bacias rasas com rebordos enrolados assemelham-se às do tipo Miaodigou. A cerâmica arenosa era decorada sobretudo com padrões de corda ou com várias linhas paralelas ou poligonais, triângulos, etc.
Os vasos da subcultura Banshan de Majiayao (2700-2400 a.C.) eram geralmente polidos e com pequenas alças de orelha presas ao pescoço ou ao bojo. A decoração era feita a preto, vermelho ou castanho. Os motivos eram bastante complexos: remoinhos independentes ou interligados, motivos de cabaça inseridos em nichos, losangos, círculos, triângulos, tramas, arcos contínuos, redes e serrilhas, vigorosas faixas onduladas, padrões de tabuleiro de damas, círculos, sapos ou figuras humanos (Fig. 8). Um motivo muito característico de Banshan era uma forma circular nos quatro lados da peça preenchidas com hachura. As peças de cerâmica pintada mais comuns eram potes de pescoço longo, bojo protuberante e alças duplas. Os padrões decorativos eram pintados sobretudo a preto, por vezes a vermelho.
Com os vasos da subcultura Machang de Majiayao (2400- 2100 a.C.) parece ter tido lugar, em geral, um declínio na qualidade e na quantidade da produção de cerâmica. A cerâmica pintada é herdeira da de Banshan, mas feita de forma mais grosseira, com proporções negligentes e com pintura esparsa e menos definida (Fig. 9). Continuou a usar-se o preto e o vermelho na pintura e surgiu uma nova decoração: uma linha preta flanqueada por duas linhas vermelhas. Além dos padrões herdados de Banpo, traçavam-se padrões abstractos, círculos, anéis, linhas poligonais, espirais quadradas, padrões de conchas, triângulos, sapos e ainda figuras estilizadas de xamãs cada vez mais reduzidos apenas aos membros. Também se moldavam esculturas em relevo sobre os vasos. Surgiram novas tipologias, como a bacia de quatro alças, o pote cilíndrico de alça única, o pote com boca em forma de cabeça humana e o pote com relevo de figura humana.
Cultura Hongshan
(4700 – 2900 a.C.)
A cultura Hongshan desenvolveu-se na bacia do rio Liao e abrangia a área do vale do rio Wuerjimulun de Chifeng, com a Mongólia Interior ao norte, até Chaoyang, a parte norte da província de Hebei, ao sul, e estendia-se para o leste até Tongliao e Jinzhou. A cerâmica da cultura Hongshan era fabricada manualmente e apresentava em geral um tom próximo do vermelho: tigelas, bacias, jarras, potes e panelas, etc., muitas com pequenos fundos planos. Alguma era cinzenta ou preta. Descobriram-se algumas peças feitas de argila refinada e com um acabamento primoroso. As superfícies eram decoradas com padrões feitos com ferramentas, incisões de linhas rectas paralelas e pintura a cor (Fig.10). Os padrões feitos com ferramentas eram principalmente linhas horizontais em forma de Z com algumas linhas verticais em forma de Z e padrões de pontos de pente em forma de Z. Este padrão em Z distingue facilmente a cerâmica Hongshan das demais. A cerâmica de argila vermelha era pintada a preto ou vermelho-arroxeado antes de ser cozida. Entre os padrões decorativos da cerâmica pintada contam-se listas paralelas pretas ou roxas, triângulos, grades, linhas rectas e oblíquas, losangos, escamas, remoinhos, girinos, etc. Faziam tigelas, potes de gargalo profundo e potes de boca plana e de boca inclinada, etc. A roda de oleiro generalizou-se no início do terceiro milénio e apareceu cerâmica preta ou branca de excelente qualidade.
Cultura Hemudu
(4400- 3300 a. C.)
A cultura Hemudu localizava-se no actual Zhejiang, a sul do rio Changjiang (Yangtse ou Iansequião). Os assentamentos erguiam-se sobre palafitas cimeiros aos cursos de água e tinham telhados e paredes de colmo. Cultivava-se arroz e não cereais, ao contrário do que sucedia com as culturas do norte. Criava-se gado e domesticavam-se cães e porcos. Desenvolveu-se ainda alguma navegação marítima.
Na primeira fase de Hemudu (5500-4550 a.C.), a cerâmica era temperada com carvão e apresentava uma aparência negra. Era cozida a baixa temperatura (800 a 930ºC). A decoração consistia em incisões simples ou impressões em onda, mas também animais ou plantas. A cerâmica de uso corrente era escura, com paredes grossas e irregulares. Costumava ser decorada através do recurso à técnica da corda enrolada ou então, mais raramente, era pintada. Também recorriam à técnica da estampagem que se alastrou a outras culturas a partir do quinto milénio a.C. Os padrões de plantas encontravam-se principalmente em caldeirões fu. Algumas peças eram decoradas com algas aquáticas ou espigas de arroz ou com padrões de animais como a fénix e suínos cujo corpo era ornamentado com espirais e padrões de folhas (Fig 11).
Na segunda e terceira fases de Hemudu (4550-3550 a.C.), a cerâmica era principalmente de cor acinzentada. A decoração permaneceu simples, embora se conseguisse temperaturas de cozedura um pouco mais altas. Na última fase (3550-3350 a.C.), a cerâmica era vermelha e cinzenta. Era mais fina e sólida porque era cozida em temperaturas mais altas. A modelagem, todavia, era ainda sobretudo manual, embora já se usasse a roda de oleiro lenta. Alguns objectos foram feitos com roda mais rápida.
Cultura Dawenkou
(4300-2600 a.C.)
A cultura Dawenkou abrangia comunidades que viviam principalmente na actual província de Shandong, A cerâmica era geralmente de argila vermelha mas, nas fases intermediária e tardia, a cerâmica cinzenta e preta aumentou significativamente. Uma característica importante da cerâmica Dawenkou é a pintura a cores, variada e rica: vermelho, cinzento, cinzento-azulado, castanho, amarelo, preto e branco. Alguns vasos eram pintados com uma camada vermelha ou branca antes de os padrões coloridos serem traçados. Entre eles encontram-se pontos, triângulos, círculos, ondulações, losangos, remoinhos, arcos, octógonos, motivos florais, linhas poligonais paralelas, linhas curvas e grades. A pintura achava-se principalmente na superfície exterior (Fig. 12).
Os gui, vasos de haste longa, são característicos da fase inicial (4300-3500 a.C.) e também se encontram na cultura posterior de Longshan. O número de bens depositados nos túmulos começou a aumentar na fase intermédia (3500-3000 a.C.). Na fase final (3000-2600 a.C.), certas sepulturas eram desprovidas de bens tumulares, enquanto outras continham uma grande quantidade. Ao longo destas três fases, a cerâmica foi-se tornando cada vez mais sofisticada. Faziam-se tripés he, potes de ombros largos e dou cilíndricos, jarros, chávenas, tigelas, etc. Quando eram decorados, exibiam principalmente desenhos a preto e branco. Os ceramistas de Dawenkou foram os primeiros a usar rodas de torno rápido.
O caulino, que confere brancura e resistência e será um ingrediente chave para o aparecimento das primeiras porcelanas no séc. VI, foi usado pela primeira vez na fase posterior de Dawenkou. Conseguiu-se obter uma cerâmica branca de corpo fino que era cozida em temperaturas altas, à volta dos 1200 ºC, muito mais alta do que os 800 a 1000ºC utilizados até então. No período intermédio de Dawenkou, a cerâmica branca já representava 18% da totalidade. Era caulinite misturada com areia fina e apresentava uma textura dura e lisa, com uma cor branca levemente amarelada ou rosada. Esta cerâmica abriu caminho à cerâmica casca de ovo de Longshan. Todavia, embora o caulino fosse utilizado desde esta época tão remota, foi preciso esperar pela dinastia Tang (618-907 d.C.), ainda de forma primitiva, e de forma completa na dinastia Yuan (1271-1368 d.C.) para se encontrar um fundente adequado que lhe melhorasse as qualidades plásticas e lhe baixasse a temperatura de fusão, dando início assim ao fabrico de porcelana.
Cultura Longshan
(2500-2000 a.C)
A cultura Longshan, no Shaanxi, Hubei, Henan e Shandong, sucedeu às culturas Yangshao e Dawenkou. Também se baseava na agricultura. A população da bacia do rio Amarelo e de Shandong parece ter triplicado entre o período Dawenkou e Longshan. Os assentamentos agrupavam-se no interior de muralhas fortificadas, sendo a mais impressionante a de Taosi, no Shanxi, local do primeiro observatório astronómico chinês. Erguiam-se também muralhas internas de terra para separar as áreas residenciais e cerimoniais abastadas das áreas para o povo comum.
Os túmulos que revelam uma grande riqueza são escassos. Colocavam-se os cadáveres dos abastados em caixões de madeira pintados. Detecta-se uma crescente diferença entre os bens de luxo encontrados principalmente nos túmulos e os bens utilitários encontrados também em áreas residenciais. As rodas rápidas e os fornos de alta queima tornaram-se comuns no fabrico de cerâmica. Desenvolveu-se uma especialização no trabalho, com padronização e com linhas de produção. Foi então que se conheceu o processamento do bronze, como o testemunha uma faca de cerca de 2800 a.C., que se acredita ser o artefacto de bronze mais antigo encontrado na China.
A categoria de cerâmica predominante neste período foi a cerâmica negra. Devido à negrura da maior parte das superfícies, a prática da pintura diminuiu. As peças de cerâmica preta para uso diário eram geralmente lisas e polidas, de aspecto requintado. A superfície podia ser decorada com padrões de cordas, alguns côncavos e outros convexos. A região abrange o local onde foi criada a cerâmica preta “casca de ovo”, com paredes com menos de 0,7 mm de espessura, desenvolvimento associado ao aprimoramento das técnicas de cozedura e da regulação da atmosfera do forno. Demasiado frágeis para o uso quotidiano, as “casca de ovo” tinham provavelmente funções rituais, como os tripés ding e os vasos de vinho dou. Moldavam-se peças requintadas como copos e jarros com hastes elegantes, de superfície polida e brilhante e com uma decoração esmerada (Figs. 13 e 14). Para tanto recorria-se em grande escala a rodas de alta velocidade, a fornos aperfeiçoados e a novas técnicas, como o oxigénio reduzido. Na queima por redução de oxigénio a quantidade deste é diminuta. As aberturas dos fornos são fechadas, causando uma combustão incompleta que produz monóxido de carbono.
Na cultura Longshan de Shandong, mais de metade das peças de cerâmica eram feitas com roda de oleiro, resultando em paredes altamente polidas com apenas 0,5 a um milímetro de espessura. A maioria era de cerâmica preta, seguida pela cerâmica cinzenta. Algumas peças eram de cerâmica vermelha, amarela e branca, sobretudo sob a forma de gui. A temperatura de cozedura da cerâmica preta era de cerca de 1.000ºC, a da cerâmica vermelha de 950º C e a branca de 800 a 900ºC.
Deu-se um aumento notório no número de recipientes para bebidas alcoólicas, como o jia e o gu, chávenas e pequenos potes, o que mostra que nessa época houve um excedente considerável de grãos.
Encontrou-se ainda cerâmica branca do final da cultura Longshan em túmulos e locais arqueológicos em Yuxi, no Henan. Ostentava uma textura fina e um acabamento requintado. Tratava-se sobretudo de gui e dou e de um número menor de tigelas e de yu.
Cultura Erlitou
(1900-1500 a.C.)
A cultura Erlitou emergiu no oeste do Henan e estendeu-se depois a Shanxi, Shaanxi e Hubei onde, no Neolítico, se haviam desenvolvido as culturas Yangshao e Longshan, entre outras. Erlitou foi uma grande cidade da Idade do Bronze e o epicentro da cultura com o mesmo nome. O fim da cultura Erlitou foi marcado pela decadência dessa cidade e por uma paragem completa da produção de bens de luxo.
Em túmulos abastados em Yanshi, no Henan, encontrou-se cerâmica branca, bem como cerâmica vitrificada (proto-porcelana) decorada com turquesa e conchas do mar. Algumas cerâmicas brancas foram decoradas com serrilhas na borda da boca, dois círculos de padrões de corda no bojo e esculpidas com padrões de triângulos no cabo (Fig 15). A textura é dura e as paredes relativamente finas. Note-se que, em 2012, se descobriu o forno mais antigo da China que produziu proto-porcelana em Piaoshan, no Zhejiang, cuja actividade coincidiria com a dinastia Xia, de 2070 a 1600 a.C.
O termo ‘proto-porcelana’ designa o estágio que antecede a porcelana: uma cerâmica branca, ainda não totalmente translúcida, dura, com baixa porosidade, geralmente vidrada, com cozedura a cerca de 1200°C. A argila de Erlitou continha sílica e alumina com outros óxidos para diminuir a temperatura de fusão. Ao arrefecerem, cimentavam a argila. Quando surge uma cor verde ou amarelada nas peças deste período é o resultado da presença de óxido de ferro que, sob redução de oxigénio, se torna dessa cor.
Dinastia Shang
(1766-1046 a.C.)
Os primeiros vasos em grés da dinastia Shang recorriam a uma pasta grossa branca acinzentada, por vezes castanha, e consistiam principalmente em jarros e taças com haste, cuja espessura e forma eram irregulares. O vidrado ainda não aderia ao corpo na perfeição, além de não ser frequente. Caso existisse, era verde-amarelado, verde-acastanhado ou acinzentado. Encontraram-se vasos tripés ding (que, além de três pernas, apresentavam por vezes também três asas), yan, jia, guan, pan, dou, he, gui, etc.
Encontrou-se cerâmica dura estampada no curso médio e inferior dos rios Amarelo e Yangtze, mais rica e variada ao longo deste último. No curso médio e inferior do Rio Amarelo tratava-se sobretudo de peças de corpo castanho arroxeado ou amarelado sob a forma de zun e de potes, com padrões de cordas no pescoço, sendo os bojos estampados com nervuras de folhas, padrões de nuvem ou espinha de peixe. No curso médio e inferior do rio Yangtze, havia zun e potes, caldeirões, tigelas, chávenas e dou. A cor era arroxeada e castanho-amarelada, com um certo número de vermelhos e castanhos avermelhados. Os padrões comuns eram nuvens, nervuras de folhas, grades, qiequ (faixa em forma de S) e espirais.
Descobriu-se cerâmica branca do início da dinastia Shang, sob a forma de gui, he, jia e jue, em alguns locais e túmulos em Yuxi, no Henan. Do período intermédio, como dou, potes e tigelas, além de gui, he, jia e jue. acharam-se pouco mais do que apenas fragmentos no curso médio e inferior do rio Amarelo. Um maior número de peças e mais requintadas em termos de acabamento acharam-se em Anyang. A cerâmica branca do final desta dinastia apresenta um acabamento excelente e não estava ao alcance das gentes comuns que só podiam adquirir cerâmica cinzenta produzida em massa. O final da dinastia foi, portanto, um período áureo para a antiga cerâmica branca que era de um branco puro, com uma textura corporal fina e com padrões decorativos refinados na superfície, como a máscara taotie, o dragão gui e “padrões de nuvem”, à semelhança do que sucedia com as peças rituais de bronze da época (Figs. 16 e 17).
Na dinastia Shang tardia, a tecnologia de fabrico dos grés de corpo duro e alto fogo, do vidrado cerâmico e dos vasos de corpo branco e macio à base de caulino (proto-porcelana) apresentaram francas melhorias. Encontraram-se pequenas quantidades de cerâmica branca requintada e supõe-se que era fabricada numa única oficina especializada. A mistura básica desta proto-porcelana consistia numa argila rica em caulino com um conteúdo de ferro inferior a 3%. Era cozida a cerca de 1200°C, numa primeira fase para cozer o recipiente e, numa segunda fase, para produzir o vidrado. Nesta última fase, expunha-se a cerâmica às cinzas depositadas no forno que acabavam por se liquefazer e misturar-se com alguns componentes da argila recobrindo assim as paredes de forma moderadamente irregular. Os motivos esculpidos e estampados assemelhavam-se aos da decoração dos vasos de bronze (Fig. 17).
Dinastia Zhou
(1046-256 a.C.)
Na dinastia Zhou o culto funerário sofreu várias transformações. O número de sacrifícios humanos diminuiu. Em vez dos túmulos em forma de cruz da aristocracia Shang, construíam-se edifícios subterrâneos semelhantes a uma casa, com divisões interligadas. Mas a prática de enterrar objectos com os cadáveres continuou. Esses objectos podiam tanto ser 明器mingqi, elaborados propositadamente para o túmulo, como 神器 shenqi, objectos que haviam sido utilizados em vida. Esta tendência acentuou-se muito na dinastia Han.
A cerâmica vidrada foi muito apreciada na Idade do Bronze e no primeiro império (Fig. 18). Como consequência, assim como do enorme prestígio dos bronzes e, mais tarde, da laca, a terracota passou a ser usada apenas para a produção de vasos e objectos de uso quotidiano, decorações tumulares e, nos períodos dos Reinos Combatentes e da Primavera e Outono, assim como no período imperial, no fabrico de estatuetas funerárias mingqi.
Em meados da dinastia Zhou ocidental (1046-771 a.C.), os padrões típicos da dinastia Shang, como o taotie e o dragão gui, desapareceram. Padrões geométricos de aspecto ordenado e elegante tornaram-se comuns, entre eles o padrão de nuvens e de cordas, qiequ (forma de S), o duplo círculo, círculos, ziguezagues, xadrez, grades, padrões de esteira, nervuras de folha, padrões em forma de dentes…
Na dinastia Zhou oriental (771–256 a.C.), a cerâmica apresentava formas paralelas às dos vasos de bronze, com uma decoração pintada de espirais cruzadas e outros motivos geométricos e animais.
A cerâmica cinzenta do período da Primavera e do Outono era principalmente cerâmica de barro, seguida pela cerâmica arenosa. Havia também cerâmica vermelha arenosa e cinzento-acastanhada arenosa. Os recipientes de cozinha mais comuns eram o li, o fu e o zeng.
No período dos Reinos Combatentes, quase todos os recipientes para cozinhar foram substituídos por fu. A maioria das peças de cerâmica cinzenta apresentava superfícies lisas ou polidas, enquanto os fu e os potes eram amiúde decorados com padrões de corda. Havia dois padrões principais na decoração, o de corda grossa estampada e o padrão de turbilhão. Os padrões de corda eram aplicados principalmente no bojo de li, fu, jarros, bacias, zeng e potes e os padrões de turbilhão no ombro de li e fu e na parte superior do bojo das bacias. O dou e o you eram geralmente lisos ou polidos. Mas surgiu também uma cerâmica que era pintada após a cozedura. Como não eram cozidas uma segunda vez, as cores tendiam a desbotar ou descascar, tornando-a imprópria para o uso diário e destinando-se apenas ao túmulo (Fig 19).
Dinastia Han
(202 a.C.-220 d.C.)
Na dinastia Han, surgiu uma verdadeira indústria da cerâmica, dedicada sobretudo ao fabrico de objectos funerários. As escavações sugerem que os locais de fabrico mais importantes coincidiam com os centros de poder, onde os túmulos eram mais luxuosos, como as zonas próximas de Chang’an (a actual Xi’an), na província de Shaanxi, e Luoyang, na província do Henan. capitais dos períodos Han Ocidental (206 a.C. – 9 d.C.) e Han Oriental (25 – 220 d.C.), respectivamente.
A cerâmica arenosa tornou-se rara. Os vasos de cerâmica de barro cinzento continuaram a ser os mais comuns nas dinastias Qin e Han, tanto sob a forma de objectos de uso quotidiano como de objectos funerários. Apresentavam principalmente padrões de cordas, riscas, padrões estampados, relevos modelados, coloração e pintura. Além do vermelho, do amarelo, do preto e do branco que vinham do passado, adicionou-se o laranja, o castanho-avermelhado, o azul, o verde, o cinzento e o castanho. Além disso, em vez de se usar apenas uma cor em cada peça, aplicavam-se múltiplas cores, tornando os potes da época muito distintos. A superfície, desde a borda ao bojo, era dividida com linhas vermelhas ou pretas suaves que formavam secções preenchidas com tintas de cores vivas (Fig. 20). O bojo era muitas vezes pintado com motivos como o Dragão Azul, o Tigre Branco, a Fénix Escarlate e padrões de nuvens. As bocas e rebordos eram pretos. Os vasos de cerâmica destinavam-se ao túmulo e podiam ser réplicas de peças em laca ou em bronze. Não obstante as formas e decoração primorosas, os pigmentos de cores vivas aplicados sem cozedura tinham tendência a esboroar-se e o chumbo contido nos vidrados tornava-os tóxicos.
No início da dinastia Han Ocidental, a maioria dos túmulos continha um conjunto de ding, dui, fang e potes, ou um conjunto de ding, dui e potes, em geral imitações de conjuntos de peças rituais de bronze ou laca. Em meados da dinastia Han Ocidental, a maioria dos túmulos continha uma colecção de ding, dui, potes, vasos para grãos, fogões e, às vezes, também bacias e tigelas. No final da dinastia Han Ocidental, continham também lâmpadas, queimadores de incenso, fu, zeng e pratos.
A proto-porcelana da dinastia Han Ocidental, de formas grandiosas e acabamento impecável, consistia sobretudo em objectos funerários que imitavam peças rituais de bronze: ding, dui, fang, copos sem alça e bu. A tampa e a parte superior do ding e do dui costumavam apresentar um vidrado verde-azulado ou castanho-amarelado. Esta proto-porcelana era geralmente decorada com padrões simples, como cordões e ondulações de água.
Em meados da dinastia Han Ocidental, algumas tipologias desenvolveram novas características, enquanto outras foram desapareceram, sendo substituídas por novas. O acabamento já não era tão requintado ou meticuloso como no início da dinastia Han. No final da dinastia Han Ocidental, várias tipologias de objectos rituais quase desapareceram enquanto se registava um aumento na manufactura de utensílios de uso quotidiano, como potes, bu, jarros, caixas de espelhos, bacias e colheres.
No final da fase intermédia da dinastia Han Ocidental, surgiram padrões em relevo formados através da colagem de tiras finas de lama na peça, formando ondulações, flores, nuvens ondulantes e espinhas de peixe… Começou a recorrer-se à técnica de imersão para aplicar vidrados. As peças eram totalmente vidradas, por vezes com a excepção das áreas próximas do fundo. Os padrões decorativos ocupavam a borda da boca, o pescoço, os ombros e a parte superior do bojo.
Nos túmulos do início da dinastia Han Oriental, os objectos rituais como o ding e o dui diminuíram drasticamente. Em meados da dinastia Han Oriental, desapareceram por completo, sendo substituídos por mingqi, figuras, em geral de terracota, das personagens e ambientes que eram familiares ao defunto, como oficiais militares e funcionários civis, damas de corte e damas de companhia, criados, cortesãos, animadores, trabalhadores agrícolas, etc. (Fig. 21). Contavam ainda com figuras de animais, como cavalos, cães, bois, vacas, porcos, ovelhas e galinhas e modelos arquitectónicos de edifícios, como torres de vigia, quintas, fortalezas, casas de tipo complexo, currais, pocilgas, poços, moinhos, celeiros, teares, tanques…
Período das Seis Dinastias
(220-589)
No final da dinastia Han oriental, a proto-porcelana das regiões meridionais alcançou um excelente nível de qualidade que se manteve neste período. Na dinastia Jin Ocidental (266–316), surgiu uma técnica de vidrado que não só tornava possível uma única cozedura, como tornava possível regular a intensidade do brilho. Consistia na aplicação de uma substância líquida directamente sobre a superfície do objecto que se tornava vítrea na fase da cozedura, tendo como efeito um revestimento homogéneo. Os vidrados à base de chumbo adquiriam uma cor branca, âmbar, castanha ou verde-azeitona, enquanto os vidrados à base de ferro adquiriam tons de verde.
Os céladon do Zhejiang e do Jiangxi eram os mais valorizados devido à forma e à superfície regular do vidrado (Fig. 22). A cerâmica de uso quotidiano era principalmente cinzenta e cozida a baixa temperatura, pequena, áspera e de variedade limitada.
Faziam-se desde o final da dinastia Han 魂瓶 hunping, vasos da alma, um tipo de urna funerária do Jiangsu e do Zhejiang que pode ter servido para conter fruta para acompanhar o defunto no Além (Fig. 23).
São vasos de forma elegante, adornados com motivos em relevo e confeccionados a partir de moldes. Com efeito, o ombro e a tampa apresentam uma acumulação de figuras modeladas e acrescentadas que representam temas muito diversos, como personagens, animais, híbridos, rochas, arquitectura, elementos de paisagens. A temática provinha do taoísmo, do budismo e do culto aos antepassados, retirando-se desses sistemas de crenças tudo quanto revelasse eficácia apotrópica. A produção de hunping terminou abruptamente em 319-20, talvez porque os soberanos tivessem procedido a uma unificação dos ritos.
Na dinastia Wei (386-557 d.C.) dos Xianbei, o principal artigo em cerâmica eram figuras tumulares de aspecto realista, cor cinzenta e desprovidas de vidrado, como guerreiros esguios e cavalos com armaduras ornamentadas (Fig. 24).
Também se colocavam nos túmulos 镇墓兽 zhenmushou de cerâmica, guardiões mitológicos com poderes apotrópicos. Em geral, formavam um par, tendo um deles características mais próximas dos humanos e o outro dos felinos.
Na dinastia Qi do Norte (550 – 577), no final do século VI, desenvolveram-se variados tipos de grés e os primeiros exemplos de vidrado sancai (tricolor) que iriam atingir o auge posteriormente, na dinastia Tang.
A principal conquista desta época foi o fabrico de céladon, seguido pela porcelana preta e também branca. Os céladon são vidrados esverdeados de alto fogo cozidos numa atmosfera redutora e cuja cor, em vários tons de verde, provém de pequenas quantidades de ferro e de óxido de titânio.
A porcelana branca das dinastias do Norte caracterizava-se por uma argila muito lavada, fina e branca. Não se recorria a qualquer engobe (uma pasta que contém propriedades entre a argila e o vidrado e serve para unir ambos). A camada de vidrado era fina e brilhante, branca leitosa com um sub-tom de azul devido a quantidades muito diminutas de ferro. A remoção total do ferro ainda não estava ao alcance dos ceramistas. Ou talvez estivesse, mas não a de outro tipo de impurezas que também produziam variações na cor branca. Tratava-se sobretudo de utensílios de uso quotidiano, como tigelas, copos, garrafas de gargalo longo, etc. As formas eram herdeiras do céladon das dinastias do Norte e a decoração consistia principalmente em pétalas de lótus, a flor do budismo, que havia sido introduzido na China na dinastia Han.
Dinastia Sui
(581-618)
Na dinastia Sui, conseguiu obter-se um tipo de grés vidrado análogo da verdadeira porcelana que seria aperfeiçoado na dinastia seguinte, a Tang (Fig. 25). Ganharam fama as cerâmicas brancas dos fornos Xing e dos fornos Ding, ambos no Hebei, assim como as porcelanas pintadas e vidradas de Tongguan, no Hunan, e ainda os céladon de formas elegantes, por vezes com decoração incisa, dos fornos Yue, do Zhejiang e a sul da província de Jiangsu. Cozidos em fornos ‘dragão’, os céladon dos fornos de Yue, que se vinham dedicando ao fabrico de peças em grés cozidas a alta temperatura desde a dinastia Shang e estiveram activos até à dinastia Song, assim como a cerâmica branca dos fornos de Xing, que seria depois imitada e suplantada na dinastia Song pelos fornos de Ding, constituíram as mais altas realizações desta dinastia. Em termos de formas, a dinastia Sui herdou muitas do Período das Seis Dinastias. Mas exibiam algumas características distintas, sendo as peças geralmente mais altas e elegantes, com a maioria dos potes e garrafas apresentando bojos ovais.
Dinastia Tang
(618-907)
Na florescente dinastia Tang, a cerâmica decorada sob o vidrado conheceu desenvolvimentos.
A cerâmica vidrada de uso predominantemente funerário mais conhecida da dinastia Tang é a cerâmica sancai, tricolor. Com a sancai praticava-se a aspersão livre de vidrados sobre o corpo de cerâmica, o que foi depois aplicado também na cerâmica para uso quotidiano. O vidrado sancai costuma terminar numa linha irregular acima da base, talvez para evitar que gotas de vidrado se fundissem com a prateleira do forno. Para aumentar o grau de controlo das peças sancai mais elaboradas recorria-se às técnicas de reserva com cera e a múltiplas aplicações. Estes vidrados ganharam popularidade, mas apenas os abastados os podiam adquirir. Por isso, as peças com vidrado tinham sempre o seu par sem vidrado.
Teve também lugar o segundo apogeu da cerâmica funerária mingqi, sendo o primeiro a dinastia Han. Elaboravam-se mingqi em sancai que representavam com vivacidade e elegância todas as actividades, personagens e objectos do quotidiano: cães, porcos, camelos, cavalos, animais alados, carros de bois, figuras antropomórficas de guardiães zhenmushou, lokapala, figuras humanas, algumas delas estrangeiras, como era próprio desta dinastia cosmopolita, etc. (Fig. 26). Devido ao papel que o acaso desempenha na técnica sancai e à imprecisão na colocação das cores, os pormenores da maior parte destas figuras, cujos rostos não eram vidrados, costumavam ser pintados a frio depois da cozedura com pigmentos como o cobre, o ferro e o cobalto, importado do oeste. Também se faziam em sancai jarros, chávenas, pratos, gomis e vasos com formas importadas de países estrangeiros, como o ritão. Tratava-se de produção em massa e de modelos estandardizados.
O principal centro de fabrico deste tipo de cerâmica parece ter-se localizado em Gongxian, no Henan. A cerâmica sancai foi cozida pela primeira vez no reinado do imperador Gaozong e ganhou proeminência sob a forma de objectos funerários no reinado do imperador Xuanzong. Após o ocaso da dinastia Tang, a cerâmica de terracota sancai deixou de desempenhar qualquer papel na China excepto, por vezes, sob a forma de telhas. Só continuou a ser usada na dinastia estrangeira Liao (907 – 1125 d.C.) no nordeste, com um estilo baseado nas tradições nómadas que lhes eram próprias.
Mais tarde, a cerâmica deixou de ser utilizada sobretudo para fins funerários, uma vez que os vidrados adquiriram novas cores e as formas se tornaram mais bem delineadas e com textura mais homogénea. Com o crescente consumo de chá, as peças de cerâmica tornaram-se objectos de luxo e um foco de grande interesse por parte dos apreciadores daquela bebida. O estilo passou de multicolor a sereno e mesmo monocromático, pois a monocromia agradava às elites (Fig. 27).
A cerâmicas de vidrado branco dos acima mencionados fornos de Xing e os céladon dos acima mencionados fornos de Yue tonam-se cada vez mais elaborados devido a novos processos de fabrico. Os céladon de Yue da dinastia Tang raramente eram decorados, e impressionavam tão-só pela maravilhosa cor do seu vidrado. Só no final da dinastia começaram a surgir padrões relativamente simples ou palavras gravadas nas cavidades de tigelas e de pratos, no bojo dos potes ou nas tampas de caixas. Os mais comuns eram entalhes de linhas suaves e simples de nuvens ruyi, flores de lótus, flores de maçã silvestre e flores e folhas de videira. Os padrões impressos surgiam em superfícies redondas, como as cavidades das tigelas e pratos, consistindo em dragões a voar por entre nuvens, caracteres da longevidade e vários tipos de flores. Além da escultura e da impressão, também se recorria à a pintura sob o vidrado e às incrustações de ouro e prata.
No séc. IX, descobriu-se no templo Famen, no Shaanxi, que os fornos de Yue criavam peças vidradas que ficaram conhecidas como mise (cor secreta) cujo tom e forma eram sumamente requintados e não apresentavam qualquer problema de toxicidade (Fig. 28). A mise é o tipo de porcelana tributária mais antigo da China, feito especialmente para a família imperial.
Quanto à porcelana preta, era fabricada por quase todos os fornos que produziam porcelana branca e céladon, pois apenas diferia destes no teor de ferro e no uso de chama oxidante ou redutora durante a cozedura. Os fornos de Ding em Quyang e os fornos de Xing em Neiqiu, no Hebei, os fornos de Hunyuan, no Shanxi, os fornos de Tiejianglu em Gongxian, os fornos de Xiguan em Mixian, os fornos de Hebiji em Tangyin, no Henan, e os fornos de Yaozhou em Tongchuan, no Shaanxi, fabricavam porcelana preta. Todavia, a produção não era elevada porque a procura do mercado era limitada.
Dinastia Song
(960 to 1279 d.C.)
Com a prática da incineração na dinastia Song, as oferendas funerárias em cerâmica foram sendo substituídas por oferendas sob a forma de queima de papel em frente aos túmulos.
Uma das várias e grandes proezas da dinastia Song foi a sua cerâmica, caracterizada pela subtileza do tom do vidrado e pela excelência dos seus céladon, assim como pela decoração em relevo raso. Os fornos de Ding, Ru, Jun (no norte) Guan e Ge (no sul) ganharam renome devido à excelência e variedade, o que posteriormente lhes valeria o epíteto 五大名窑, wu da ming yao, “Os Cinco Grandes Fornos”.
Os fornos de Ru, no Henan, fabricavam céladon de qualidade excepcional. Estiveram operacionais durante apenas umas décadas e eram pertença da corte imperial do imperador Huizong. Fecharam em 1127 quando a dinastia Jin derrotou a dinastia Song do Norte. A partir de então, as suas porcelanas passaram a ser consideradas preciosas. A quantidade de ferro nas matérias-primas e a chama de redução eram cuidadosamente controladas, demonstrando grande maturidade na confecção das peças. Como os vasos eram colocados sobre pinos durante a cozedura, as bordas da boca e até mesmo as bordas dos pés ficavam totalmente cobertas com uma camada de vidrado liso e lustroso. Toda a superfície apresentava um craquelée ligeiro e regular. As cores do vidrado eram azul-claro, azul-celeste, verde-ervilha, azul-esverdeado e clara-de-ovo. A louça de Ru que sobreviveu até hoje consiste principalmente de pratos e travessas, que podem ser grandes ou pequenos, profundos ou rasos. As tigelas rareiam. A maioria das peças ostenta pés circulares (Fig. 29).
Os fornos de Jun, igualmente no Henan, cuja produção não se destinava à corte imperial, fabricavam cerâmica cozida em redução forçada, mais robusta, com um vidrado espesso de um azul-lavanda que resultava de um efeito óptico provocado por gotículas minúsculas que refractavam a luz e que surgiam no processo de vitrificação. As peças apresentavam por vezes manchas vermelhas ou violeta conseguidas através da inclusão de partículas de ferro ou cobre. Com efeito, estes fornos foram os primeiros a usar com sucesso óxido de cobre como corante numa atmosfera redutora, uma conquista tremenda na época. Mais tarde, isto permitiria a cozedura de vidrado vermelho a alta temperatura, o que é extremamente difícil. Devido à presença de óxido de cobre, os vidrados opacos da louça de Jun diferiam na cor dos demais céladon e a sua cor azul com tonalidades de violeta, assim como o brilho que adquiriam após a cozedura, a todos seduziram (Fig. 30). Quanto às formas, eram simples e requintadas e imitavam na sua maioria os antigos vasos rituais de bronze.
No séc. X, a especialidade dos fornos de Xing e de Ding, no Hebei, era o grés vidrado branco transparente, com paredes finas e ligeiramente translúcidas que são consideradas as primeiras porcelanas. Nesse mesmo século, os fornos de Ding, que operavam desde a dinastia Tang (618-907), superaram os de Xing. Atingiram o auge no séc. XI e foram fechados na dinastia Yuan (1271-1368). Fabricavam em série, recorrendo a moldes. Operavam com temperaturas extraordinariamente elevadas e constantes, em fornos alimentados a carvão e não a lenha. Conseguiam desse modo fabricar cerâmicas que já não apresentavam um tom azulado, mas sim uma cor branca ou marfim e que era especialmente apreciada pelos monges budistas (Fig. 31). O vidrado podia também ser verde, preto ou castanho e, por vezes, criavam um efeito designado por “gota de lágrima”. Consiste no corrimento do vidrado ao longo da superfície dos vasos de porcelana. As peças apresentavam por vezes uma decoração inspirada na ourivesaria e, posteriormente, nos brocados, e era esculpida, incisa, estampada, modelada ou gravada.
Os fornos de Yaozhou iniciaram a sua produção de peças brancas, pretas e verdes na dinastia Tang, no Shaanxi e espalharam-se depois por uma vasta área, tornando-se nos únicos fornos do norte a fabricar cerâmica céladon, em geral de um tom verde-azeitona translúcido sobre um corpo cinzento-claro, mais raramente azul-escuro, esmeralda, verde vivo, etc. (Fig. 32). Nos fornos de Yaozhou localizados a sul, os céladon ganharam um tom de jade. Na dinastia Jin, ganharam uma tonalidade verde mais clara ou mesmo “branco lunar”. São um dos fornos de céladon com melhor reputação, tendo atingido o auge na dinastia Song do Norte (960-1127 d.C.), embora não fizessem parte dos Cinco Grandes Fornos. A produção destes fornos cessou no período Jiajing, no final da dinastia Ming (1368-1644). No período áureo, os fornos de Yaozhou fabricavam tigelas, pires, bules, pratos, jarras, etc. Entre as técnicas decorativas contavam-se a gravura, o entalhe, o decalque, o esgrafito, entre outras, com motivos de animais e plantas, peixes a nadar e patos em lagos com flores de lótus, e ainda crianças a brincar. Criavam peças com motivos estampados ou incisos (dragões, fénix, padrões vegetais) através do manejo de instrumentos de bambú.
Os fornos de Cizhou no Hebei, Henan, Shanxi e Shaanxi fabricavam peças destinadas ao uso quotidiano e às gentes comuns e utilizavam como matéria-prima “terra azul e áspera” local, muito diferente da matéria-prima fina e branca das porcelanas brancas dos fornos de Ding e Xing. Por isso, os ceramistas de Cizhou aplicavam primeiro uma camada de engobe branco no corpo das peças e só depois as decoravam. Para a decoração, recorriam à combinação de diversas técnicas como pintura, entalhe e esgrafito. Foram também capazes de seduzir as elites com peças robustas brancas e pretas, decoradas com pinceladas a castanho, preto ou cinzento sobre fundo branco, creme, amarelo-claro ou turquesa, ou com incisões no revestimento que revelam a cor contrastante da superfície. Esta adopção de técnicas tradicionais da pintura chinesa a tinta para desenhar padrões pretos sobre um fundo de porcelana branca com um pincel, num estilo extremamente livre e ousado, é especialmente notável (Fig. 33). As formas de Cizhou também testemunham uma grande criatividade.
Os fornos de Guan são considerados os fabricantes da melhor porcelana céladon e dividem-se em fornos de Guan do norte, em Bianjing (a actual cidade de Kaifeng, no Henan), e fornos de Guan do sul, em Hangzhou, no Zhejiang. Os primeiros fabricavam porcelana céladon para a corte, de corpo fino e vidrado espesso e liso, com a superfície muitas vezes craquelé. A borda superior das porcelanas apresentava uma cor arroxeada e a borda inferior uma cor de ferro escuro. Poucas peças da dinastia Song do Norte sobreviveram e trata-se principalmente de tigelas, zun, ding, gu e pratos e garrafas para servir como utensílios cerimoniais do estado.
Elaboravam igualmente artigos para escritório, os chamados “quatro tesouros do estúdio”, relacionados com as preferências pessoais do imperador Huizong. Apresentavam um corpo grosso e preto com vidrado azul-claro ou azul-esverdeado, brilhante e com craquelé. As peças pequenas também podiam apresentar craquelé do tamanho de padrões de tartaruga (Fig. 34) com linhas “sangue de enguia”, um efeito de grande beleza. Este efeito era provocado pelo aproveitamento de uma incapacidade, a fissuração das superfícies do vidrado devido à ligação deficiente que este estabelecia com o corpo da peça.
Os fornos de Jindezhen, no Jiangxi, onde existiam muitos depósitos de pedra porcelanosa, conseguiam fabricar pelo menos desde o séc. X peças de corpo muito claro, com muito caulino, revestidas de vidrado translúcido com reflexos azulados, graças à atmosfera ligeiramente reduzida: a célebre porcelana 青白qingbai, branco-azulada (Fig. 35). Coziam as peças em fornos dragão abastecidos a lenha. Tornaram-se num produto de topo dada a pureza da textura e o acabamento primoroso. Estas cerâmicas qingbai seriam depois eclipsadas no séc. XIV pelas ainda mais célebres porcelanas azuis e brancas 青华qinghua.
Os fornos de Jizhou, no Jiangxi, operaram desde o final da dinastia Tang até fecharem abruptamente no séc. XIV. Tinham com especialidade a louça para o chá. Gozaram de grande prestígio, em especial nos círculos de monges budistas e de entendedores de chá da dinastia Song. Fabricavam louças com vidrados pretos, amarelos e cor de caramelo, azuis, brancos e brancos com pintura a castanho… A louça preta vidrada tornou-se especialmente apetecida devido ao costume de observar a cor do chá e à popularidade das “competições de chá”. Os apreciadores de chá da dinastia Song utilizavam nessas competições de chá tijolos de chá semi-fermentado. O tijolo era moído até se tornar num pó fino que era colocado em chávenas para onde era depois despejada água a ferver, de modo a formar uma camada de espuma branca que flutuava na superfície do líquido. O facto de chávenas pretas tornarem mais fácil observar a espuma branca explica a preferência por essa cor.
Tal como os fornos de Cizhou, os fornos de Jizhou caracterizam-se por uma certa rusticidade e pela originalidade do vidrado e da decoração. Embora a tecnologia de pintura sob o vidrado dos fornos de Jizhou fosse praticamente a mesma dos fornos de Cizhou, ambos recorrendo a corantes à base de ferro, os fornos de Jizhou inovaram ao deixar de aplicar primeiro engobe na louça verde e só depois passar à pintura. O corpo da porcelana pintada de Jizhou era amarelo ou bege-claro, mais claro do que o dos fornos de Cizhou, o que tornava possível dispensar o engobe. Pintavam vinhas, peónias, pétalas de lótus, borboletas, gansos e peixes. O padrão de fundo era geralmente ondulado. A decoração com ondas e com o movimento da água em geral foi um dos temas favoritos nas artes das dinastias Song e Yuan. Por vezes também decoravam as peças através da técnica de resistência: a impressão de folhas ou de recortes de papel que deixava parte do corpo da peça intocada, criando padrões em silhueta (Fig. 36); ou ainda borrifando com um castanho mais claro ou salpicando de branco para criar o efeito “carapaça de tartaruga” ou “pele de veado”. Na dinastia Yuan, depois de aprender as técnicas praticadas pelos fornos de Cizhou, a cerâmica de Jizhou fabricou cerâmica pintada a castanho e branco.
Os fornos de Longquan, no Zhejiang e no Fujian, operaram desde 950 d.C. e terminaram em 1550 com a ascensão de Jingdezhen e da porcelana azul e branca. Trata-se de uma das maiores regiões de fabrico de cerâmica. Os céladon de Longquan, conhecidos pela elegância, eram cobertos por uma ampla gama de vidrados espessos, lisos e brilhantes, variando entre o verde-azulado da dinastia Song do Sul e o verde-marinho intenso do início da dinastia Ming, aplicados sobre argila cinzenta cozida a alta temperatura. Na fase de declínio apresentavam vários tons de verde e castanho.
O reportório de formas inspirava-se em peças de prata, laca, jade arcaico, bronze e outros tipos de cerâmica. Foi muito imitada na Coreia e no Japão. As melhores peças destinavam-se à corte. O restante ia para a população e para exportação.
Na dinastia Song do Norte, os fornos de Longquan recorriam à pedra de porcelana local rica em silício e ferro, o que resultava em corpos espessos e de aparência estável com coloração de vários tons de cinzento. O vidrado era relativamente fino e com uma cor azul-amarelada dado ainda não dominarem por completo as técnicas de controle da atmosfera redutora. O recurso ao vidrado de cal, que tem uma viscosidade relativamente baixa e boa fluidez em altas temperaturas, permitia a obtenção de um excelente brilho superficial das peças.
Na dinastia Song do Sul, as formas eram muito variadas, bem acabadas e requintadas (Fig. 37). Além das peças para uso quotidiano, como tigelas, pratos, potes e jarros, surgiram peças de aparato e vasos sacrificiais, muitos dos quais imitavam os antigos bronzes rituais, assim como os jades e a laca. A natureza popular dos fornos de Longquan permitia-lhes mais liberdade em termos de variedade, forma e decoração. Neste período surgiu um vidrado inédito, verde-ameixa, brilhante e suave, que elevou a produção de céladon a um novo patamar.
Os fornos Jian do Fujian eram fornos dragão extremamente longos, alguns com cem metros de comprimento, onde se fabricava principalmente louça para chá feita com areia de argila rica em ferro e cozida numa atmosfera oxidante a temperaturas de cerca de 1300° C. As melhores peças destinavam-se à corte. Ficavam situados na montanha Tianmu, nos arredores de mosteiros budistas, e os monges japoneses que os visitavam para estudar o budismo Zen levavam depois as peças para o seu país, onde eram extremamente valorizadas. Foram também muito copiadas, dando origem à cerâmica japonesa Tenmoku (Tianmu em japonês).
As cerâmicas de vidrado negro, caso dos fornos de Jian e Jizhou, eram sobretudo recipientes utilitários ou louça de mesa. Caso fossem decoradas, eram-no com padrões espontâneos através da aplicação de borrifos de um vidrado contrastante. Os corpos de grés eram robustos e revestidos de vidrados pretos simples, por vezes apresentando o padrão “pêlo de lebre” e “gotas de óleo”. Em termos muito simplificados, o padrão “pêlo de lebre” obtém-se através da aplicação de duas camadas de vidrado, sendo a inferior muito rica em ferro. Durante a cozedura, as bolhas desta camada inferior penetram na superfície do vidrado derretido e deslizam depois em direcção ao centro, criando um padrão radiado de listas prateadas ou azul-prateadas (Fig. 38).
O efeito “manchas de óleo” conseguia-se através de uma dupla imersão das peças, primeiro numa solução de vidrado primário, depois numa solução de vidrado com uma maior concentração de ferro. Isto dava origem à formação de cristais de hematite e de outros compostos de ferro, que resultavam em manchas com um brilho metálico na superfície do vidrado após a cozedura (Fig. 39).
Depois de atingirem o auge na dinastia Song, as taças de chá de Jian caíram no esquecimento na China durante muitos séculos e foram os japoneses, mais concretamente os monges e mestres do chá, que prosseguiram o seu fabrico.
Conta-se que os fornos de Ge, no Zhejiang, foram fundados por Zhang Shengyi, um oleiro da dinastia Song. Todavia, os fornos ainda não foram encontrados e permanecem de origem misteriosa. A porcelana de Ge pertence à família céladon e destinava-se à corte. Fabricavam vários tipos de garrafas, pratos, potes, etc. O vidrado é uniforme e claro, azul, azul-esverdeado, amarelo-azulado, mas distingue-se pelo craquelée que cobre a totalidade da superfície dos vasos. Preenchiam-se as fissuras com um vidrado de cor diferente da superfície, variando entre o bege, o azul, o preto-púrpura e o amarelo acastanhado. Reza a lenda que Zhang Shengyi arrefeceu o forno acidentalmente quando as porcelanas ainda estavam muito quentes e o vidrado se estilhaçou (Fig. 40).
Em Dehua, no Fujian, fabricavam-se peças qingbai (branco-azulado) bastante semelhantes às de Jingdezhen. Mas a maioria das peças qingbai dos fornos de Dehua apresentava decorações gravadas ou impressas. Na dinastia Song do Norte, as peças eram decoradas com padrões de nuvens, trovões, com peónias, flores de lótus, crisântemos, orquídeas, flores e pássaros, abelhas, peixes e inscrições. Na dinastia Song do Sul, teve lugar uma inflexão rumo a formas com conotações budistas, como tijelas em forma de flor de lótus, vasos em forma de flor de lótus, vasos com boca de lótus, kundika (jarro de água ritual), etc. Na dinastia seguinte, a Yuan, para além de várias flores e pássaros, passaram a fazer parte dos motivos decorativos palavras auspiciosas como “longevidade”, a suástica budista ou o caracter chinês para prajna.
Dinastia Yuan
(1260-1368 d.C.)
Na dinastia Yuan, de origem mongol, surgiu uma cerâmica branca que se prestava a ser pincelada com diversas cores e desagradava aos letrados. Pintavam-se cenas da vida popular, em pinceladas despreocupadas e espontâneas, que contrastavam com o estilo limpo e elegante da dinastia Song.
O comércio internacional de cerâmica e outros bens de luxo chineses intensificou-se. E a cerâmica chinesa também recebeu técnicas provenientes do estrangeiro como a técnica persa de decoração com pintura azul-cobalto sob vidrado. Sob o vidrado significa que as peças eram primeiro pintadas na superfície e depois cobertas com um vidrado cerâmico transparente, sendo de seguida cozidas no forno. A cerâmica da China que maior sucesso obteve na história mundial foram estes azuis e brancos qinghua do séc. XIV.
Os fornos mais importantes da dinastia Yuan foram os fornos de Longquan e de Jingdezhen e, de modo geral, a indústria cerâmica só prosperou a sul do rio Yangtze depois desta dinastia. Os céladon dos fornos de Longquan não eram tão requintados e macios quanto os da dinastia Song. Mas, na dinastia Yuan, as pessoas preferiam peças grandes e robustas e não finas e delicadas e foram bem recebidos tanto na China como no estrangeiro (Fig. 41).
De início, os fornos de Jingdezhen ainda estavam longe de ser tão famosos quanto os fornos de Longquan. No entanto, os seus novos produtos, como a porcelana azul e branca, a porcelana azul e vermelha sob vidrado e a porcelana shufu, começaram a ganhar uma crescente popularidade e a atrair a atenção do mundo. Jingdezhen ganhou os favores da família imperial e tornou-se num dos complexos de fornos mais importantes da época.
A porcelana shufu é uma variedade da porcelana clara de ovo, com uma aparência branco-azulada e um vidrado transparente. Era cozida sobre uma mistura de caulino e palha e caracterizava-se por pés anelares pequenos, pés de secção quadrada, pés sem vidrado e bases pontilhadas. Entre os motivos da decoração contavam-se duplos dragões e flores entrelaçadas e ainda inscrições de caracteres chineses auspiciosos. Tratava-se normalmente de peças pequenas como pratos, tigelas e taças (Fig. 42).
A porcelana azul e branca marcou a história da cerâmica chinesa, tendo sido um ponto de viragem na transição da decoração monocromática para a decoração com motivos coloridos. Já se fazia porcelana azul-cobalto na dinastia Tang, mas o cobalto era misturado com um vidrado com baixo teor de chumbo, o que lhe emprestava uma aparência brilhante e sem profundidade. Na dinastia Yuan, Jingdezhen inventou novas variedades de vidrado azul com cobalto cozido a altas temperaturas. O minério de cobalto, de notável qualidade, era importado do Irão, que estava igualmente sob o jugo mongol. Para obter um azul profundo, eram necessárias quantidades significativas de cobalto, cujo uso era estritamente regulamentado (Fig. 43).
Outra proeza de Jingdezhen foi a porcelana com um vidrado vermelho-cobre cozido a altas temperaturas para o qual se recorria, em vez do cobalto, a óxido de cobre cozido numa atmosfera redutora. Todavia, na dinastia Yuan, a técnica do vermelho sob o vidrado ainda estava na infância e as peças não igualavam em delicadeza as da porcelana azul e branca.
Os fornos de Jingdezhen foram, portanto, uma excepção no panorama da dinastia Yuan, pois superaram a dinastia Song em termos de quantidade, decoração e variedade, com matérias-primas muito mais finas e temperaturas de cozedura mais elevadas, o que os tornaria dominantes na indústria nas duas dinastias seguintes.
Dinastia Ming
(1368-1644)
As peças qinghua conhecem uma expansão e apreciação sem precedentes na dinastia Ming e passam a apresentar um carimbo a indicar a era imperial (年号 nianhao) na qual foram fabricadas (Fig. 44). As qinghua com decorações a azul escuro, geralmente de pássaros e flores, foram preponderantes nos reinados de Yongle, Xuande e Zhentong.
Entre as porcelanas de Jingdezhen do reinado de Xuande (1426-1435), contam-se as azuis ou vermelhas sob o vidrado, as vermelhas monocromáticas e as azuis e brancas. A de maior renome era a porcelana vidrada a vermelho que adquire essa cor devido à presença de óxido de cobre e que é muito difícil de conseguir devido aos requisitos da atmosfera e da temperatura do forno (Fig. 45).
Os vidrados cozidos a baixa temperatura do final da dinastia Song e posteriormente desenvolvidos na dinastia Yuan alcançaram uma qualidade ímpar no reinado de Xuande e recorriam a cores vivas e contrastantes (斗彩 doucai). Os motivos decorativos eram delineados em pigmento azul directamente no corpo da porcelana. Da doucai derivou um tipo mais refinado de porcelana conhecido como五彩 wucai, “cinco cores” (a soma das três cores dos vidrados com azul-cobalto e branco de porcelana) que alcançou ainda maior renome. A porcelana wucai caracteriza-se pela decoração com várias cores sobre o vidrado após ter sido cozida uma vez com azul sob vidrado. Enquanto na doucai o branco e o azul compõem a moldura principal e as demais cores são utilizadas para preencher as áreas em branco, isso não sucede na wucai. Entre as cores sobre o vidrado contam-se o vermelho, o verde, o azul, o amarelo e o roxo. Depois de aplicadas, a porcelana era cozida uma segunda vez, mas numa temperatura mais baixa. A wucai surgiu no reinado do imperador Jiajing que governou entre 1521 e 1567 (Fig. 46). O seu fabrico prosseguiu até 1644, para conhecer depois um renascimento na dinastia Qing.
Nos reinados de Zhenghua, Hongzhi e Zhengde dava-se preferência aos azuis pálidos com motivos delimitados e ainda à porcelana monocromática de um amarelo esplêndido. As peças monocromáticas agradavam ao gosto dos letrados. Os temas budistas ganham importância.
Como se viu, os fornos de Jingdezhen, no Jiangxi e áreas vizinhas, tinham-se tornado num centro de fabrico de porcelana na dinastia Yuan. Na dinastia Ming ganharam um estatuto sem rival, remetendo para segundo plano todos os outros complexos de fornos. No reinado de Yongle, o azul sob vidrado passou a ser feito com um pigmento de cobalto importado que dava origem a um azul-safira salpicado de pontos pretos devido ao alto teor de ferro. Até então, o cobalto, embora de cor excelente, tinha tendência a sangrar durante a cozedura.
Quanto aos fornos de Dehua, melhoraram as suas peças qingbai tanto nas argilas seleccionadas quanto nas técnicas aplicadas, tornando-as ainda mais brancas do que na dinastia Song. Por essa razão, ficaram internacionalmente conhecidas como Blanc de Chine. Com efeito, encontrou-se uma quantidade considerável de porcelana branca de Dehua em múltiplos locais da Ásia, de África e da Europa, onde foi amplamente imitada (Fig. 47). A argila da porcelana branca de Dehua continha um alto teor de dióxido de silício e de óxido de potássio e, após a cozedura, aquela tornava-se espessa, firme e translúcida. O vidrado era suave, brilhante e de um branco cremoso, diferente do branco-azulado de Jingdezhen. Fabricavam sobretudo vasos, tanto rituais como utilitários, e ainda esculturas.
No reinado dos imperadores Yongle e Xuande fabricaram-se grandes quantidades de porcelana e das mais requintadas: porcelana zijin (de argila roxo-avermelhada), porcelana vidrada a vermelho, porcelana com vermelho sob o vidrado, vidrada a azul, branco, amarelo, verde-pavão, azul e branca, doucai, no estilo de Ge e de Guan da dinastia Song e porcelana vidrada a azul no estilo de Longquan. No reinado de Yongle, a porcelana vidrada a vermelho e a porcelana com vermelho sob o vidrado estavam em maioria, seguidas pela porcelana zijin. No reinado de Xuande, a maioria era porcelana vidrada a branco, porcelana no estilo de Ge e porcelana azul e branca, assim como alguma porcelana vidrada a azul. No séc. XV, para cumprir as suas obrigações para com o governo, os oleiros dos fornos privados tinham de trabalhar todos os anos nos fornos oficiais durante três meses, sendo expostos ao seu estilo e técnicas. Como consequência, os motivos e técnicas tradicionais dos fornos privados foram desaparecendo e dando lugar aos motivos e técnicas dos fornos oficiais, como volutas florais, volutas de lótus, pinheiros, bambús, flores de ameixeira e ainda personagens de grandes obras literárias como O Romance dos Três Reinos e Na Borda da Água. Esta preferência por temas literários acentuou-se no período de transição entre a dinastia Ming e a dinastia Qing e os pintores de porcelana, amiúde do sexo feminino, adaptavam habilmente esses temas às formas das peças. Assim, na superfície de vasos cilíndricos pode observar-se generais e funcionários e nos pratos cenas familiares ou palacianas.
Dinastia Qing
(1644- 1912)
Nos reinados de Kangxi e de Yongzheng, a qualidade dos produtos de Jingdezhen era excelente. Em Jingdezhen copiava-se não só os produtos dos fornos célebres da dinastia Song, como dos seus equivalentes da dinastia Ming. Isto teve como resultado o aparecimento de muitas novidades, por exemplo no que toca ao vidrado. Criaram-se tipos de vidrados coloridos sem precedentes no período Kangxi, a maior parte com nomes sugestivos como vidrado “sangue-de-boi”, “flor de pessegueiro mosqueada” ou “cara de bebé”, “vermelho sacrificial” e “azul sacrificial”, “cor da água do Lago Oeste” e muitos outros (Figs. 48 e 49). Entre todos os tipos de porcelana, a que mais se destacou no reinado de Kangxi foram as peças wucai. A porcelana wucai caracterizava-se então sobretudo pela pintura de cores vivas sobre porcelana vidrada branca. As peças wucai azuis e brancas, em particular, eram fabricadas recorrendo a técnicas de azul e branco sob o vidrado. As peças vidradas eram decoradas principalmente com motivos florais.
Um avanço importante na wucai do reinado de Kangxi foi a invenção das cores azul e preta sobre o vidrado. O preto só podia ser alcançado com a aplicação de uma camada de verde. Também foram adoptadas as cores amarelo, beringela, vermelho-ferro e castanho, além da técnica do dourado. Designava-se esta porcelana por yingcai. Os motivos decorativos eram geralmente muito chineses. Quando esta técnica se espalhou pela Europa, ficou conhecida como “família verde”, indicando que este grupo de porcelanas se caracterizava por decorações pintadas com diversos matizes de verde, aplicados geralmente sem nenhuma decoração de base azul-cobalto (Figs 50 e 51). A família amarela recorria a vidrados da família verde sobre um fundo amarelo enquanto a família preta apresentava um fundo preto.
Ainda no reinado de Kangxi teve lugar a introdução de um vidrado rosa combinado com um vidrado branco-arsénio que se pode estender com o pincel ou soprar sobre a superfície, a chamada família rosa. O rosa e o lilás adquiriram lugar de destaque e tornou-se muito popular nos sécs. XVIII e XIX. O rosa era conseguido recorrendo a cloreto de ouro. Era usado na Europa do séc. XVII, tendo sido posteriormente introduzido na China, onde passou a ser designado em chinês por 粉彩 fencai ou 软采 ruancai, ‘cores suaves’ e, mais tarde, como 洋彩 yangcai, ‘cores estrangeiras’. A decoração a verde e a vermelho-ferro era feita sobre o vidrado, ou seja, numa segunda cozedura a baixa temperatura num pequeno forno que derretia os vidrados e os fixava ao corpo da porcelana.
Os motivos e padrões decorativos eram variados, alguns de entre eles extraídos da cultura popular, como quatro mulheres e dezasseis crianças a brincar num pátio, pinturas de romãs (que simbolizam a esperança de ter mais filhos), os Oito Imortais, os Oito Símbolos Auspiciosos do Budismo, cenas do Clássico da Piedade Filial e de romances e outros géneros literários, e ainda da ópera. Alguns motivos inspiravam-se no mundo dos letrados, como os Sete Sábios do Bosque de Bambú, os Oito Imortais Bêbados, Zhang Xu (calígrafo e poeta chinês da dinastia Tang) a escrever caligrafia, etc.
No reinado de Kangxi, a chamada 素三彩 su sancai (porcelana lisa tricolor, em geral amarela, verde e roxa) que já vinha do reinado do imperador Zhengde da dinastia Ming, conheceu um grande desenvolvimento. Ao amarelo, verde e roxo, acrescentou-se um tom de azul específico da época. Os métodos de aplicação das cores na porcelana eram diversificados. Embora feita com argila fina e compacta, esta porcelana, no início do reinado de Kangxi, aparentava ser antiga, pesada e simples, mas em meados do mesmo reinado, os corpos começaram a tornar-se mais finos.
A porcelana da família rosa fabricada no reinado de Yongzheng é considerada a melhor (Fig. 52). No reinado deste imperador, as peças com vidrado resultavam de uma fusão do estilo da pintura tradicional chinesa com a pintura naturalista ocidental e integravam poemas, caligrafia e carimbos chineses, escritos em caligrafia regular kaishu. Eram produto do esforço conjunto da Academia de Pintura, de pintores europeus e de pintores de peças sacrificiais.
A porcelana da família rosa dominava então a produção dos fornos oficiais, enquanto a porcelana azul e branca dominava nos fornos privados. Os pigmentos utilizados eram basicamente os mesmos do reinado de Kangxi. A porcelana azul e branca dos fornos privados variava na decoração e nas formas, confeccionando-se tigelas, pratos, pires, chávenas, potes, vasos, zun, incensários, castiçais e material de escritório. Conseguia-se obter variações de cor através de contornos e polimentos, criando tons e matizes diversos. Os motivos mais comuns eram cenas narrativas, flores e paisagens.
Um segundo tipo de porcelana azul e branco era levemente pintado e mostrava influências das xilogravuras e pinturas tradicionais chinesas. Ostentava padrões de nuvens em forma de fénix e de dragão, assim como vários tipos de flores. Também se imitava a porcelana azul e branca da dinastia Ming, em especial a do reinado de Xuande.
Numa intensificação da busca pela perfeição técnica e estética, o imperador Qianlong convocou os melhores pintores da época e exortou-os a criarem para a porcelana (Fig. 53). Jingdezhen atingiu então o seu apogeu e prosseguiu a produção em escala industrial sob controlo estatal. Jingdezhen forneceu porcelana aos imperadores ao longo de mais de quinhentos anos e tornou-se na capital mundial dessa produção. Fabricava porcelanas que replicavam peças originalmente feitas noutros materiais como o jade, o bronze, o ouro, a prata, a pedra, a laca, a madrepérola, o bambú e a madeira. Também conseguiam criar peças de porcelana com partes internas giratórias. Os ceramistas eram ainda exímios nas técnicas do vidrado cloisonée.
A porcelana da família rosa continuou a receber os favores da corte no reinado de Qianlong. Criaram-se, porém, novas variedades, como a porcelana azul e branca da família rosa, a porcelana graviata (uma decoração incolor de cobertura de superfície gravada no vidrado do lado interior e não através dele) da família rosa e a porcelana da família rosa em painéis. As peças de porcelana da família rosa vidradas com decorações complexas e delicadas dominaram a porcelana do reinado de Qianlong.
No início do reinado de Jiaqing, as superfícies vidradas eram tão lisas quanto as do reinado de Qianlong. No entanto, as peças de pequenas dimensões apresentavam um vidrado fino de cor azulada e, por vezes, um “vidrado ondulado”, ou rugas em forma de onda. Esta tendência acentuou-se nos reinados de Daoguang e de Tongzhi. Os motivos decorativos do reinado de Jiaqing assemelhavam-se em estilo aos do reinado de Qianlong, mas as linhas eram finas e as estruturas algo rígidas. Tal como no reinado de Qianlong, recorreu-se a técnicas como a gravura, a impressão, o risco, a perfuração e o decalque, mas os ceramistas não conseguiram igualar em perícia os seus antecessores.
No reinado de Daoguang, os motivos decorativos pintados eram sobretudo flores, relva, insectos, borboletas, frutas e vegetais. Os padrões de flores nas paredes dos corpos e nas tampas das porcelana que já estavam em voga no reinado de Yongzheng continuaram a ser populares ainda que apresentassem diferenças. Enquanto no reinado de Yongzheng predominavam as fénix, o bambú verde e os pessegueiros em flor, no reinado de Daoguang predominavam as cabaças e as uvas. Quanto à figura humana (Fig. 54), dominava o tema das mulheres com crianças a brincar, assim como os retratos imaginados dos trinta e nove heróis e heroínas da dinastia Han até à Song do 无双谱 Wushuangpu (Manual dos heróis sem par), um livro ilustrado com xilogravuras do início da dinastia Qing.
O vidrado da porcelana branca de Dehua da dinastia Qing diferia do da dinastia Ming, deixando de ser levemente avermelhado e adquirindo um tom “branco de óleo” ou azulado. Para além da porcelana branca de uso quotidiano, os fornos de Dehua começaram a dedicar-se ao fabrico de esculturas destinadas à exportação para o mercado ocidental, como figuras de negociantes europeus e suas famílias, assim como figuras cristãs, como a Virgem Maria. Conseguiram-no facilmente através da adaptação das técnicas aplicadas na confecção de esculturas de Avalokitesvara e dos discípulos do Buda. Por vezes, combinavam com sucesso na mesma figura o estilo tradicional chinês com o estilo religioso ocidental.
Uma cerâmica feita com materiais vulgares e que se destinava ao mercado popular mas que conseguiu ganhar nome foi a cerâmica de Shiwan, próximo de Foshan. As suas louças para uso quotidiano eram vendidas em Guangdong desde, pelo menos, a dinastia Tang. Em Shiwan, os ceramistas eram exímios a imitar produtos de outros fornos famosos, como Jun, Longquan, Ge, Cizhou, Jizhou e Jian, assim como a cerâmica sancai da dinastia Tang. Mas também sabiam inovar, pelo que a sua cerâmica, por exemplo, a de estilo de Jun, apresentava diferenças em relação à original. Todavia, nas dinastias Ming e Qing, Shiwan começou a chamar a atenção devido sobretudo à criação de 公仔gongzai, figuras humanas realistas, por vezes cómicas, que apresentavam um vidrado flambé colorido (Fig. 55). Devido ao seu sucesso, o número de ceramistas a especializar-se em gongzai aumentou. Além de tipos populares, personagens lendárias, religiosas e históricas, também moldavam animais e vegetação, peças decorativas e ornamentos arquitectónicos. Depois da dinastia Ming, Shiwan conheceu um rápido desenvolvimento e tornou-se no pilar da indústria da região. Continuou a operar na dinastia Qing e pelo séc. XX adiante, tendo os seus produtos sido exportados em avultadas quantidades para todo o mundo.

do Mori Masahiro Design Studio, LLC. Localizado no Ceramic Park em Hasami, prefeitura de Nagasaki, Japão.
Tipos de fornos
As primeiras cerâmicas eram secas ao sol ou cozidas a baixas temperaturas em fornos rudimentares. Os fornos servem para retirar a água das peças cruas num ambiente quente e promover a fusão dos elementos que as compõem. Com o tempo, foram evoluindo e desenvolveram-se técnicas de cozedura cada vez mais eficientes. A esmagadora maioria de fornos descobertos na China datam das dinastias Song e Yuan. Formavam uma rede extremamente eficiente de pequenas e médias empresas com tendência acentuada para a especialização: entre os ceramistas, alguns consagravam-se apenas à modelação, outros à cozedura, outros à pintura, etc. Alguns fornos tinham como único sócio ou cliente o estado imperial.
Os fornos 馒头窑mantou yao são assim designados porque a sua forma lembra os pãezinhos chineses cozidos a vapor chamados mantou. Os exemplares mais antigos datam do início da dinastia Shang, tendo-se desenvolvido muito na dinastia Tang e amadurecido na dinastia Song. Encontram-se sobretudo no norte da China. Normalmente, construíam-se os fornos mantou em tijolo e em terrenos planos. Eram constituídos por uma câmara circular encimada por uma estrutura em forma de cúpula e com uma chaminé na parte traseira. A fornalha localizava-se abaixo do nível do solo e as saídas de combustão encontravam-se na câmara de queima e na parte traseira, conduzindo à chaminé. Também podiam tomar a forma de uma ferradura, como os dezoito fornos da dinastia Song do Norte (960–1127 d.C.) descobertos em Yaozhou, no Shaanxi. O carvão só passou a ser utilizado como combustível a partir de meados ou do final da dinastia Song do Norte. Até então, recorria-se à lenha. A cozedura, em chama de redução ou oxidação, podia chegar aos 1300ºC (Fig. 56).
Os fornos dragão, 龙窑 long yao, são assim designados porque a sua forma lembra um dragão. Atingiram igualmente a sua forma amadurecida na dinastia Song, embora os primeiros exemplares datem da dinastia Shang. São feitos de tijolo e encontram-se sobretudo no sul da China, local dos depósitos de caulino mais numerosos e importantes. Os fornos dragão, cujo comprimento oscila entre trinta e cem metros, são em geral construídos mediante a justaposição de pequenas câmaras feitas de tijolos refractários e galgando a encosta de uma colina, de modo a elevarem-se num ângulo de 8 a 20º. A elevação da câmara do forno e a sua posição na encosta da colina formam uma rota natural para o ar no seu interior, obrigando os gases da combustão a percorrer um longo caminho entre o local onde está o fogo, em baixo, e a chaminé, instalada em cima, no outro extremo do túnel. A estrutura subdivide-se em três partes: cabeça, câmara e cauda. Existem respiradouros na parte baixa das paredes ao pé dos tabiques que separam as câmaras para garantir que os gases envolvem cada espaço de modo homogéneo. E pequenas aberturas na parte exterior e superior de cada câmara permitem ao oleiro regular a quantidade de ar. A cozedura é principalmente em chama de redução e utilizando lenha como combustível (Fig. 57).
Existiam ainda outras tipologias, como o forno “cabaça”, 瓜窑 guayao, que surgiu no Jiangxi no séc. XIV, no local das célebres oficinas de Jingdezhen. Era constituído por uma câmara de cozedura compacta e espaçosa e concebido para cozer rapidamente peças de porcelana a 1300ºC.
Havia ainda o forno em forma de “ovo”, 蛋刑窑 danxingyao, que lembra uma metade de ovo. Este tipo tornou-se comum na dinastia Ming, depois de se ter formado a partir dos fornos em forma de cabaça. Media entre sete e dezoito metros de comprimento e era constituído por uma câmara de cozedura compacta e espaçosa e com uma chaminé muito alta, sendo alto e largo na parte da frente e baixo e estreito na parte de trás. Isto permitia uma maior qualidade de cozedura rápida de peças de porcelana a 1300ºC e ainda cozer de uma só vez um grande número de peças que exigiam cozeduras diferentes. Utilizava-se lenha como combustível.
Para ver as imagens do artigo, consulte aqui a edição digital.
___
Bibliografia:
- Fang, Lili (2023) The History of Chinese Ceramics, Singapura: Springer. Translation from the Chinese language edition: “中国陶瓷史” by Lili Fang, © Qilu Press 2013. Published by Qilu Press.
- Krahl, R. e Harrison-Hall (2019), Chinese Ceramics. Highlights of the Sir Percival David Collection. 7ª edição. The British Museum Press: London
- Krahl, Regina (2011) Chinese Ceramics in the Late Tang Dynasty, in Krahl, Guy, Wilson, and Raby edts), Shipwrecked Tang Treasures and Monsoon Winds, Smithsonian Books, 44-54
- Pinto de Matos, M.A. (2011), Cerâmica da China. Colecção R.A., vol. I, 1ª edição, Jorge Welsh Books -Publishers and Booksellers, London
- Przychowski, A. (2018), Chinese Ceramics. The Meiyintang in the Museum Rietberg, Museum Rietberg, Zurich.
- Rawson, Jessica (2007) The British Museum Book of Chinese Art, Londres: The British Museum Press.
- Sullivan, Michael (2018) The Arts of China, University of California Press.
- Valenstein, Suzanne G (1989) A handbook of Chinese ceramics, New York: Metropolitan Museum of Art.
