O Patriarca Estrela Proeminente (Kuíxīng Yé 魁星爺/爷) é muito venerado, particularmente nos meios académicos. Ele é uma das Cinco Divindades Estelares da Cultura, de facto a Primeira, estando intimamente relacionado com a Suprema Divindade da Cultura Florescente.
Na China tradicional, incluindo Taiwan, sempre se lhe prestou culto, especialmente os estudantes que atingiam o primeiro lugar na lista dos classificados nos exames imperiais. É conhecido como Intelectual Proeminente (大魁夫子Dà Kuíxīng Fūzǐ) e Intelectual Proeminente da Cultura (文魁夫子Wénkuí Fūzǐ). Os taoistas chamam-lhe o Senhor Imortal Proeminente “ (大魁仙帝Dà kuí Xīng Xiāndì) e o Supremo Senhor das Vestes do Destino (緣/缘衣帝君 Yuán Yī Dìjūn). Para o vulgo é apenas o Patriarca Estrela Proeminente (魁星爷 Kuíxīng Yé).
O nome desta divindade estelar, por homofonia imperfeita, recorda o da tartaruga (龜/龟 guī), por isso os que atingiam a primeira classificação nos exames tinham que pisar uma tartaruga. O primeiro lugar era denominado o proeminente cabeça de lista, em homenagem a Kuixing, já que kuí (魁) significa primeiro, mas também proeminente.
Esta divindade estelar da 28ª constelação é a primeira da Ursa Maior. É facilmente reconhecível pelo seu aspecto indomável. Em termos de figura, é a antítese da sofisticada Divindade da Cultura Florescente.
O indomável primeiro lugar traz o cabelo em desalinho, tem o rosto sardento e suspeita-se que é coxo da perna esquerda. O pé direito surge sobre a cabeça de uma tartaruga do mar que, a mando do Imperador celestial, salvou a sua alma de ser devorada pelos peixes do oceano.
Na mão direita, apresenta ainda um pincel e na esquerda a tinta. Suicidou-se depois de ter chumbado nos exames imperiais, por causa do seu tipo literalmente anti-social. Os examinadores, impressionados com tamanha fealdade, apressaram-se a reprová-lo, mas de facto ele era o melhor aluno que alguma vez se apresentou a exame. Por isso se ressentiu, pondo termo à vida.
Quis o destino que o Imperador celestial o salvasse com o apoio de uma tartatuga com corpo de dragão e depois o promovesse a divindade protectora de todos aqueles que intelectualmente se distinguiam na terra.
Encurtando razões e argumentos, o que seria do saber, humano mas também divino, sem o apoio das forças naturais ou, dito de outro modo, o que teria sido da alma da futura Divindade Proeminente sem a tartaruga do mar?
Na verdade, a tartaruga é um símbolo multifacetado como todos os verdadeiros símbolos. Segundo a filosofia taoista, o seu nome aproxima-a, mais uma vez por homofonia imperfeita, da esfera fantasmagórica, dos guǐ (鬼), mas quando as questões de nomenclatura são devidamente contornadas pelas práticas rituais taoistas, a sua faceta de carapaça bloqueadora do sopro vital (氣qì) é removida para dar lugar à livre circulação do sopro, permitindo lentamente alcançar a longevidade, e até a imortalidade, que também simboliza.
A grande longevidade da tartaruga e a possibilidade de alcançar a imortalidade está inscrita no seu próprio corpo. Este reúne fisicamente o céu redondo na carapaça e a terra quadrada nas patas, garantindo a sua perpetuação, pela sábia conjugação entre as forças telúricas e celestiais. Ou seja, por transportar as duas forças primordiais da filosofia chinesa, o Yin (陰/阴 Yīn) feminino, na terra das patas, e o Yang (陽/阳 Yáng) masculino na concha celestial. Além disso, move-se com calma, o que lhe permite preservar a energia que contém.
As forças complementares inscritas no corpo da tartaruga desenvolvem-se num tempo lento, aquele que poderá aspirar ao primeiro lugar, pois garante a realização de uma obra perfeita e duradoira.
No entanto, o mundo contemporâneo introduziu um grave desequilíbrio na complementaridade das forças, precisamente por causa da rapidez com que se tem vivido.
Ora de nada adianta falar em revolução ecológica e em paradigmas de desenvolvimento verdes e holísticos para substituir os do velho modelo mecanicista, se não se entrar em linha de conta com o factor tempo, e especificamente com o calmo, o único capaz de sustentar o novo paradigma e a emergente consciência ecológica.
O que nos conduziu onde estamos, com megacidades e crescimento desmedido, foi a total libertação da força Yang criativa em detrimento das pausas e dos descansos exigidos pela força Yin e seus ritmos telúricos.
Quanto mais produzirmos, pior ficamos, mesmo que essa produção se apresente na sua faceta redentora e limpa.
Precisamos de parar um pouco para contrabalançar o que já fizemos. O desequilíbrio está consumado e as torres de babel erguem-se desenvoltas, rumo a um céu que literalmente tocam (摩天樓/楼Mótiānlóu).
É tarde para mezinhas e a harmonia natural só será reposta se recuperarmos o ritmo de vida da tartaruga, para que o céu e a terra possam voltar a dialogar em pé de igualdade.
Em termos práticos, é preciso menos construção de carros, prédios, cidades e de tudo o resto; deixar o silêncio reinar durante grande parte da nossa existência quotidiana, sem pressa de chegar ou partir, evitando os horários de sol a sol para fomentar o progresso. Enfim, seria bom voltar à terra, sem afastar a aventura de Marte. Porque até os astronautas poderão embarcar num ritmo mais tranquilo, e de olhos postos nos nossos companheiros naturais, os animais, concentrando-se nos de grande longevidade como a tartaruga.
Hoje, e com o ritmo de desenvolvimento que levamos, até os chineses já suspiram pelo equilíbrio que sentem perdido, na forma de ecossocialismo. Muito se tem falado da harmonia social, mas ainda se ouvem poucas vozes, nomeadamente em certas regiões asiáticas, a levantarem-se pela harmonia natural.
O que foi perdido tem de ser recuperado em nome do primeiro lugar e em sinal de veneração ao Patriarca Estrela Proeminente, que nunca montou o tigre da riqueza, mas antes a tartaruga da longevidade.
A concluir há que recordar o apontamento biográfico de Zhuangzi (庄子Zhuāngzi), quando lhe perguntaram se desejava aceitar um cargo oficial, nomeadamente o de primeiro-ministro, ao que ele respondeu preferir arrastar a cauda na lama, recorrendo à parábola da tartaruga do capítulo dezassete da obra《庄子》. Recordemos o contexto da parábola, o filósofo pescava no rio Pu (濮Pú), quando o governante do reino de Chu (楚国Chǔ) lhe envia dois vice-chanceleres para o nomearem Primeiro-Ministro.
Disseram-me que no reino há uma tartaruga sagrada, canonizada há três mil anos. Esta é venerada pelo rei, estando embrulhada em seda, num precioso relicário, sobre um templo no altar. Preferia que a tartaruga estivesse morta e mantida em grande estilo ou estar viva e ser capaz de arrastar a sua cauda na lama?
Os ministros responderam: «Estar viva e ser capaz de arrastar a cauda na lama.»
Zhuangzi disse: «Então, por favor, vão-se embora, porque também prefiro arrastar a minha cauda na lama.»
“吾闻楚有神龟,死已三千岁矣。王巾笥而藏之庙堂之上。此龟者,宁其死为留骨而贵乎?宁其生而曳尾于涂中乎?” 二大夫曰: “宁生而曳尾涂中。” 庄子曰: “ 往矣!吾将曳尾于涂中。”
(Zhuangzi, 1999:280)
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Bibliografia
- Alves, Ana Cristina. 2011. Kuixing, Patriarca Estrela Proeminente. In Histórias das Religiões Chinesas. (trabalho de investigação, texto policopiado).
- Ong Hean-Tatt. 1997. Chinese Animal Symbolisms. Malaysia: Pelanduk Publications.
- __________1995. Chinese Black Magic. An Expose.Kuala Lumpur: Eastern Dragon Press.
- Zhuangzi (《庄子》). 1999. Vol. I e II Trad para Inglês de Wang Rongpei e para Chinês moderno de Qin Xuqing e Sun Yongchang. Hunan, Beijing: Hunan People’s Publishing House, Foreign Language Press.
