A PRIMEIRA REDE os canais que fizeram a China

Sendo a China atravessada por inúmeros rios e lagos, a vontade de aproveitar as águas para o transporte de pessoas e bens despertou bem cedo nos chineses o interesse de criar ligações para usar em pleno esse recurso.

Aproveitando a solução encontrada por Da Yu para controlar as cheias rasgando canais, muitas vezes entre montanhas, tornando navegáveis as águas dos seus rios, ou desviando-as para irrigar os campos, os diferentes reinos desde o Período da Primavera-Outono, há 2500 anos, começaram a dragar pequenos canais locais, com fins militares e económicos.

O reino Chu em 591 a.E.C. fez um reservatório, donde o Canal Shaopi partia para chegar ao rio Huai e, desse rio, o reino Wu construiu o canal Hangou em 486 a.E.C. até ao Chang Jiang. Depois o reino Wei ligou-o ao Rio Amarelo (Huanghe), em 360 a.E.C. atrevés do canal Honggou (Bianqu). A estes canais, que mais tarde integraram o Grande Canal, foram adicionados outros em três diferentes períodos: a primeira fase ocorreu entre as dinastias Qin e Han (221 a.E.C.-220), a segunda entre as dinastias Sui e Tang, e a terceira parte na dinastia Yuan. Assim se foi unindo por água o celeiro da China, no centro do país, às capitais das diferentes dinastias.

 

Canais iniciais

A mais antiga represa na China, conhecida por reservatório de água Shaopi (芍陂), foi construída na província de Anhui entre 598 e 591 a.E.C., durante a dinastia Zhou do Leste (771-256 a.E.C.) por Sunshu Ao (孙叔敖, c.630-c.593 a.E.C.), considerado o primeiro engenheiro hidráulico chinês, pertencente à corte do rei Zhuang do reino Chu.

Feita de terra com dez metros de altura, na dinastia Sui passou a ser conhecida por reservatório Anfengtang (安丰塘) e localiza-se na margem Sul do Rio Huai, onde hoje se situa Shouxian. Recebendo água da região montanhosa de Lu’an em Liuan (六安), esse lago com 60 km de perímetro sempre serviu para a irrigação, correndo as suas águas por o Canal Shaopi,  até desaguarem no rio Huai. Actualmente, está inserido no Sistema de Conservação de Água Pi-Shi-Hang [淠史杭灌区], que usa os rios Pi (淠河), Shi (史河) e Hangbu (杭埠河) situados entre Henan e Anhui, e é considerado o segundo da China, depois do Dujiangyan em Sichuan.

Já a mais antiga secção usada no Grande Canal, o Canal Hangou, com 197 km de comprimento, foi rasgado em 486 a.E.C., quando o rei Fuchai do reino Wu mandou unir o Chang Jiang (Yangzi) e o Huaihe para atacar o reino Qi. Por água ligava Suzhou [outros dizem ser Huai’an] a Hancheng, a cidade que também edificou e cujo actual nome é Yangzhou. Quatro anos depois, em 482 a.E.C., o canal foi prolongado até ao Sul de Shandong. Na dinastia Han, o canal Hangou (邗沟 passou a chamar-se Qushui (渠水) e no livro Shuijing (水经) tinha também o nome de Zhongdushui (中渎水) e Hanjiang (韩江). Na dinastia Sui era denominado Shanyang du (山阳渎) e na dinastia Yuan, Liyunhe (里运河).

No Período dos Reinos Combatentes (475-221 a.E.C.), o reino Wei, para preparar a guerra, mudou em 364 a.E.C. a sua capital Anyi para Daliang (Kaifeng). Quatro anos depois, o marquês Hui de Wei [Ying de Wei (400-319 a.E.C.) marquês desde 370 a.E.C. e rei em 344 a.E.C.] mandou abrir em 360 a.E.C. o canal Honggou (鸿沟), cuja construção terminou em 339 a.E.C.. Partindo do Rio Amarelo, entre as cidades de Luoyang e Kaifeng, passava por Chenzhou (hoje Huaiyang) e, ligado aos nove rios da região, chegava ao rio Huai [do livro Zhan Guo Ce 战国策]. A obra tinha como suporte e baseava-se no muito anterior trabalho do rei Yu (Da Yu, 2070-2035 a.E.C.) que, para resolver o problema das cheias do Rio Amarelo, rasgou canais e colocou a água a vazar para Sul – segundo o livro Shui Jing Zhu (水经注) escrito por Li Dao Yuan (酈道元) no período do Reino Norte Wei –, estabilizando as águas distribuídas pelos nove rios da região situada entre o Rio Amarelo e o Rio Huai. O Canal Honggou resolvia o problema da água para a agricultura, possibilitando ainda uma via para o transporte fluvial de mercadorias e pessoas e assim, partindo de Daliang navegando conseguia-se chegar aos reinos de Han, Chu, Qi, Wei e Lu. No reinado do primeiro imperador Qin foi usado para trazer o arroz do Sul para a capital Xianyang (hoje próximo de Xian).

Após a queda da dinastia Qin, entre 206 e 202 a.E.C. ocorreu a contenda entre os reinos Chu e Han e em 203 a.E.C., ao fazerem o tratado de paz marcaram entre ambos como fronteira o canal Honggou. Nos tabuleiros de xadrez chinês encontra-se representado esse canal a separar os dois lados.

O Canal Honggou ligava o Rio Amarelo com os afluentes do Rio Huai e mais tarde seguiria até ao Chang Jiang.

 

Outros canais

Em 361 a.E.C., o reino de Wei abriu outro canal denominado Bianqu que, em Kaifeng, a partir do Rio Amarelo, quando este vira para Nordeste, o canal descaidamente segue para Leste, usando muitos dos rios que banham essa zona e assim chegava a Xuzhou.

O canal Bian corre de Noroeste para Sudeste atravessando Henan, Anhui e Jiangsu. Sendo o terreno da região plano e o sistema de drenagem muito impermeável não foi necessário recorrer a grandes obras de engenharia. A secção Leste do canal, do Rio Amarelo até à região onde hoje é Kaifeng (Henan), foi construída no mínimo durante o primeiro período Han e denominado canal Langtang, ficando mais tarde conhecido por o nome Bianqu (汴渠), quando no ano de 202, Cao Cao ordenou a construção desde Xunyi (浚仪, hoje Kaifeng), até Suiyang (睢阳, actual Shangqiu, em Henan) e na moderna Xuzhou em Jiangsu, junta-se ao rio Si e desagua no Riio Amarelo, abaixo de Qingjiang (Jiangsu).

Já fora do que viria a ser o trajecto do Grande Canal, Ying Zheng [nascido em 259 a.E.C. e aos treze anos rei do Estado Qin] em 221 a.E.C. unificou a China após derrotar os seis reinos (Han, Zhao, Wei, Chu, Yan e Qi) existentes no Período dos Reinos Combatentes. Criou a dinastia Qin, o primeiro império da História da China, com a capital em Xianyang, em Shaanxi, e tornou-se Qin Shihuang di. Como apenas lhe faltava integrar os Xiongnu, nómadas habitantes do Norte, e o reino Nanyue, a Sul, em 219 a.E.C. enviou tropas (500 mil soldados) para a cordilheira de Lingnan e por cinco diferentes estradas tentou conquistar o território aos Yue do Sul (Nanyue).

Estando essa guerra a demorar muito mais do que o previsto, foi necessário arranjar um meio para levar mantimentos e armamento aos cinco exércitos Qin ali estacionados e que dali combatiam. Por isso, foi construído o canal Ling, com 34 quilómetros de comprimento, na actual província de Guangxi. Liga o rio Xiang que ao desaguar no lago Dongting dá acesso ao Chang Jiang e o rio Li que, em sentido oposto, corre até ao rio Gui e em Wuzhou se encontra com o Xijiang, um dos rios a alimentar o Rio das Pérolas (Zhu Jiang).

Ao viajar de barco pelo rio Li, espantamo-nos com as marés do rio, pois o mar está muito longe, explicando o barqueiro: “-As marés devem-se à ligação deste rio com o canal Ling”. Construído no século II a.E.C. para transportar provisões às tropas do imperador criou uma ligação por água desde o Rio Yangzi até ao Sul da China e para Norte chegava ao Rio Amarelo.

Também na dinastia Qin se deu início à construção do canal Jiangnan com 85 km de comprimento, que começando no Chang Jiang ia para Sul até Suzhou. No Período Primavera-Outono, o reino Wu fizera o canal Taibo (泰伯渎), a ligar Suzhou a Wuxi e, quando batalhou com o Yue, o reino Wu para transportar arroz estendeu o canal até ao rio Qiantang (Qiantang Jiang). No período do reinado do primeiro imperador da dinastia Qin, baseado nesse canal fez-se um prolongamento a Norte, desde Zhenjiang, passando por Suzhou até Hangzhou, chamando-o Lingshuidao (陵水道).

No Período dos Três Reinos, Sun Quan ordenou a construção do canal Jiangnan yunhe (江南运河) para ligar o Chang Jiang, a passar pela sua capital Jianye (actual Nanjing), ao rio Qiantang, um dos mais compridos no Sudeste da costa chinesa.

 

E chegam os Sui

Na dinastia Han do Oeste (206 a.E.C.-23) o rio Wei era usado para levar o arroz proveniente do Leste até à capital Chang’an (Xian), mas o trajecto com muitas curvas e cheio de altos e baixos era difícil. Por isso, em 129 a.E.C., no reinado de Wudi (140-87 a.E.C.), em três anos foi dragado entre Dongjing (Luoyang) e Chang’an (Xian) o canal Caoqu (漕渠) para facilitar o transporte. Como a dinastia Han de Leste (25-220) mudou a capital para Luoyang, o canal Cao deixou de ser usado.

Desde então, nos quatro séculos até à dinastia Sui, muitos outros canais foram rasgados e comportas construídas, criando, onde era possível, uma rede fluvial, promovendo a comunicação em áreas até então separadas. Esse uso constante da água, como meio de transporte mais fácil, permitia fugir aos terrenos montanhosos e era mais seguro do que viajar por terra.

Estava por fazer uma rede fluvial integrada, ideia que ganhou força na dinastia Sui (581-618), quando foi planificado o Grande Canal aproveitando um sistema de rios, lagos, canais e comportas já de grandes dimensões e por um conjunto de dragagens ficou aberto como estrada de água.

A China, dividida desde a dinastia Han, foi reunificada pela dinastia Sui e o seu primeiro imperador, Wendi (Yang Jian, 581-604) instalou a capital em Chang’an (hoje Xian), mas como esta cidade era muito pequena e velha aditou em 582 uma nova parte, ficando assim a sua capital com o nome de Daxing.

Logo em 584 mandou construiu o canal Guangtong (Guangtong qu, 广通渠), por ser necessário transportar arroz para a nova capital e daí foi usado parte do antigo canal Chao, levando a água do Rio Wei a atravessar por Noroeste a cidade de Daxing até Tongguan e assim ligá-la com o Rio Amarelo. Este canal com 300 li no ano 604 passou a ser chamado Yongtong qu, mas logo deixou de ser usado devido ao grande assoreamento.

Na dinastia Tang, o Imperador Xuanzong (685-762) ordenou a sua reparação e mudou-lhe o nome para Guangyun tan e, após deixar Dongdu (Luoyang), onde a imperatriz Wu Zetian (684-705) havia feito a capital, este trecho de água deixou de ser usado.

Em 587, o Imperador Wen mandou reparar o antigo canal Hangou (邗沟, construído em 486 a.E.C.) criando então o canal Shanyang (山阳渎, Shanyang du) com 300 li do Rio Huai ao Chang Jiang.

Para um maior controlo da zona central do território, Wen em 588 mudou o nome de Wuzhou para Yangzhou e colocou aí o seu segundo filho, Yang Guang como governador. Yangzhou, cidade nas margens de Chang Jiang, denominada antigamente Hancheng ou cidade de Han, fora edificada no ano de 486 a.E.C. aquando da construção do canal Han (Hanguo) de onde este partia a ligar o Chang Jiang ao Huaihe e essencial para o abastecimento da capital Daxing.

Yang Guang como governador aproveitou o canal e mandou em 601 complementá-lo até Luoyang e, quando se tornou em 604 o segundo Imperador Sui, no ano seguinte reconstruiu Luoyang para ser a sua capital Dongdu (capital de Leste) e ainda em 605 ordenou a construção de uma vasta estrada de água, conhecida por Grande Canal (Da yunhe, 大运河).

O canal dragado até ao ano de 610 tinha três secções: a primeira, o canal Tongji colocava a água dos rios Gushui e Luoshi no Parque Oeste de Luoyang e seguia directamente até ao Huanghe e continuando no Rio Amarelo, em Banzhu, a Leste de Luoyang, até ao velho fosso Langdang em Shanyang (hoje prefeitura de Huai’an, Jiangsu) na margem Sul do Huaihe. De Shanyang as águas do Rio Huai dirigiam-se pelo antigo Canal Han (Hangou) e afluíam no Chang Jiang em Jiangdu (hoje cidade de Yangzhou, Jiangsu). Toda a secção de Luoyang a Jiangdu tinha mais de mil quilómetros de comprimento.

A segunda secção, construída em 610 como canal Yongji drenava a água directamente do Rio Qinshui em Luokou, a Sul do Huanghe, até ao Norte de Zhuojun (hoje Beijing) tendo também mais de mil quilómetros de comprimento, fazendo a ligação do Rio Amarelo à região de Beijing.

A terceira secção, o canal Jiangnan de 400 km de comprimento levava a água do Chang Jiang em Jingkou ao Rio Qiantang em Yuhang (hoje cidade de Hangzhou, Zhejiang).

O Grande Canal totalizava 2500 km de Zhuojun no Norte até Yuhang no Sul ficando Luoyang no centro.

 

Projectos de Yangdi

Em 604, Yang Guang, filho de Wendi, primeiro imperador da dinastia Sui (581-604), deixou a capital Daxing e mudou-se para Luoyang. No ano seguinte, já como segundo imperador Sui, Yangdi (605-618) ordenou a construção de dois projectos: reconstruir Luoyang, cidade a Oeste da província de Henan, nas margens do Rio Luo, fundada em 1200 a.E.C. e que tinha sido capital das dinastias Zhou do Leste, então com o nome de Wangcheng, Han de Leste, Wei, Jin de Oeste e, desde 494, Wei do Norte, para ser a capital do Leste, Dongdu (东都).

Na mesma altura, idealizou também a abertura do Grande Canal, uma extensa estrada de água com 2400 quilómetros a ligar o Norte, desde Yanjing (Beijing) ao centro Sul do país, a Yuhang (Hangzhou), ficando Dongdu a meio caminho. O projecto levou seis anos a concluir.

Entre 605 a 610, Yangdi mandou milhões de homens rasgar canais a complementar secções já existentes para ligar os cinco grandes rios que drenam a água para o Grande Canal. Assim, em 610 ficou Yuhang (Hangzhou) ligada à capital do Leste Dongdu (东都, hoje Luoyang) e durante a dinastia Tang chegava a Chang’an (Xian) usando o rio Wei que corre até ao Rio Amarelo.

No ano de 605, Yangdi, baseado no canal Honggou, ordenou ser rasgado o canal Tongji (Tongji qu, 通济渠) a unir o Rio Amarelo ao rio Huai com três secções, Leste, Centro e Oeste, tendo o conjunto dois mil li. A secção Oeste começava em Dongdu (东都, Luoyang) e a água proveniente do Rio Luo e do seu afluente Gushui juntava-se em Gongyie ao Huanghe (Rio Amarelo). A secção do Centro iniciava-se em Banzhu (板渚), seguindo o Rio Amarelo por Zhengzhou, Bianzhou (汴州, hoje Kaifeng), Songzhou (宋州) (Shangqiu) até Suzhou (宿州) e após Sizhou (泗州) chegava a Xuyi (盱眙), onde conectava com Huaihe. A secção Leste, usando o Rio Huai (Huaihe) por o antigo canal Hangou [dragado em 486 a.E.C. pelo rei Fuchai do reino Wu], de Shanyang (山阳, actual Huai’an) chegava a Jiangdu (江都, hoje Yangzhou). Era o canal Shanyang [Shanyang du] que do Rio Huai ia até ao Chang Jiang. No ano 587 foi reparado e limpo e em 605, Yangdi colocou mais de cem mil trabalhadores para alargar o Shanyang du e estender o comprimento desse canal de Shanyang (actual Huai’an) até Yangzijin (扬子津), parte Sul da cidade de Jiangdu (actual Yangzhou).

O Canal Tongji foi usado durante seiscentos anos pelas dinastias Sui, Tang, Cinco Dinastias (五代), Song, e Jin e quando a dinastia Song do Sul (1127-1279) mudou a capital para Lin’an (Hangzhou), começou a deixar de ser utilizado e os sedimentos entupiram-no.

No ano de 608, em Yuncheng, concelho de Yongji, na província Shanxi, foi rasgado o canal Yongji (Yongji qu, 永济渠), que na parte Sul ligava o Rio Qin (沁水, Qinshui) com o Rio Amarelo em Wuzhixian. A Norte, o Yongji qu ia de Tianjin à região de Beijing. Assim, ficava o Rio Amarelo ligado ao rio Hai, que atravessava a cidade de Tianjin e atingia o Mar de Bohai em Tanggu. O rio Hai (海河Haihe), com 72 km de comprimento e mais de trezentos afluentes, constitui um dos sete sistemas fluviais da China. Já na dinastia Han de Leste, no ano de 204 Cao Cao abrira Baigou (白沟) a Oeste do canal Weiyunhe (卫运河, sistema do Rio Wei), assim como o canal Pingluqu (平虏渠), a conectar Shahe (沙河, Rio Sha) a Tianjin. Em 610, com a construção do canal Yongji passou a existir uma linha de transporte directa para trazer os cereais das regiões do Chang Jiang e do Huaihe até ao Norte e daí, na dinastia Sui, foram levados 200 milhões de quilos de cereais para Luoyang.

Na dinastia Tang (618-907) o sistema do canal foi desenvolvido e na dinastia Song do Norte (960-1125/26), quando a capital passou para Kaifeng, o canal tornou-se ainda mais importante. No século XI o volume de tráfego era provavelmente três vezes superior ao do período Tang, segundo a Britannica Enciclopedia. O canal foi abandonado no início do século XII, durante a divisão da China entre a dinastia Jin (Juchen, 1115-1234) a Norte e a Song do Sul (1127-1279) a Sul.

O Canal Jiangnan yunhe (江南运河) ligava o Chang Jiang ao rio Qiantang. No Período Primavera-Outono, o reino Wu fez o canal Taibo (泰伯渎, Taibo du) a ligar Suzhou a Wuxi e, quando batalhava com o reino Yue, para transportar arroz, estendeu o canal até ao rio Qiantang.

No reinado do primeiro imperador da dinastia Qin, baseado nesse canal fez-se o prolongamento a Norte desde Zhenjiang, passando por Suzhou até Hangzhou chamando-o Lingshuidao (陵水道). No Período dos Três Reinos, Sun Quan ordenara a construção do canal Jiangnan yunhe (江南运河) para ligar o Chang Jiang, a passar pela sua capital Jianye (actual Nanjing), ao Rio Qiantang (钱塘江). Em 610, usando o Jiangnan yunhe, Yangdi alargou-o e fê-lo passar pelo lago Tai (Taihu), conectando com os rios que no lago desaguavam, tornando o percurso mais recto, desde Jingkou (Zhenjiang) até Yuhang (Hangzhou).

O rio Qiantang, desde o Período Primavera-Outono, está ligado a Shaoxing pelo canal Zhejiang Leste e no Período dos Três Reinos a Ningbo pelo rio Yong e desagua no Mar da China do Leste no distrito de Zhenhai em Ningbo. Assim, na dinastia Sui o Grande Canal ligava o Rio Qiantang a Yanjing (Beijing), atravessando o Chang Jiang, o rio Huaihe, o Rio Amarelo e o rio Hai.

 

Yangdi viaja no Grande Canal

Yangdi fez três viagens no Grande Canal, existindo muitos relatos em que cada uma das versões diverge bastante. A primeira viagem ocorreu no ano de 605, a segunda em 610 e a terceira em 616, apesar de também aqui as datas não coincidirem.

Quando, em 605, ficou completa a construção da secção do Grande Canal com 1800 km entre Yangzhou e Dongdu (Luoyang), o imperador logo fez uma viagem de inspecção no seu barco-dragão, palácio flutuante com telhado em cristal de onde pendiam lanternas e as colunas gravadas com dragões dourados. Seguia a fanfarra a anunciar o cortejo, num espectáculo que pela sua grandeza, excedendo toda a imaginação muito impressionou os habitantes de Dongdu.

A terceira viagem, desde Dongdu até Yangzhou, é referida por Deng Shulin como sendo feita em “dois barcos-dragões de quatro pisos construídos e decorados com extremo luxo, levavam a bordo o imperador Sui Yangdi e as suas concubinas favoritas.” Referem algumas versões da história, a imperatriz Xiao seguia no segundo barco. Navegavam devagar rumo ao Sul, a Yangzhou, na actual província de Jiangsu, e segundo uma lenda “para contemplar uma flor famosa do local. Seguiam os barcos-dragões cerca de dez mil barcos de diversos tipos. Eram os membros da casa imperial, concubinas, dançarinas, vassalos, guardas e munições. Toda a comitiva se estendia por uns cem quilómetros. Nas margens flutuavam bandeiras coloridas. Os guardas, a cavalo, armados, andavam em fila. Os oitenta mil sirgadores vestidos de trapos, recrutados à força, puxavam os barcos, com a sirga penetrando no ombro, cortando as carnes – parar era morrer.”

Mantinha-se Yangdi em Yangzhou quando em 618, durante uma revolta camponesa (Jiangdubingbian, 江都兵变) foi morto por um grupo das suas tropas leais e o país caiu no caos.

Assim, o Grande Canal Sui e Tang tinha o centro em Dongdu (Luoyang) e para Oeste usava o Guangtong qu entre Daxing (Chang’an) e o Rio Amarelo. Para Norte, o canal Yongji chegava a Zhuozhou (涿州) e para Sul usava Tongji qu e Shanyang du [do Rio Huai ao Chang Jiang] e Jiangnan yunhe de Jiangdu (Yangzhou) a Yuhang (Hangzhou). Este era o trajecto do Grande Canal (Da yunhe, 大运河) até à dinastia mongol dos Yuan (1279-1368).

 

Hangzhou, a pérola do sul

O rio Qiantang (钱塘江), o primeiro dos cinco rios que abastece de água o Grande Canal, tem junto à sua foz a cidade de Hangzhou (杭州). Durante 1400 anos a cidade foi o terminal dessa vasta via aquática e é um dos centros para onde confluem e se reúnem, ou intersectam vários canais dos seus diferentes percursos.

De Hangzhou parte o Grande Canal (Da Yunhe, 大运河) para Norte e em Zhenjiang atravessa o Chang Jiang entrando em Yangzhou, de onde por duas diferentes vias se pode navegar até Wuxi, aproveitando as águas do lago Tai, ou no percurso até Huai’an, a antiga secção Leste do Tongji (Tongji qu, 通济渠), usando o rio Huai pelo antigo canal Hangou, de Shanyang (山阳, actual Huai’an) a Jiangdu (江都, hoje Yangzhou). Era o canal Shanyang, dragado na dinastia Qin, com 85 km de comprimento, a começar no Chang Jiang (Yangzi) até Suzhou, donde já no Período Primavera-Outono havia ligação a Wuxi. Yangdi, Imperador da dinastia Sui, em 605, mandou alargá-lo e estender o comprimento desse canal de Shanyang até Yangzijin (扬子津), parte Sul da cidade de Jiangdu (actual Yangzhou). O canal Jiangnan yunhe (江南运河) vai para Sul até ao Rio Qiantang (Qiantangjiang) chegando a Hangzhou e para Leste da cidade, em Xixing, distrito de Binjiang, começa o Canal Zhedong (浙东运河, Zhejiang Leste ou Hangyong) com 240 km, a percorrer o Norte da província de Zhejiang, passa por Shaoxing (绍兴) e conjugando-se ao Rio Yong chega a Ningbo (宁波), onde no distrito de Zhenhai, termina o Canal. Já a Norte, as águas do rio Qiantang vão desaguar no Mar da China do Leste. A cidade de Ningbo, a nordeste da província de Zhejiang, é oficialmente considerada desde 2013 o término Sul do Grande Canal.

 

Ondas no rio Qiantang

Desde há dois mil anos registado na literatura e poesia o fenómeno ocorre próximo do Festival do “Meio do Outono”, entre o 15.º dia do oitavo mês lunar, sendo o clímax no 18.º dia. Ondas de dois metros e meio penetram no Rio Qiantang e chegam à baía de Hangzhou, atraindo milhares de espectadores todos os anos. Esta extraordinária ocorrência deve-se a um conjunto de factores como a gravitação de corpos celestes, a força centrífuga produzida por a rotação da Terra e a forma de gargalo da baía de Hangzhou, sendo o melhor local para observar no concelho de Haining, em Haiyan e Xiaoshan.

Hangzhou, com o nome de Lin’an, foi desde 1138 a capital da dinastia Song do Sul (1127-1279) devido à tribo tártara Jurchen (conhecida mais tarde por manchu, proveniente do Nordeste da China), ter em 1126 conquistado aos Song do Norte a capital Kaifeng. Levaram da corte quase três mil presos para Harbin [onde desde 1115 como dinastia Jin (1115-1234) os Jurchen tinham a capital Imperial em Huining (Harbin) e edificaram Zhongdu (Beijing)], e no inverno de 1141 os Song cederam aos Jin um vasto território, tornando-se como vassalos, pois pagavam um tributo anual de prata e seda.

O restante da corte da dinastia Song retirou-se para Sul, fugindo das investidas dos Jin, e instalou-se em Nanjing (actual Shangqiu, província de Henan) onde Zhao Huan foi feito Imperador Qin Zong (1125-1127). O seu irmão, Zhao Guo, no ano de 1127 proclamou-se Imperador com o nome de Gao Zong e deu início à dinastia Song do Sul (1127-1279), mudando em 1138 a capital para a beira-mar, na cidade de Hangzhou. Era já em 907 chamada Lin‘an, quando Qian Liu fundou o reino Wuyue e aí fez a capital, governando Zhejiang, parte de Jiangsu e Fujian. Como a China do Norte se encontrava em guerra, as populações aí se foram refugiando pois Qian Liu pacificou o reino, expandindo-se este economicamente. O reino Wuyue (907-979) durou 72 anos, com três dinastias e cinco soberanos e só foi conquistado em 978 por a dinastia Song do Norte (960-1127) cuja capital era em Kaifeng.

A História dos Dez Reinos ligados com as Cinco Dinastias (907-960) refere ainda o reino Wu (902-937), situado onde se encontram as províncias de Jiangsu, Anhui, Jiangxi e Hubei, com a capital em Yangzhou e Nanjing, durou 35 anos e teve quatro soberanos. Foi conquistado por o reino Tang do Sul (923-936) aos Liang Tardio (907-923), a dinastia que sucedeu à Tang (618-907). Shi Jingtang, o fundador da dinastia Jin Tardia (936-946) conseguiu o apoio dos Liao (916-1125) [tribo mongol dos Chitan na China] e conquistou o poder ao reino Tang do Sul, voltando a mudar a capital para Kaifeng. Só a dinastia Tang Tardio (923-936) teve Dong Du (Luoyang) como capital, pois nas restantes quatro pertencentes às Cinco Dinastias (Wu Dai, 五代, 907-960) era em Kaifeng. Já a vitória sobre os Han Tardio (947-950) de Zhao Kuangyin, chefe da dinastia Zhou Tardio (951-960), levou os seus oficiais a colocá-lo no lugar de Imperador com o nome de Taizu, fundando em 960 a dinastia Song, que durou até 1279. De 963 a 979 os Song conquistaram um a um os nove Estados do Sul e unificaram a China.

 

Origens de Hangzhou

Próximo do mar, o local onde hoje está construída a cidade de Hangzhou encontrava-se originariamente coberto de água e na maré baixa, as águas do Rio Qiantang deixavam ver baías criadas pela areia. No tempo da dinastia Xia (2070-1600 a.E.C.) a este lugar foi dado o nome de Yuhang, por aí ter Yu, o primeiro rei dessa dinastia, chegado de barco (=hang). Antes da dinastia Zhou pertencia à área de Yangzhou (uma das nove regiões administrativas da então China). Durante a dinastia Qin (221-206 a.E.C.) começaram a construir-se casas no sopé do monte Lingyin, a Noroeste do lago e com o assoreamento, esse núcleo original foi-se expandindo para os vales a Leste e a Norte. Em 326, reinava a dinastia Jin de Leste quando foi construído o templo do Recolhimento das Almas, Lingyin si, sendo um dos dez mais importantes templos de Budismo Chan na China.

Como cidade, Yuhang, o antigo nome de Hangzhou, só começou a ser construída em 406, entre as margens do lago do Oeste (Xihu, 西湖) já formado, e daí ao rio. Situada num vale ao longo do Qiantangjiang, com 410 km de zona fértil de plantações de arroz (com três colheitas ao ano), salinas, arbustos de chá pelas colinas envolventes, fábricas produtoras de seda, flores e pássaros de uma vegetação temperada. Nessa exuberância de produtos, não era de estranhar a capital da província de Zhejiang, Hangzhou, pela abundância ser de onde a grande parte dos impostos, normalmente pagos em géneros, partiam como tributos rumo às cidades Imperiais.

O centro de Hangzhou gira em torno do imenso lago, antigamente denominado Búfalo Dourado, formado a partir de uma inicial lagoa, alimentada pelas águas do Rio Qiantang. Conta a lenda viver o búfalo dourado deitado no fundo do lago e sempre que começava a diminuir o nível das águas, o búfalo emergia e voltava a enchê-lo. A história reporta-se à dinastia Han (206 a.E.C.-220), quando oficiais locais, para agradar ao Imperador, pediram à população para drenar as águas do lago. Seco, logo o búfalo apareceu e os oficiais correram para o apanhar. Furioso, o búfalo produziu água suficiente num só momento que encheu o lago e desde então nunca mais secou. Hoje lá está o búfalo dourado numa estátua dentro de água a recordar as origens desta cidade.

Durante a dinastia Sui, Hangzhou foi muralhada quando Yangdi, o segundo imperador mandou rasgar o Grande Canal. Na dinastia Tang, conjuntamente com Yangzhou e Guangzhou, Hangzhou era um dos três portos de Trato, tanto com ligações marítimas, como fluviais.

A praça central de Wulin (武林门) em Hangzhou era o principal local do mercado e, até 2005, o cais terminal do Grande Canal, onde durante 1400 anos se descarregaram as mercadorias vindas do Norte, como peles e carvão. Em sentido inverso, partiu muito cereal e arroz.

 

A importância dos canais

É fácil compreender como os canais desempenharam um papel crucial na facilitação do mais variado tipo de transacções, proporcionando vias de transporte eficientes e económicas para as mercadorias através de grandes distâncias.

Ao longo dos principais rios e canais, desenvolveram-se cidades-mercado e centros de comércio. Estas cidades tornaram-se centros de comércio onde se compravam e vendiam mercadorias de diferentes regiões. Os comerciantes transportavam as mercadorias através dos canais para estes mercados, onde podiam ser trocadas por outras mercadorias ou vendidas por dinheiro.

O Estado também utilizava os canais para transportar mercadorias cobradas como impostos ou tributos. Por exemplo, os cereais recolhidos como imposto nas regiões férteis do sul eram transportados através do Grande Canal para a capital, no norte. Este sistema não só apoiava o governo, como também ajudava a estabilizar a economia através da redistribuição de recursos.

Os canais permitiam o comércio de longa distância, tanto no interior da China como com países estrangeiros. A seda, a porcelana, o chá e outros artigos de luxo eram transportados para os portos costeiros e depois expedidos para mercados distantes, incluindo os do Sudeste Asiático, do Médio Oriente e da Europa. Este comércio trouxe riqueza e bens estrangeiros para a China, enriquecendo a economia.

De um modo geral, os canais da China antiga eram parte integrante do sistema económico, permitindo a circulação eficiente de mercadorias, o desenvolvimento de mercados e a integração de diferentes regiões numa unidade económica coesa.

More From Author

NANJing A capital reincidente

Árvores Sagradas

A moda das calças rasgadas