O Pavilhão do Velho Bêbedo

Zhuangzi (sécs. IV-III a. C.) recorreu à elucidativa metáfora de um homem que cai de uma carruagem e que, estando bêbedo, isso em nada o afectou, nem ao seu corpo nem ao seu espírito, concluindo com uma pergunta: «Se através do vinho ele se conserva assim inteiro, quanto mais se não conservaria inteiro através do céu? O sábio, explica, aloja-se na via do céu (tiandao) e assim não há nada que o possa afectar» (cap. XIX, Dasheng, «Entender a vida»).

O vinho como veículo para atingir o «espírito inteiro» (shenquan) de simplicidade, liberdade e comunhão com o mundo natural proposto pelo Daoísmo, alcançaria com os poetas da dinastia Tang, e de modo inexcedível com Li Bai (701-62), um prestígio que se prolongaria.

Na seguinte dinastia Song, o hábito do consumo do vinho tornara-se de tal modo uma forma de distinção social entre literatos que as autoridades da capital Hangzhou mandaram erigir barreiras ao longo dos canais para que os letrados, caminhando inebriados, não caissem à água.

Um pintor do século dezoito chamado Lu Han (?-1722) parece aludir a um desses obstáculos na representação que fez do poeta Ouyang Xiu (1007-1072) numa pintura que faz parte de um álbum de Oito paisagens (tinta e cor sobre papel, 30,5 x 22,9 cm, folha VIII, no Metmuseum) em que, a cada página, o pintor vai utilizando o estilo de diversos pintores célebres ou recria inesquecíveis acontecimentos. Aí o poeta é referido pelo seu pseudónimo (hao) Zuiweng, «Velho bêbedo», na pintura Figuração do pavilhão Zuiweng. Um pavilhão que ainda hoje se pode visitar no Parque florestal do Monte Langya, a três quilómetros da cidade de Chuzhou (Anhui) e onde se venera a memória do poeta.

Na pintura de Lu Han, ele vê-se na sua veste vermelha de alto funcionário, um chapéu futou e caminhando em direcção a uma barreira, amparado por um jovem criado, a descrição habitual de um poeta ébrio, no sopé de uma montanha onde no alto está um pavilhão, que seria o tema de um dos seus mais celebrados textos, o Canto do Pavilhão do velho bêbedo (Zuiwengting ji).

Ouyang Xiu relatou em 1046, como pintando, o cenário que conduz ao lugar que ele perpetuaria com palavras e que assim se inicia: «Há montanhas em redor de Chu e quanto aos cumes a Sudoeste, as suas florestas e vales são especialmente belos. Olhando para Langya percebe-se como é luxuriante e intensamente florescente. Caminhando em direcção à montanha seis ou sete li, escuta-se um gradual chan, chan, do som da água corrente, fluindo a partir do meio de dois cumes. É a “Nascente da fermentação”. Regressando ao caminho da montanha, há um pavilhão de asas estendidas para onde vai descendo a nascente. E é este o pavilhão do velho bebêdo (…) O velho bêbedo não se interessa pelo vinho, o seu interesse está na paisagem, a alegria de montanhas e águas alcança-se e subsiste no coração, só se aloja no vinho.»

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