O significado
Atribui-se ao jade, como a tudo quanto é importante na China, origens sobrenaturais. Assim, as peças de jade da antiguidade estavam sem excepção relacionadas com a magia, o poder e o estatuto dos reis-xamãs e com os rituais e as práticas funerárias que conduziam. Os objectos que um defunto possuíra em vida, assim como os seus servidores e animais de estimação, eram enterrados juntamente com ele, assim como objectos rituais de jade (Fig. 1).
A fusão de suavidade e dureza do jade, o seu brilho discreto, a frescura, fizeram dele objecto de reverência por parte dos chineses desde a antiguidade. Valorizavam-no muito mais do que a prata e o ouro: 黄金有价玉无价huangjin you jia yu wu jia, “O ouro tem preço, o jade não”. Essa reverência encontra-se inscrita em expressões correntes da língua chinesa, em inúmeros provérbios e nas páginas de obras literárias e de outro teor. Na dinastia Zhou (1046 BC – 256 BC), com Confúcio (nasceu em meados do séc. VI a.C.) e os seus seguidores, o jade passou a encarnar os seus valores. No 礼记Liji, Registo sobre os Ritos, atribuído a Confúcio, este afirma existirem nove virtudes representadas pelo jade:
“Outrora, os homens de mérito viam no jade semelhanças com todas as virtudes. Suave e lustroso, como a gentileza; fino, compacto e resistente, como a sabedoria; anguloso mas não cortante, como a rectidão; curvando as suas contas, como a cortesia; de som claro e prolongado ao toque, como uma nota de música; com defeitos que não eclipsam a beleza e sem uma beleza que eclipse os defeitos, como a lealdade; com luz interior que ilumina em derredor, como a confiança; resplandecente qual arco-íris, como o céu; misterioso, emergindo em montanhas e rios, como a terra; destacando-se entre as insígnias, como a virtude; por todos estimado, como o Dao.”
夫昔者君子比德于玉焉。温润而泽,仁也;缜密以栗,知也;廉而不刿,义也;垂之如队,礼也;叩之其声清越以长,其终诎然,乐也;瑕不掩瑜、瑜不掩瑕,忠也;孚尹旁达,信也;气如白虹,天也;精神见于山川,地也;圭璋特达、德也。天下莫不贵者,道也。
E Xu Zhen, no 說文解字 Shuowenjiezi (séc. I d.C.), descreveu o jade de maneira análoga:
“O jade é a mais bela das pedras. É dotado das cinco virtudes: brilha sem ofuscar, como a gentileza: transparente, revelando entranhas e nervuras, como a rectidão; de som puro e penetrante, como a sabedoria; quebra-se mas não se dobra, como a bravura; afiado mas sem ferir, como a equidade.”
石之美。有五德:润泽以温,仁之方也;䚡理自外,可以知中,义之方也;其声舒扬,尃以远闻,智之方也;不桡而折,勇之方也;锐廉而不技,絜之方也。
O jade é ainda apreciado por só atingir o auge da sua beleza e utilidade uma vez trabalhado e os chineses repetem amiúde que 玉不琢,不成器yu bu cheng, bu cheng qi, “Se o jade não for polido, não se torna num objecto”, o que significa que o ser humano só atinge o seu apogeu depois de ter sido educado.
Nefrite e jadeíte
De início, existiam reservas de jade玉 yu nos rios do território a que hoje se chama China, sob a forma de seixos ou fragmentos de rocha, mas parece terem-se esgotado depressa. No final do Neolítico (2000 a.C.) o jade passou a ser transportado de Cotã e Iarcanda, nos arredores das montanhas Kunlun, residência da mítica Xi Wangmu, a Rainha-Mãe do Oeste, símbolo de imortalidade.
Há que alertar para o facto de que, no Ocidente, o termo jade engloba duas pedras distintas, a nefrite (Fig. 2) e a jadeíte (Fig. 3). Apesar de ambas apresentarem dureza e potencial decorativo, não pertencem ao mesmo grupo químico. A nefrite軟玉 ruanyu, silicato de cálcio e manganésio, é o verdadeiro jade. Trata-se de uma pedra de estrutura densa e fibrosa que ao tacto parece cera. É branca mas quantidades diminutas de impurezas logo lhe conferem uma gama ampla de cores, como verde e azul, castanho, vermelho, cinzento, amarelo e preto. Ainda que polida, não se torna excessivamente brilhante. A jadeíte翡翠 feicui, silicato de sódio e alumínio, é de qualidade inferior e ostenta toda uma diversidade de cores esverdeadas brilhantes. Se for muito polida resplandece como cristal. A jadeíte permaneceu praticamente desconhecida na China até ao séc. XVIII, na dinasta Qing, quando escultores de jade chineses a descobriram no Myanmar. Desde então popularizou-se na China e foi muito apreciada pelos coleccionadores mundiais do séc. XX. Salvo menção em contrário, é à nefrite que se refere o termo “jade” neste artigo.
A manufactura
Devido à extrema dureza do jade, a técnica de escultura e polimento é um processo moroso e difícil. O jade é tão duro que nem o aço o consegue cortar. A única forma de o trabalhar é lixando-o com um material ainda mais duro.
Começava-se por partir o jade em pedaços mais pequenos. Era tarefa laboriosa: enquanto um artesão utilizava um arco com corda para serrar, um segundo artesão vertia constantemente água e areia fina e corrosiva na fissura. A princípio, depois de cobrir a superfície com um unguento oleoso misturado com um abrasivo em pó (provavelmente quartzito), recortava-se o jade manualmente com o auxílio de um pau de osso ou de bambu. Depois, e até ao séc. XV a. C., trabalhou-se o jade com uma ferramenta chamada faca mágica, porque ostentava um diamante ou corindo na ponta que era utilizado como broca. A este método juntou-se posteriormente o movimento rotativo por meio de pedal. Podia demorar meses a serrar um pequeno fragmento de rocha. De seguida, começava-se a lixar a peça com areia com diversos graus de dureza até conseguir a forma desejada. No final, polia-se toda a peça. Mesmo depois da introdução da broca e do disco rotativos o trabalho prosseguia muito lentamente. Estas técnicas já estavam todas extraordinariamente aperfeiçoadas no dealbar da Idade do Bronze na China, há mais de 3500 anos, e permaneceram inalteradas até ao séc. XX, só então se recorrendo a ferramentas eléctricas.
O Neolítico
O apogeu do trabalho em jade, de 3400 a 2000 a. C., teve lugar na costa oriental da China, do Liaoning até ao Fujian e configura uma verdadeira Idade do Jade. Datam da cultura Hongshan 红山 (3400- 2300 a. C) os objectos de jade mais antigos. Há quem defenda que provavelmente já se trabalhava ali o jade há 7000 anos. Trata-se sobretudo de amuletos e ornamentos como máscaras (Fig. 4), figuras humanoides com rostos inquietantes (Fig. 5), pássaros, insectos, objectos rituais e animais entre o porco e o dragão, o 猪龙zhulong (Fig.6). O porco era a base da alimentação e o dragão estava ligado á fertilidade e à chuva.
Das culturas Dawenkou 大汶口 (4300-2600 a.C.) e Longshan 龙山 (2600-2000 a.C.) descobriu-se uma grande quantidade de objectos de jade trabalhados com grande beleza, em geral tão pequenos que cabem na palma da mão. Talhavam armas simbólicas para os rituais como machados 钺yue, ceptros璋 zhang em forma de meia-lua, facas 刀 dao, máscaras com traços semi-humanos, pássaros… E ainda discos 璧bi, entre eles alguns com bordas irregulares (Fig. 7), cuja finalidade seria, provavelmente, de carácter astrológico-astronómico em associação com o tubo prismático 琮cong cuja cavidade central é penetrável do princípio ao fim (Fig. 8). Com efeito, o 书经 Shu Jing, O Clássico dos Documentos, afirma que o bi dentado, 牙璧yabi, servia para observar constelações e que podia ser rodado. Quanto à perfuração do cong era conseguida desbastando apenas uma das faces, sendo as paredes perfeitamente cónicas e polidas.
Com a cultura Liangzhu 良渚文化 (3200- 1800 a.C.) atingiu-se um elevado nível técnico e um apurado requinte, embora não existissem ainda ferramentas de metal. O valor simbólico associado ao jade tornou-se cada vez maior. Alguns cong apresentam grandes dimensões (Fig. 9). Encontraram-se cong profusamente decorados em túmulos de pessoas abastadas, com motivos de máscaras zoomórficas e antropomórficas estilizadas nas esquinas, verdadeiras obras-primas da arte do jade. Os discos bi eram grandes e ostentavam belas cores (Fig.10). Colocava-se toda uma profusão de peças de jade sobre os cadáveres e cobriam-se os mais abastados de entre eles por completo. Também se talhava armas simbólicas para os rituais, como os machados yue, os ceptros zhang e as facas dao, as lâminas圭 gui, assim como insígnias e diversos ornamentos (Fig.11). Um motivo recorrente é uma figura de grande boca e grandes orelhas, por vezes com olhos protuberantes. Nem o porco-dragão nem o dragão faziam parte da iconografia de Liangzhu.
Shijiahe石家河 (2500-2000 a.C.) foi o maior assentamento pré-histórico e o de maior duração do curso médio do rio Changjiang (Yangtze ou Iansequião). As ruínas da antiga cidade de Tanjialing datam de há 5300 anos, sendo considerada a maior cidade pré-histórica da China. Trata-se da primeira cultura no sul da China onde foram encontrados objectos de cobre. Construíam urnas funerárias para os mortos e nelas colocavam artefactos de jade. A tecnologia de fabrico de jade de Shijiahe, que era distinta das demais, atingiu o nível mais alto da China pré-histórica ou mesmo da Ásia oriental. Traçavam padrões em relevo na superfície do jade que eram conseguidos por raspagem consecutiva ou desgaste do fundo entre as linhas paralelas entalhadas e não cinzeladas. De seguida, esfregavam e poliam o jade de modo a criar efeitos tridimensionais. Todo o processo requeria grande delicadeza. Talhavam ornamentos em forma de dragão, tigres e pássaros (Fig.12), ganchos, anéis, figuras humanas (Fig. 13), cigarras, bi e cong, Esta cultura exerceu grande influência sobre o jade da dinastia Shang.
Bi e cong
Tanto o bi como o cong são objectos cujo significado permanece até hoje misterioso, dado a sua forma não se assemelhar a qualquer objecto de uso quotidiano. Wu Dacheng 吴大澂 (1835–1902 d.C.), estadista, estudioso e coleccionador de antiguidades chinesas, principalmente jades, foi um dos primeiros a tentar decifrar o uso e o significado dos jades arcaicos como o bi, o cong e o璜 huang. Em 1889, publicou as suas descobertas e conjecturas numa obra célebre, o 古玉图考Guyu tukao, em dois volumes e com ilustrações de 245 jades em xilogravura da autoria de um seu irmão.
De acordo com o 说文解字 Shuowenjiezi, os bi eram anéis circulares auspiciosos, com o disco apresentando o dobro do tamanho da cavidade central. A forma circular simbolizaria o céu. Os bi começaram por ser simples e sem decoração e assim se mantiveram até ao Período dos Reinos Combatentes da dinastia Zhou, quando o jade perdeu o seu significado ritual. Tal como o cong, encontram-se em túmulos imperiais e de defuntos de estatuto elevado.
O cong apresenta uma forma exterior cúbica e uma forma interna circular. Assemelha-se a um tubo com cavidade central totalmente penetrável. Essa cavidade central era geralmente feita perfurando as duas extremidades à vez até se encontrarem a meio. Símbolo de poder e autoridade, os cong eram utilizados nas cerimónias rituais como instrumento de comunicação entre o céu e a terra. Só foram encontrados em túmulos de pessoas do sexo masculino, tanto adultos como crianças. Tal como os discos bi, eram em geral desprovidos de qualquer decoração durante todo o Neolítico. Depois surgiram decorações em relevo com rostos de animais no exterior, por exemplo dragões. Tal como sucedia com os bi, também se talhavam cong em pedra.
De entre toda a panóplia de objectos funerários, apenas os objectos de jade serviam para adornar o cadáver. Eram colocados em cada um dos pontos cardeais, de modo a afastar as forças maléficas do universo. Sobre o peito um bi, à direita uma lâmina gui, aos pés um semi-círculo huang, sobre a cabeça um ceptro zhang. Na boca colocava-se um han em forma de cigarra, símbolo de uma nova vida.
Sanxingdui (1700-1150 a.C.)
O primeiro contacto moderno com a cultura 三星堆Sanxingdui teve lugar em 1929 quando se encontraram artefactos de jade em Yueliangwan (“Curva da Lua”), na margem sul do rio Yazi, na planície de Chengdu, no Sichuan. A verdadeira escala das suas ruínas, porém, só foi entendida em 1986, quando arqueólogos descobriram milhares de artefactos de ouro, jade, bronze e cerâmica na cova sacrificial nº 1 descoberta a 18 de Julho e na cova sacrificial nº 2 descoberta a 14 de agosto. Mais de dez machados e tabuletas de jade viram a luz do sol. Nos dias 25 e 26 de Julho, acharam-se alguns punhais de bronze. Após duas semanas de escavação, o trabalho ficou concluído, tendo sido desenterradas mais de quatrocentas peças, cada uma delas de valor inestimável: jades, bronzes, ouro, marfins, cerâmicas, conchas…
Os jades encontrados em Sanxingdui também parecem estar relacionados com os seis tipos conhecidos de jades rituais associados a um ponto cardeal e ao céu e à terra, como os ceptros bifurcados zhang (Fig. 14), os cinzeis zao, as adagas 戈ge, os discos bi (Fig 15) e os tubos cong. Estes jades rituais assemelham-se formalmente aos das dinastias Shang e Zhou. Descobriram-se, porém, também muitas cabeças de jade com olhos protuberantes e orelhas pontiagudas (Fig. 16) que exibem uma iconografia ímpar. Algumas cabeças de jade ostentam um dispositivo cúbico rectangular semelhante a uma antena cujo significado é desconhecido, assim como inscrições hoje indecifráveis. Em Sanxingdui o jade também servia para fabricar peças de prestígio para as elites. Mas, curiosamente, metade deles apresenta superfícies pretas e brancas e com uma textura áspera de baixa transparência. Suspeita-se que o ritual implicava a queima das peças, embora continue a ser problemático interpretar a sua conotação cultural, dada a actual escassez de dados acerca desta cultura.
Dinastia Shang (1766- 1046 a.C.)
Na dinastia Shang, os jades apresentavam amiúde formas e decorações que estavam presentes nos vasos rituais em bronze. Por vezes combinava-se até ambos os materiais, criando-se flechas de bronze com ponta de jade e adagas ge com lâmina de jade e punhal de bronze (Fig. 17). Talhavam-se figuras de animais como peixes e tartarugas, figuras humanas, discos bi. Contudo, muitas peças da fase inicial da dinastia Shang, conhecida como fase de Zhengzhou, apresentam uma aparência fruste, com formas toscas e confecção negligente, sobretudo quando comparadas com as do Neolítico. Os rituais funerários tornaram-se muito complexos, com grande número de sacrifícios de animais e de pessoas. Dado se dispor então de vasos rituais de bronze, talvez se tivesse concluído que não valia a pena despender tanto tempo na elaboração de peças de jade.
Os jades da fase posterior da dinastia Shang, conhecida como a fase Anyang, são incomparavelmente mais belos e variados. Talhavam-se placas planas em forma de pássaros e de outras criaturas, perfuradas nas extremidades para servirem de enfeite de roupa ou de pingentes (Figs. 18 e 19), peixes, bichos-da-seda e tigres, além de bi, cong e outros objectos rituais. Todavia, tanto a função ritual do bi como do cong foi sendo substituída pelo bronze. Mais de metade dos que foram encontrados no célebre túmulo da princesa 妇好 Fu Hao, consorte do rei 武丁Wu Ding da dinastia Shang, suma-sacerdotisa e general, desempenhavam uma função meramente decorativa.
Dinastia Zhou (1046-256 a. C.)
Na dinastia Zhou Ocidental, o pensador Zhou Gongdan 周公旦escreveu acerca dos Seis Objectos Rituais de Jade no周礼 Zhouli, Os Ritos dos Zhou: “Os seis objectos de jade servem para prestar homenagem às quatro direcções e ao céu e à terra: o bi azul serve para prestar homenagem ao céu; o cong amarelo serve para prestar homenagem à terra; o gui verde serve para prestar homenagem ao leste; o zhang vermelho serve para prestar homenagem ao sul; o hu branco serve para prestar homenagem ao oeste; o huang negro serve para prestar homenagem ao norte…” “以玉作六器,以礼天地四方,以苍壁礼天,以黄琮礼地,以青圭礼东方,以赤璋礼南方,以白琥礼西方,以玄璜礼北方……”Deste modo, estes Seis Objectos Rituais de Jade representavam o céu, a terra e as quatro direções. O gui é uma placa longa plana com a extremidade inferior rectilínea e a extremidade superior triangular. Existem mais de dez tipos de gui, cada qual com características próprias. O zhang apresenta um formato rectangular plano com uma lâmina bifurcada numa extremidade e com uma perfuração na outra. As formas do huang variam, por exemplo, a de uma folha semicircular ou de um arco. O hu apresenta uma forma mais realista, menos geométrica, uma forma de tigre. Fazia parte dos Seis Objectos Rituais de Jade porque o tigre branco simbolizava o oeste.
Na dinastia Zhou teve lugar um grande desenvolvimento no trabalho do jade e talhou-se uma enorme variedade de peças com grande mestria técnica. Datam do início da dinastia umas pequenas lâminas muito finas e lisas com decoração cuidadosamente talhada e que revelam um cuidado extremoso no polimento. A decoração é assaz complexa, com motivos entrelaçados que lembram girinos, pontos de relevo, ornamentos em forma de C e figuras estilizadas de dragões e de outros animais (Fig. 20), presentes também no trabalho em bronze.
Continuou-se a colocar jades sobre os cadáveres nas sepulturas. Selavam-se os orifícios do corpo com plaquetas de jade, enquanto uma placa com formato de cigarra era colocada na boca. Na dinastia Zhou Ocidental cobriam-se os defuntos com máscaras faciais cujas peças de jade eram cosidas sobre uma tela de seda (Fig. 21); e ainda os enfeitavam com peitorais compostos por vários elementos que eram atados de modo a formar um colar que pendia desde o pescoço até aos joelhos (Fig. 22). Esses peitorais tinham sido usados em vida como distintivos sociais.
Atingiu-se o auge do trabalho em jade no Período dos Reinos Combatentes (476-221 a.C.), quando se talharam peças que se distinguem por formas sofisticadas e superfícies cuidadosamente trabalhadas e decoradas, frequentemente com dragões (Fig. 23) e tigres, além de emitirem um brilho sedoso. Surgiu também um contorno em relevo a rodear a totalidade ou parte das peças que se assemelha a uma moldura. Conhecem-se placas em forma de dragões, tigres, pássaros e peixes cujo tratamento de superfície, como espirais e volutas gravadas, é primoroso. A decoração dos cabos das adagas e dos encaixes das espadas era igualmente intrincada e apresentava por vezes um motivo geométrico reminiscente do 饕餮 taotie, uma máscara estilizada e inquietante que surgia amiúde nos bronzes rituais. Os jades deste período contam-se entre os melhores da história da China e é possível que dispusessem da broca de ferro e do disco de corte.
Raros bi deste período eram lisos, sendo antes decorados com uma fileira de espirais salientes que formava um padrão conhecido como “padrão dos grãos”, por vezes confinados ao interior de uma moldura externa (Fig. 24).
No final da dinastia, o jade ficou cada vez menos associado a rituais mágico-religiosos, ao mesmo tempo que o seu uso se tornava mundano e ornamental, tendência que se afirmou plenamente na dinastia Han. Passou a ser usado nos acessórios para espadas, em ganchos de cabelo, pingentes, alfinetes de roupa, etc.
Dinastia Han (206 a.C.-220 d.C.)
A dinastia Han põe fim à cultura dos objectos de jade destinados ao túmulo, como os bi e os cong. O jade passou a ser cada vez mais utilizado na produção de artigos de luxo, como copos, animais fantásticos e ornamentos como guarnições para espadas, fivelas de cintura, adornos para o cabelo, pulseiras, pingentes, etc., que eram decorados muitas vezes com dragões, motivo muito popular nesta dinastia (Fig. 25).
Muitas das peças eram feitas de jade negro e suspeita-se que se descobriu então uma fonte dele em Cotão (Khotan). Muitas das figuras de animais já não se reduziam a silhuetas planas mas eram verdadeiras esculturas pequenas e arredondadas (Fig. 26). Algumas, porém, apresentavam dimensões consideráveis, como sucede com a extraordinária cabeça de cavalo de jade que se encontra hoje no Museu Victoria and Albert, em Londres (Fig. 27). Raramente se representava a figura humana mas há excepções, como pendentes com um “ancião com barba” extremamente estilizado que pode ser visto, por exemplo, na colecção do Museum of East Asian Art, em Bath, no Reino Unido. Talvez se tratasse de um amuleto ou talismã que se prendia à roupa com um cordão e que simbolizava a longevidade. Com efeito, na maior parte dessas peças encontra-se orifícios em forma de Y invertido para enfiar um cordão desde o topo da cabeça até ao final das mangas da indumentária.
Existia então a crença de que o jade podia evitar a decomposição dos cadáveres. Assim, continuava a colocar-se placas em forma de cigarra sobre a sua boca (Fig. 28) e em forma de porco nas mãos e nos demais orifícios corporais. Pertencem ainda a esta dinastia os célebres 玉衣yuyi, os fatos de jade, destinados apenas aos imperadores ou a quem eles decidissem ofertá-los (Fig. 29). Trata-se de fatos que cobriam a totalidade do cadáver sem excepção e que eram confeccionados com pequenas lâminas de jade atadas com fios de seda ou de metal. Calcula-se que um fato de jade demorasse cerca de uma dezena de anos a ser concluído, mas foram confeccionados até ao final da dinastia. Conhecem-se actualmente cerca de quarenta fatos de jade, sendo considerados os mais belos o de Mancheng, no Hebei, e o do rei de Nanyue, em Guangdong.
Dinastias posteriores
Depois da dinastia Han, o uso do jade reduziu-se muito e este tornou-se, mais do que nunca, objecto de colecção e apreciação estética. É provável que a introdução do budismo na China da dinastia Han, vindo da Índia, tenha desempenhado um papel na perda do significado mágico-religioso do jade nas dinastias que se seguiram, pois não fazia parte dos rituais budistas. Há ainda a considerar a provável escassez do material, devido a tratar-se de uma era de conflitos e de tumultos. Todavia, o fascínio pelo jade não diminuiu e era ele o material adequado para ofertas importantes e grandes homenagens, para as insígnias de mérito e para os carimbos do estado imperial.
Da dinastia Song (960-1279 d.C.) em diante, um grande número de letrados tornou-se apreciador e comprador de pequenos objectos de jade, tal como suportes e descansos para pincéis, assim como de ornamentos para oferecer a amigos em ocasiões especiais.
Na dinastia Qing (1644-1912 d.C.), havia abundância de nefrite e atingiu-se o zénite do virtuosismo técnico. Os formatos das peças de jade eram mais variados, luxuosos e extravagantes do que nunca: animais reais e míticos, figuras humanas e personagens míticas, vegetais, os quatro tesouros do estúdio do letrado, almofadas… Talhavam-se na perfeição jades de grande complexidade formal e com decorações densas e melindrosas. O gosto arcaizante herdado da dinastia anterior Ming desenvolveu-se e criaram-se muitas versões em jade das formas dos bronzes rituais das dinastias Shang e Zhou (Figs. 31 e 32), assim como das formas cerâmicas de dinastias anteriores. A jadeíte começou a ser importada a partir do final do séc. XVIII e, dado ser brilhante e lisa, passou a ser preferida na confecção de jóias e de vários recipientes de uso quotidiano.
Ainda hoje se trabalha magistralmente o jade na China e existem tanto artistas que se especializam no repertório de formas recebidas do passado como artistas de gosto mais contemporâneo. Em Xangai, sobretudo, novas formas e técnicas inéditas têm vindo a ser exploradas, convivendo lado-a-lado e em harmonia com as formas e as técnicas do passado. A China continua a contar, assim, com artistas do jade de primeiríssima água, entre eles Yang Xi, Zhai Yiwei, Wang Dehai, Tang Shuai, Yang Guang, Ma Hongwei, Huang Fushou, Ma Rui e Ma Xuewu e Su Jiefeng.
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Bibliografia
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