Zhang Zhihe (730-810), o vate de Jinhua (actualmente em Zhejiang), ficaria para a posteridade conhecido pelo modo como se dedicou a pescar à linha: sem usar isco e sem nunca apanhar um peixe, dedicado apenas à vagabundagem feliz. Quando Lu Yu (733-804), o sábio do chá, lhe perguntou porque vivia vadiando, ele respondeu-lhe com uma pergunta: «Com o Empíreo por morada, o luar meu constante companheiro, os quatro mares como meus amigos inseparáveis – que queres dizer quando dizes ‘vadiar’?»
Essa errância levou-o um dia até uma mítica montanha, um lugar estratégico, rodeado de água por três lados, onde se deram inúmeras batalhas mas que tinha um acesso difícil, pelo que se tornou um refúgio ideal para eremitas ilustrados. No poema «Canção do pescador», o poeta descreve um cenário quase irreal diante da montanha Xisai, situada na Província de Hubei, concluindo: «não quero voltar para casa». Assim descrito no poema o lugar passaria a ser reconhecido como uma utopia poética, próxima da fábula da «Nascente das flores de pessegueiro», de Tao Yuanming.
Muitos literatos que o leram sonharam lá ir um dia. Durante a dinastia Song, um pintor faria dessa intenção um acontecimento festivo. Chamava-se Li Jie (1124-antes de 1197) e para uma única pintura, «Pavilhão do pescador no monte Xisai», feita em 1170, e que hoje se encontra no Metmuseum em Nova Iorque (tinta e cor sobre seda, 40,6 x 136,5 cm) convocou poetas e literatos que exprimiram em sete cólofones a mútua admiração e a vontade de partilhar esse ideal. De modo significativo, o primeiro a responder à pintura era um poeta, político e geógrafo admirado pelas suas narrativas de viagens, no género literário youji wenxue, que valoriza a experiência pessoal.
Fan Chengda (1126-1193) escreveu «antecipando esse encontro», em que juntos percorreriam a montanha que Li Jie pintou, antevendo os dias em que para lá se poderia retirar, livre por fim das obrigações de funcionário imperial. O que só aconteceria catorze anos depois. Por agora, a sua pintura de aspecto voluntariamente primitivo e esquemático, que utilizava o azul-verde (qinglu) em voga na dinastia Tang, com miríades de flores de lótus no primeiro plano, símbolos da união e harmonia mas também da condição humana por ser capaz de florir nas águas mais sujas, inspirava a amizade. Também evocava Wangchuan, a quinta nos arredores de Changan para onde se retirava o poeta e pintor Wang Wei (699-61) e sobre quem Su Dongpo escreveu: «Quando saboreio um poema de Wang Wei, encontro uma pintura; quando contemplo uma pintura sua, encontro um poema.» Pintura e palavras que referem o passado já no amanhecer do futuro encontram-se agora juntas num longo rolo horizontal (792,8 cm) a partir da iniciativa de Li Jie, partilhando o desejo melancólico de ser inútil como Zhang Zhihe, o «Mestre da verdade original».
