O traço imoderado do retrato de Ding Jing

Huaisu (737-799), o monge budista de Lingling (actual Yongzhou, Hunan), com a sua veloz e exuberante forma de escrever que ultrapassava facilmente os limites do razoável, surpreendia os seus contemporâneos mais sensíveis. Li Bai guardou num poema a forte impressão que lhe causou um encontro casual com o calígrafo que se exprimia com o chamado kuangcao, «o cursivo louco»:

«O jovem monge chamado Huaisu
escreve cursivo de modo único sob o céu (…)
Na frescura do fim do Verão, numa taberna
cheia de convidados e poetas embrigados
Rolos de papel e seda desenrolam-se em baús
enquanto a pedra de tinta de Xuanzhou
brilhava no escuro.»

Sendo monge, para quem as distracções sensoriais da carne e do vinho estariam vedadas, ele era conhecido como outros poetas do seu tempo, pelo excessivo gosto do álcool. Num poema que lhe é atribuído é referida essa característica que os outros lhe reconheciam:

«As pessoas enviam-me vinhos
que eu nunca revendo,
pois todos os dias penduro
num pinheiro um jarro de vinho.
Ao procurar sabedoria
a escrita cursiva aflora
a expressão da minha loucura.
Seria tão bom que eu fosse
retratado numa pintura
como um monge embriagado…»

E esse traço talvez demasiado livre do pincel, também seria utilizado justamente em retratos, recebidos por alguns já não com a admiração surpresa dos poetas, mas com a cautela própria das mentes avisadas. Foi o caso notoriamente de alguns retratos feitos pelo pintor de Yangzhou, Luo Ping (1733-1799).

Se Jin Nong, o seu mentor, lhe sugeriu que um retrato podia ter até o valor de uma credencial e num auto-retrato que lhe ofereceu, escreveu que ele o devia levar consigo sempre que fosse viajar para o mostrar a amigos e colegas que quisessem conhecer o famoso mestre. Já os desconcertantes retratos que Luo Ping fez de amigos tiveram outra recepção, como aconteceu com um seu amigo conhecido como gravador de carimbos.

Ding Jing (1695-1765) dedicava-se em Hangzhou, sem grande sucesso, à venda de vinho. Quando na Primavera de 1763, Luo Ping fez o seu retrato sentado, na pose que se vê numa antiga efígie de um luohan (rolo vertical, tinta e cor sobre papel, 108,1 x 60,7 cm, Museu Provincial de Zhejiang), Ding respondeu-lhe: «Nunca pensei que tu, meu irmão, que és tão bom comigo desenhasses, apesar disso, o meu rosto como poeira e madeira ressequida, aplicando porém a pincelada mais delicada. Depois de o desenrolar e contemplar foram ao mesmo tempo tantas as emoções como a admiração. Um simples obrigado não será suficiente. No entanto, receio que se tão maravilhosa pintura for vista em público, se torne num alvo de difamação pelos vilões deste mundo. E isso tem que acontecer? Esta pintura deve ser guardada com grande cuidado e confidencialidade numa bolsa de bambu para que os meus descendentes a possam um dia venerar.»

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