Homens na guerra, mulheres solitárias esperam o seu regresso. Cordialidade, fidelidade, integridade e decência constituíam as características fundamentais das antigas sociedades, baseadas nos princípios morais do Confucionismo.
Mais do que o ser masculino, a ideologia da conduta da mulher exigia ainda o cumprimento das “três obediências”: ao pai, enquanto solteira, ao marido na vigência do casamento e ao filho quando viúva. Prudência na palavra, decoro no relacionamento e zelo nas lides domésticas eram igualmente predicados inseparáveis da mulher antiga.
A decência feminina, incluída na virtude da castidade, consistia no vestir-se com aprumo, correcção em palavras, recato no relacionamento humano. Indecoroso seria, por exemplo, dirigir-se pessoalmente a um homem e mais grave que aceitasse qualquer prenda.
A educação da mulher assentava na obediência patriarcal e na estrita observância do paradigma dos bons costumes, preservando sempre o bom nome da família. Era também o pai quem decidia quando e com quem a filha se deveria casar, não havendo portanto namoro até ao enlace do casamento. Só a partir daí os noivos iniciariam a fase de mútuo conhecimento e a relação amorosa. Jovens maridos enviados para a guerra são tema de vários poemas de Li Bai.
長相思
長相思 在長安 絡緯秋啼金井闌
微霜淒淒簟色寒 孤燈不明思欲絕
卷帷望月空長歎 美人如花隔雲端
上有青冥之高天 下有淥水之波瀾
天長路遠魂飛苦 夢魂不到關山難
長相思 摧心肝
日色慾盡花含煙 月明欲素愁不眠
趙瑟初停鳳凰柱 蜀琴欲奏鴛鴦弦
此曲有意無人傳 願隨春風寄燕然
憶君迢迢隔青天 昔時橫波目
今作流淚泉 不信妾腸斷 歸來
看取明鏡前
美人在時花滿堂 美人去後花餘牀
牀中繡被卷不寢 至今三載聞餘香
香亦竟不滅 人亦竟不來
相思黃葉落 白露溼青苔
春思
燕草如碧絲 秦桑低綠枝
當君懷歸日 是妾斷腸時
春風不相識 何事入羅幃
Pensando longamente, com saudade
I
Estou na cidade da Paz Perpétua
e sinto seriamente a tua falta.
Os grilos choram as tristes noites de Outono,
flocos de gelo formam-se na esteira cor de frio.
Sem a luz da minha pobre candeia
e a costura da saudade preste a rasgar-se,
à Lua, além da persiana, inúteis suspiros ecoam.
Lá em cima, o escuro reino azul dos céus;
cá em baixo, as águas das torrentes em ondas pálidas.
Céu infinito, longa viagem, a alma em dor voa,
mas nem em sonhos consegue ir além dessas montanhas.
O meu coração não resiste a uma tão grande saudade.188
II
Dispersa o poente a névoa sobre as flores,
luar penetrante, olhos lânguidos teimam cerrar-se,
cessaram os acordes do zhaosé que cantavam a Fénix,189
do guqin brota a balada terna dos enamorados,
melodias sentidas, sem mensageiro que as leve.
O vento de Outono as conduz aos montes em Yanrán,190
junto com os pensamentos interditos pela distância.
Os olhos cintilantes que ontem te miravam,
são hoje um par de fontes lacrimosas.
Chora a esposa o amargo destino;
do semblante esvaecido, o espelho testemunhará
quando ele finalmente regressar.191
III
Quando aqui estavas, eu enchia a casa de flores;
agora que partistes, sobra-me o leito solitário,
a coberta recolhida de sucessivas insónias.
Saíste há três anos mas deixaste o teu aroma,
fragrância inapagável que me assombra.
O teu perfume ficará em mim para sempre,
mas onde andas tu, meu amor?
Suspiro e folhas amarelas caem dos ramos.
Choro e o musgo brilha verde, húmido de orvalho.
Pensamentos na Primavera192
A erva de Yin desponta em fios de verde jade,
ramos de amoreiras vergados em terras de Qin.193
Quando os teus pensamentos chegarem ao lar,
já longos dias passaram de coração partido pela dor.
Ó sopro romântico da brisa primaveril desconhecida,
como ousas levantar o véu dos meus sentimentos?
北風行
燭龍栖寒門
光曜犹旦開
日月照之何不及此
惟有北風号怒天上來
燕山雪花大如席
片片吹落軒轅台
幽州思婦十二月
停歌罷笑双蛾摧
倚門望行人
念君長城苦寒良可哀
别時提劍救邉去
遗此虎文金鞞靫
中有一双白羽箭
蜘蛛结網生尘埃
箭空在
人今戰死不复回
不忍見此物
焚之已成灰
黄河捧土尚可塞
北風雨雪恨難裁
Canção do Vento Norte
Acende-se a luz do dragão na frígida fronteira,
gloriosa ilumina a terra fria,
nem Sol ou Lua luzem aqui desta maneira,
só o Vento Norte do imenso céu caía.
Enquanto em Yanshan,194
flocos de neve, largos como esteiras,
pedaço a pedaço, Xuan Tai deixam vestido;195
em Youzhou, a última lua se levanta196
e, cílio franzido, a pensativa dama
deixou de rir e já não canta.
Imóvel, assiste ao passar das gentes,
sozinha, apoiada na soleira,
e lembra-se dele e sua espada, da partida
para lutar pela fronteira.
Ele – ao frio amargo,
muito para além
da Grande Muralha.
Ele – para sempre ausente,
não vai voltar,
morreu na batalha.
Duas flechas de alvas plumas,
ele deixara na aljava tigrada,
por teias de aranha estão hoje tapadas,
hoje estão veladas, brancas espumas.
Morreu na batalha, não vai regressar;
as duas flechas ela não quer ver,
as duas flechas ela vai queimar,
a aljava tigrada ela faz arder.
Com um dique de terra,
o rio Amarelo podes deter,
mas a sua dor, a neve e o vento,
quem pode conter?
in António Izidro,
Li Bai – A Via do Imortal,
Lisboa: Grão-Falar, 2024
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Notas
- 188. A saudade transborda, quando cai a noite fria, entristecida pelo ruído dos insectos. A esteira gelada, a ténue iluminação de uma candeia, a cortina de bambu, denunciam precaridade do estrato social de quem só tinha a Lua para se lamentar, para apagar a dor.
- 189. Fénix Canção popular de afecto e amor; Zhaosé era uma versão do guqin desenvolvida pelos músicos do reino de Zhao.
- 190. Yanrán Nome da montanha que marcava a fronteira chinesa a norte, na Mongólia.
- 191. Elementos da natureza, poente, luar, a avivar sentimentos pela ausência do esposo.
- 192. A Primavera carrega uma forte simbologia de rejuvenescimento, suscita sentimentos e afectos. Estação muito exaltada na poesia e na pintura chinesa.
- 193. Os reinos Yin e Qin estavam em guerra no período Reinos Combatentes. Jovens soldados eram recrutados para campanhas militares, longe da sua terra e família. Existe uma lógica na alusão feita à tenra erva que começava a eclodir em Yin enquanto que em Qin as amoreiras estavam já amadurecidas.
- 194. Yanshan Monte Yan.
- 195. Xuan Yuan Tai Campo de batalha, situado na província Hebei, onde o rei Xuan Yuan, fundador da nacionalidade Han (século III a.C) combateu Chiyou.
- 196. Última lua Décimo segundo mês, inverno.
