Esta singela história de Tao Yuanming inspirou dezenas de poetas e pintores ao longo da história da China. Talvez porque pela primeira vez alguém referiu a existência, imaginada ou não, de uma utopia, um lugar onde existia paz e todos eram felizes.
tradução Miguel Lenoir
No ano de Taiyuan1 da dinastia Jin, vivia um homem na prefeitura de Wuling2 que ganhava a vida a pescar. Um dia, remou o seu barco ao longo de um riacho, sem saber por onde ia, até que, de repente, se viu no meio de um bosque cheio de pessegueiros em flor. O bosque estendia-se por várias centenas de passos ao longo das duas margens do ribeiro. Não havia árvores de outro género. A erva perfumada era fresca e bela e as pétalas das flores de pessegueiro caíam em profusão. O pescador ficou tão curioso que continuou a remar, na esperança de descobrir onde terminavam as árvores.
No fim do bosque deu pela a nascente do ribeiro. O pescador avistou uma colina, com uma pequena abertura, de onde saía uma réstia de luz, e desembarcou para explorar a fenda. Os seus primeiros passos conduziram-no a uma passagem que apenas comportava a largura de uma pessoa. Mas, depois de ter avançado umas dezenas de passos, a passagem alargou-se subitamente para um campo aberto. O terreno era plano e espaçoso. Havia casas dispostas em boa ordem, com campos férteis, belos lagos, bambus, amoreiras e caminhos que atravessavam os campos em todas as direcções. O cantar dos galos e o ladrar dos cães ecoavam na distância. Nos campos, os aldeões estavam ocupados com os trabalhos agrícolas. Eram homens e mulheres que se vestiam como as pessoas lá de fora. Todos, velhos e novos, pareciam felizes.
Ao verem o pescador ficaram surpreendidos e perguntaram-lhe de onde vinha. Sem hesitar, o homem respondeu a todas as perguntas. Depois convidaram-no a visitar as suas casas, mataram galinhas e serviram-lhe vinho para o entreter. À medida que a notícia da sua chegada se espalhava, toda a aldeia acorreu para o saudar. Contaram-lhe que os seus antepassados tinham vindo para este refúgio isolado, trazendo as famílias e os habitantes da aldeia, para escapar aos tumultos ocorridos durante a dinastia Qin e que, desde então, tinham ficado isolados do mundo exterior. Todos estavam muito curiosos por saber qual era a dinastia actual. Não conheciam a dinastia Han, para não falar das dinastias Wei e Jin. O pescador disse-lhes tudo o que eles queriam saber, mas os aldeões suspiraram, enquanto lhe ofereciam vinho e comida deliciosa. Passados vários dias, o pescador decidiu partir. Foi quando os habitantes da aldeia lhe pediram que não contasse a ninguém da sua existência.
Uma vez lá fora, o pescador encontrou o seu barco e remou para casa, deixando marcas durante todo o percurso. Quando chegou, foi à prefeitura e relatou a sua aventura ao prefeito, que imediatamente enviou pessoas para encontrar o local, tendo o pescador como guia. No entanto, as marcas já não estavam no lugar onde ele as deixara. Haviam-se perdido e agora era impossível encontrar o caminho.
Liu Ziji, da prefeitura de Nanyang, um erudito de grande reputação, ficou entusiasmado ao ouvir a história do pescador. Concebeu um plano para encontrar a aldeia, mas nunca o levou a cabo. Liu morreu pouco tempo depois e, após a sua morte, ninguém mais tentou encontrá-la.
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Notas
- 1. Tayuan 太元 era o título da era do imperador Xioawu da dinastia Jin de Leste. Decorreu entre 9-2- 376 / 12-2-397
- 2. A prefeitura de Wuling é hoje Changde, uma cidade da província de Hubei.
